Acadêmico do Football Industry Group, unidade de estudos da Universidade de Liverpool, o professor Geoff Pearson é uma das maiores autoridades do mundo em violência de torcidas, tendo atuado como consultor do Ministério do Interior britânico e mesmo do Comitê Organizador da Eurocopa de 2004, em Portugal. Embora o Brasil não seja um tópico de suas pesquisas, os episódios do último domingo em Joinville não passaram despercebidos. Em entrevista ao UOL Esporte, Pearson alerta para o imediatismo de soluções como um reforço de policiamento e maior repressão em estádios.
"Não existe solução imediata para o problema da violência nos estádios. A mudança de comportamento do torcedor é um processo longo e que não depende apenas de um lado. Mas o que parece claro em todos os casos que analisei é a importância de uma mudança drástica no modelo de gerenciamento de público. A começar pelo policiamento", afirma Pearson.
Definida na Inglaterra como 'hoooliganismo', a violência de torcidas ficou identificada com o país inventor do futebol em função de um festival de episódios de truculência nos anos 70 e 80. O mais famoso deles a briga iniciada pelos torcedores do Liverpool na final da então Copa dos Campeões de 1985, no estádio de Heysel (Bélgica), e que resultou na morte de 39 torcedores do Juventus e outros 600 feridos.
A tragédia provocou a expulsão de clubes ingleses dos torneios continentais até 1991 e criou uma reputação de encrenqueira para os torcedores da seleção inglesa a ponto de o time ter sido "isolado" pela Fifa na Ilha da Sardenha durante a primeira fase do Mundial de 1990. O maior impacto, porém, foi doméstico: o governo inglês criou uma legislação especial para combater casos de violência em estádios, incluindo ordem judiciais afastando baderneiros dos estádios.
"É fundamental que brigões saibam que seus atos terão consequências e a existência de mecanismos como as suspensões de entrada nos estádios ajudam a evitar incidentes. Mas isso também passou por uma mudança na forma de policiar os jogos. Se a polícia apenas aparece com o aparato de choque, o antagonismo só vai aumentar'', completa Pearson.
O acadêmico cita como exemplo cenas diferentes que presenciou durante a Eurocopa de 2000, quando acompanhou grupos de torcedores ingleses pelas sedes na Holanda e na Bélgica. Enquanto a polícia adotou uma estratégia mais baseada numa aproximação com as multidões, a forças belgas sitiaram os ingleses. "Seis torcedores foram presos na Holanda e 965 na Bélgica, onde a polícia reagiu de forma atabalhoada depois de uma pequena briga que poderia ter sido evitada se uma maior interação com o público tivesse ocorrido".
O modelo mais "amigável", segundo Pearson, também funciona para estádios. Demonstrações de força tendem a despertar valentia mesmo em quem não foi ao estádio para brigar. "É uma minoria que aparece para criar confusão. Ela tem que ser identificada por clubes e forças de segurança. É preciso ser proativo em vez de esperar as brigas acontecerem. Se os brigões não forem punidos, onde está o incentivo para não arrumar tumulto? Ao mesmo tempo, a polícia precisa ser vista como uma força ao lado de quem está no estádio para ver o jogo, não um inimigo", opina Pearson.
Perguntado sobre a questão da segurança particular na Arena Joinville, o acadêmico inglês aponta para o outro exemplo de seu país, em que a presença da polícia no interior de estádios é marcada pela discrição, em função de uma espécie de autopoliciamento por parte do público. "Os incidentes de racismo, por exemplo, diminuíram no futebol inglês porque possíveis encrenqueiros começaram a ser reprimido pelo próprio público em volta, não apenas por causa da ameaça de prisão. Mas isso ocorreu porque o público se sentiu seguro para denunciar e agir. Isso precisa ocorrer também nos estádios brasileiros".