Mais uma reta final de Brasileiro é cercada de discussão nem tão recente. Na era dos pontos corridos, depender do rival para chegar ao título ou escapar do temido rebaixamento tem sido fatal e transforma alguns jogos em eternas polêmicas. Começa com os torcedores e se estende aos dirigentes, jogadores, técnicos... Fica sempre a dúvida se o tal clube \"inimigo\" facilitou ou não para o adversário. E não é questão de malas brancas ou pretas. No caso, a suspeita é de que pesa mais a rivalidade para entregar a cabeça do coirmão e a taça para o outro...
Este ano, o Fluminense lidera o Brasileirão com um ponto de vantagem sobre Corinthians e Cruzeiro. Seis pontos atrás dos tricolores, aparece o Botafogo, também com chances matemáticas. O temor agora vem do Timão. O Flu terá pela frente dois de seus rivais tradicionais, Palmeiras e São Paulo, sem chances de título - o Verdão está mais preocupado em ir para a final da Sul-Americana, e o Tricolor Paulista tem remotas chances de ir à Libertadores. E as torcidas dos clubes já pediram que entreguem a partida para os cariocas. Não querem, de jeito nenhum, que a taça vá para o Parque São Jorge.
O Cruzeiro também enfrentará o Verdão, rival corintiano, e Flamengo e Vasco, adversários do Tricolor carioca. A equipe cruzmaltina apenas cumpre regulamento. O Rubro-Negro briga ainda para não ser rebaixado, mas pode enfrentar a Raposa já sem chances de cair. Basta derrotar o Galo, neste sábado, e o Guarani, na rodada seguinte. Por outro lado, o Fluminense pode encarar o Guarani na última jogada já campeão brasileiro. O Bugre briga com o Flamengo, Atlético-MG e outras equipes contra a degola. Com a rivalidade à flor da pele, a discussão prometer render, e muito. E há quem lembre de casos que servem para apimentar ainda mais a dúvida.
- Não me peça para falar qual campeonato e quais os times, mas é verdade a história de que comandei uma equipe que chegou no vestiário contando que o adversário dizia em campo que não poderia ganhar aquela partida, porque beneficiaria um rival - afirmou o técnico Tite, que agora luta para conquistar o Brasileiro no ano do centenário do Corinthians.
São Paulo 3 x 0 Internacional - Brasileiro de 2008
Apesar do episódio pelo qual passou, Tite acredita em lisura nesta reta final. Diz que não gosta de ser mal interpretado.
- No fundo você está duvidando da índole e da capacidade dos profissionais. E o profissional que está agora do outro lado pode estar aqui amanhã.
O técnico fala do assunto com conhecimento de causa. Em 2008, treinava o Internacional quando, na 33ª rodada, a cinco do fim, tomou a decisão de poupar o time na partida contra o São Paulo pelo Campeonato Brasileiro. O Colorado estava na reta final da Copa Sul-Americana. Mas o Grêmio, grande rival, brigava pelo título brasileiro. O Tricolor Paulista venceu por 3 a 0 e arrancou para o título. O Gaúcho, que empatou por 1 a 1 com o Figueirense, viu ali a taça escapar.
- Eu preservei alguns jogadores contra o São Paulo naquela ocasião e me senti muito confortável com isso, porque conversei com a comissão técnica e com os atletas e a resposta é que poderia perder qualidade física e técnica em um jogo decisivo da Sul-Americana contra o Boca Juniors. A Sul-Americana era a nossa prioridade, e priorizamos - defendeu-se.
Flamengo 2 x 1 Grêmio - Brasileiro de 2009
A justificativa de Tite não encontrou perdão do lado gremista. Tanto torcedores quanto dirigentes reclamaram muito. No ano seguinte, em 2009, o coro que chegava das arquibancadas era para que o Grêmio devolvesse na mesma moeda na última rodada, contra o Flamengo, no Maracanã. Sem chances, o Tricolor Gaúcho botou time praticamente reserva. O Inter precisava do rival para tirar o título do Fla, que venceu por 2 a 1 e ficou com o hexa.
- Sendo bem sincero: se me perguntar se o Grêmio facilitou, facilitou porque não levou o time titular. Dar o título para o Inter ficaria insustentável. Pedir para fazer corpo mole eu nunca vi diretamente no futebol, mas indiretmente... - afirmou o volante Túlio, que defendeu o Botafogo e estava no clube gaúcho em 2009.
O jogador, atualmente no Figueirense, que luta para voltar à Série A, lembrou de uma reunião ocorrida na sexta-feira antes da partida. Discutia-se a possibilidade de levar ou não os titulares. Segundo o jogador, o argentino Máxi Lopez era um dos que queriam time completo. A possibilidade de irem apenas alguns não era levada em conta.
- Ele dizia \"ou vão todos ou não vai nenhum\". Ficou decidido também que só com os juniores não poderíamos ir. Aí resolveram que o Rospide ia fazer a convocação. Nessa hora, o diretor falou: \"Uma coisa é certa. Dar o título para o Inter nós não vamos.\" Depois, percebeu a gafe e consertou a frase - disse Túlio por telefone, aos risos.
Uma coisa o volante garante: quem entrou em campo queria ganhar a partida, independentemente das consequências.
- Eu queria vencer aquele jogo mais do que tudo. Seria um título brasileiro. O Maracanã abarrotado de gente... Vivi muita coisa com o Botafogo ali, contra o Flamengo. E os jogadores todos se esforçaram. Fizemos uma partida tão boa que a torcida ficou revoltada. O Adilson, volante que era da base, estava tenso, achando que teria de mudar de cidade. E teve boa atuação. O Marcelo, goleiro, foi o mais criticado. Quando chegamos a Porto Alegre, a torcida chegou a nos ofender, como se tivéssemos feito algo de errado - contou Túlio, certo de que o filme vai se repetir este ano. - Não tenho dúvida. Ainda mais com o Palmeiras na Sul-Americana...
O técnico do Grêmio na época, Marcelo Rospide, também sentiu desejo dos jogadores de vencer. Mas reconheceu que foi uma semana de muita pressão.
- Os gremistas esperavam uma atitude, os colorados cobravam outra. Na rua uma pessoa gritava \"entrega\", e outros diziam \"não faz isso, ajuda a gente\". Foi uma postura da direção liberar os atletas titulares. Passou uma pressão interna, parecia que a direção estava colocando os mais fracos para jogar. Pelo nosso código de ética não poderíamos perder de propósito. Eu não poderia exigir isso dos jogadores, e nem eles poderiam fazer isso.
O atacante do Internacional, Alecsandro, que sofreu com a derrota do Grêmio no ano passado, viu com naturalidade a postura do grande rival gaúcho.
- Não dá para todo mundo ser profissional, ter o pensamento que temos de colocar uma equipe forte, não entrar para entregar o jogo. Não estou aqui para crucificar ninguém. Falo da nossa equipe, que poderia ter sido campeã se fizesse sua parte. Dependemos do Grêmio na última rodada. Sabíamos que, pela cultura daqui, se acontecesse o resultado que a gente queria, seria algo inexplicável. Ficou dentro do normal, que era nós vencermos e o Grêmio perder.
Goiás 2 x 1 Internacional - Brasileiro de 2007
Ex-Inter, Fernandão, hoje no São Paulo, não encarou com naturalidade as suposições de que o Tricolor vai facilitar as coisas para o Fluminense para se vingar do Corinthians.
- Temos 38 jogos, 19 em casa e 19 fora. Cada um constrói sua história, amigo, não tem essa de pensar no outro, não. Muita gente começa a jogar a responsabilidade para os outros. Isso incomoda. Jogador no Brasil é tratado como bandido, como um cara que só quer ganhar dinheiro, vai pra casa e que se dane. Sou pai, tenho que dar exemplo para os meus filhos. Parem com essa historinha.
A irritação de Fernandão é reincidente. Em 2007, o Inter levou a fama de ter facilitado as coisas para o Goiás, na última rodada, para que o Corinthians fosse rebaixado para a Série B sob o pretexto de vingança da perda do título de 2005. Na ocasião, o Colorado viu o título escapar ao ser prejudicado pela arbitragem no jogo contra o Timão, pela antepenúltima rodada. Tinga sofreu pènalti não marcado e ainda foi expulso no lance por simulação que não houve. O Corinthians arrancou o empate por 1 a 1 no Pacaembu, e o clube gaúcho ficou com o vice.
- É chato demais isso. Em 2007, quando estava no Inter, foi a mesma ladainha. Eu já perdi um monte de jogo no campeonato. Então, se perder agora, é porque estou entregando? Aqui dentro somos todos homens. Isso incomoda - ressaltou o atacante
Quem também estava naquele elenco colorado naquele ano era o atacante Iarley. Hoje no Corinthians, discorda do que a Fiel pensou do Colorado em 2007.
- Se o Inter tivesse feito corpo mole para o Goiás eu teria sido o primeiro a falar na imprensa. Eu nem entraria em campo se soubesse de uma coisa dessas. Esse negócio de corpo mole não existe. Mas para evitar esses comentários, as equipes têm de ganhar seus jogos. Como o Corinthians agora. Nós temos de vencer todos para não ter nada para falar.
Para Iarley, quando uma equipe entra em campo, em nenhum momento pensa em outra que não seja a adversária naquele confronto.
- Temos de lembrar que em 2007 estava 40 graus em Goiânia e o Clemer ainda pegou dois pênaltis. Você acha que ele se mataria para pegar as bolas se tivesse marmelada? Acontece que o Goiás estava jogando contra a morte. E nós ainda saímos na frente.
Corinthians 0 x 2 Flamengo - Brasileiro de 2009
Toda essa polêmica, segundo Iarley, esconde as falhas da própria equipe ao longo da competição.
- Tem muita coincidência na reta final. O problema é que só falam agora, mas no meio do campeonato você também tem jogos que interferem diretamente nos adversários. Agora gostam de falar para apimentar.
O atacante corintiano sabe, no entanto, que não basta o Corinthians vencer todas as partidas que restam. O Timão vai precisar da ajuda de um coirmão. Mas torcedores palmeirenses e são-paulinos começaram campanha na internet, no site de relacionamentos Orkut, para que as equipes facilitem o título para o Fluminense. O Tricolor carioca enfrenta o Paulista no dia 21, e o Verdão no dia 28 deste mês.
A mágoa é recente. No ano passado, na reta final do Brasileirão, os dois clubes reclamaram da postura do Corinthians diante do Flamengo, na penúltima rodada. Principalmente do goleiro Felipe, que sequer pulou no pênalti cobrado por Léo Moura, no fim do segundo tempo, sacramentando a vitória rubro-negra por 2 a 0. Com o resultado, a equipe carioca pulou para a ponta, tirando a chance de título dos palmeirenses e deixando a situação complicada para os são-paulinos.
O lateral rubro-negro evitou polêmica. Não considera que o goleiro corintiano ou qualquer outro jogador tenha facilitado as coisas.
- Eu de maneira alguma achei que eles estivessem aliviando. Na verdade, quase nos complicaram. E sobre o pênalti, eu escolhi um canto e bati. Se ele não pulou, aí já não é culpa minha! Estou ali para bater e fazer o gol. Ele não me falou nada que não pularia. Só vi que estava chateado pelo pênalti que o árbitro tinha marcado.
Flamengo 0 x 1 Bahia - Brasileiro de 1996
A campanha de palmeirenses e são-paulinos para que seus clubes façam corpo mole para o Fluminense não pode ser levada a sério pelos jogadores. O alerta é do meia Deco, que volta à equipe tricolor na partida contra o Goiás, domingo.
- É normal essa rivalidade, mas não fazemos parte disso. Nossa obrigação é ganhar os jogos. O Fluminense tem que fazer a sua parte e pensar jogo a jogo disse Deco.
O técnico Muricy Ramalho nem deu muito assunto à polêmica. Para ele, nenhuma rivalidade seria capaz de fazer com que uma grande equipe fizesse corpo mole.
- Estou no futebol há 30 anos. Perguntar para dirigentes e torcedor sobre esse assunto é conversa fiada. É uma falta de respeito com o profissional se levantar essa hipótese. Estamos falando de times muito grandes. Como um técnico vai pedir para seu time entregar o jogo? Não tem nada a ver. A rivalidade existe, a gente sabe disso. Mas o jogador não quer saber, quer ganhar. Como vai entrar no campo para perder?
Há 14 anos, no entanto, antes da era dos pontos corridos, os tricolores não pensaram assim. Na última rodada do Brasileirão, o Fluminense dependia de um tropeço do Bahia diante do Flamengo para não ser rebaixado para a Série B. Na ocasião, quem treinava o Rubro-Negro era o técnico Joel Santana, que escalou um time misto. O Bahia venceu a partida por 1 a 0.
O Tricolor carioca só não caiu porque, naquele ano, houve escândalo envolvendo o então diretor da Comissão Nacional de Arbitragens (Conaf), Ivens Mendes. Tanto o Flu quanto o Bragantino foram mantidos na Série A, que ficou com 26 clubes. Mas a mágoa permanece até hoje.
- Não aconteceu nada demais para lembrarem depois dessas partidas. Não traz nada de bom para o futebol de hoje. Tenho o maior carinho pelo Flu, já fui campeão lá. Não partiria de mim nenhuma atitude para prejudicar o clube. Não vamos tentar manchar o nome de ninguém. Já passei por tanto problema na minha carreira... Pô, lembrar 1996? Em 96, eu era o Tom Cruise no futebol - afirmou Joel Santana, hoje no Botafogo
Crucificado pelos tricolores, Joel, ídolo alvinegro, tenta levar o clube pelo menos para a Libertadores. Torce para a rivalidade não atrapalhar suas pretensões. Afinal, o grande rival dos últimos anos, o Flamengo, terá pela frente o Cruzeiro... Até o fim do Brasileiro, as polêmicas vão continuar. E restará a dúvida se a taça vai ser conquistada com uma ajudinha secreta ou não.