Verdades sobre o Campeonato Brasileiro de 1974
Por Marcelo Panoeiro
Há exatos 2 meses, a diretoria vascaína prestou homenagem aos campeões Brasileiros de 1974 pelos 35 anos da conquista. Entretanto, muitas lendas e folclores foram criados a respeito daquela decisão entre Vasco e Cruzeiro, surgindo, inclusive uma versão de que o Cruzeiro fora prejudicado.
As linhas a seguir irão resgatar a verdade e os fatos históricos como forma de fazer justiça à diretoria vascaína daquele ano e aos heróis da conquista.
Antes, porém, é preciso rever um pouco da cobertura da imprensa sobre este título, a fim de entrar no clima.
Milton Neves x Verdade
O gol cruzeirense e suas conseqüências
Ao rever os comentários de Milton Neves a impressão que fica é a de que o gol cruzeirense anulado daria o título aos mineiros. Entretanto, é preciso ler o regulamento para compreender o fato.
“Art 22 – Quando, terminada a Fase Final, dois times estiverem empatados em primeiro lugar, será realizado entre eles um jogo extra.
Neste jogo, se depois de noventa minutos regulamentares, persistir o empate, haverá – depois de um descanso de dez minutos – uma prorrogação de trinta minutos, dividida em dois tempos de quinze, sem descanso e com mudança de campo.
Se depois da prorrogação ainda persistir o empate haverá cobrança de cinco penalidades máximas por equipe. O árbitro determinará, por sorteio, a equipe que iniciará a série.
A cobrança será feita por cinco jogadores que tenham terminado a partida. Se, após a cobrança da série de penalidades ainda persistir o empate, será feita a cobrança de uma penalidade máxima por equipe, alternadamente, até que se defina o vencedor.” [trecho do regulamento do Campeonato Brasileiro de 1974 extraído do jornal O Globo, Edição Esportiva, p.1 de 29/07/1974]
Fica evidente, então, que uma possível validação do gol cruzeirense não daria o título aos mineiros, já que o regulamento não dá a vantagem do empate para nenhum dos times. Portanto, o chororô de Milton Neves, que tenta induzir que a validação do gol daria o título ao Cruzeiro, é uma prática de jornalismo irresponsável, pois o máximo que o mineiros conseguiriam seria o direito de levar a disputa para a cobrança de penalidades.
Mas já que Milton Neves falou em gol anulado.
Onde foi parar a imagem do gol do Vasco mal anulado?
Infelizmente a imparcialidade não é um predicado da parte da imprensa nacional que Milton Neves é representante. Esconder informação para induzir o espectador ao erro não parece ser uma prática honesta.
Entretanto, a verdade um dia aparece, como na imagem a seguir em que Jorginho Carvoeiro, ainda no primeiro tempo, fazia 2 a 0 para o Vasco na decisão de 1974 e teve seu gol mal anulado.
Se a brincadeira de Milton Neves era validar os gols mal anulados, cabe ao vascaíno saber que a choradeira cruzeirense era por um gol que não teria o menor impacto no título vascaíno. Se os dois gols anulados, um para cada lado, fossem validados, o placar teria sido Vasco 3 x 2 Cruzeiro.
A transferência do local da partida
Os cruzeirenses e Milton Neves reclamam ainda da transferência do local da partida do Mineirão para o Maracanã baseados, segundo eles, no regulamento da competição que determinava um jogo extra entre Vasco e Cruzeiro por terem terminado a fase final empatados com 4 pontos, devendo ser disputado na casa da equipe de melhor campanha em todo o Campeonato, neste caso, o Cruzeiro (38 pontos contra 34 do Vasco).
Porém, este mesmo regulamento tão defendido pelos cruzeirenses determinava alguns casos de inversão de mando de campo.
"Art 59 - Quando houver tentativa de agressão ou agressão por parte do público ou de dirigente, associado ou empregado do clube local a árbitro, seus auxiliares, dirigentes, empregados ou jogadores do clube visitante, o Departamento de Futebol da CBD reestruturará a tabela do Campeonato, invertendo o mando de campo de três jogos subseqüentes do clube local". [trecho extraído do jornal O Globo, p.40, 30/07/1974]
Sendo assim, havia no regulamento uma previsão de punição contra times baderneiros, logo, se o Cruzeiro se enquadrasse neste artigo, deveria ser punido.
O fato gerador da inversão do mando de campo
Na partida disputada no Mineirão, em 24/07/1974, entre Cruzeiro e Vasco que terminou empatada, o Vice-presidente do Cruzeiro, Carmine Furletti, invadiu o campo de jogo e tentou agredir o árbitro Sebastião Rufino após um lance envolvendo Palhinha do Cruzeiro e Joel do Vasco na área do clube carioca. A imprensa noticiou o fato.
"Para Sebastião Rufino, Palhinha se atirou no chão, encenando uma falta para tentar ganhar o jogo em seu final. Na súmula, o dirigente do Cruzeiro, Carmine Furletti, sofreu violenta carga. 'Ele tentou agredir-me’”[trecho extraído do jornal O Globo de 26/07/1974, p.22]
Veja as cenas lamentáveis de violência e invasão de campo dos dirigentes mineiros tentando pressionar o árbitro Sebastião Rufino.
O que alegavam os cruzeirenses?
Pode parecer piada, mas a argumentação cruzeirense era a de que não deveria ser aplicado o artigo 59 do regulamento. A fundamentação para esta apelação era ainda mais absurda, uma verdadeira aberração jurídica. Os mineiros alegavam que o artigo 59 não havia sido aplicado em outras oportunidades do mesmo campeonato, por isso, não deveria ser aplicado novamente.
Mas o que pensavam os demais dirigentes?
Na edição do dia 31/07/1974 do jornal O Globo, o presidente do Fluminense explicou o caso:
"O Regulamento visto pelo Flu
Explicação de Jorge Frias de Paula, presidente do Fluminense, para o fato de o artigo 59 do regulamento não ter sido aplicado antes: 'nenhum clube se lembrou de recorrer em tempo hábil. Os regulamentos existem para serem usados, desde que alguém se lembre de usá-los". [trecho extraído do jornal O Globo, 31/07/1974, p.28]
A escolha de Armando Marques para a decisão
Apesar de hoje ignorarem o gol do Vasco mal anulado na final e criticarem Armando Marques por ter anulado o gol cruzeirense que levaria a partida para os pênaltis, nas vésperas da partida decisiva, Carmine Furletti falou ao jornal O Globo.
“Estamos fartos de Rufinos e Amaros. Queremos um juíz do gabarito de um Armando Marques ou Arnaldo César Coelho. E fazemos questão de participar da reunião da CBD que escolherá o juiz”. [trecho extraído do jornal O Globo, Edição Esportiva, 29/07/1974, p.1]
Ou seja, antes da partida, Armando Marques era o preferido dos dirigentes mineiros que participaram da reunião que o definiu como juiz do jogo. Porém, depois do título perdido, começou a choradeira e Armando Marques deixou de ser o que os mineiros desejavam.
O terceiro cartão amarelo de Piazza
Apesar de toda a choradeira cruzeirense e de Milton Neves, foi o time de Minas que conseguiu burlar o regulamento e escalar o suspenso Wilson Piazza, que havia tomado o terceiro cartão amarelo no confronto anterior entre Santos e Cruzeiro no dia 28/07/1974.
O jornal O Globo do dia 29/07/1974 trazia os problemas de cada clube para a decisão.
“Cruzeiro e Vasco têm problemas para decisão. Joel voltou a sentir a contusão no joelho esquerdo, foi para casa com ordens de fazer aplicações de toalhas quentes e hoje fará tratamento fisioterápico no clube. No Cruzeiro, Piazza recebeu ontem o terceiro cartão amarelo”. [trecho extraído do jornal O Globo, Edição Esportiva, 29/07/1974, p.1]
Após 35 anos, a verdade enfim aparece e os vascaínos passam a tomar mais conhecimento do que é capaz um jornalista quando quer manipular a informação.
Marcelo Panoeiro
marcelopanoeiro@globo.com