Aos 34 anos, Alessandro tenta um recomeço no Náutico. Dispensado pelo Botafogo depois de cinco temporadas em General Severiano, o lateral-direito ressalta a relação de amor e ódio com a torcida alvinegra, mas que ainda tenta administrar um sentimento de gratidão e mágoa no coração declaradamente botafoguense. Mas a Estrela Solitária é apenas uma parte da sua história. Com passagens por Vasco, Campo Grande, Mirassol, Ituano, Bangu, Atlético-MG, São Caetano, Atlético-PR e Seleção Brasileira, ele é visto hoje nos Aflitos como uma das principais contratações do Timbu para a disputa da Série A do Brasileirão.
Ao mesmo tempo em que caminha para o fim da carreira, Alessandro ainda lamenta ter saído do Botafogo. E encara a oportunidade no Náutico para provar ao clube carioca que ainda pode ser útil no campo. O ex-cortador de cana, que nasceu no interior do Rio de Janeiro, falou das decepções e alegrias que teve dentro e fora dos gramados. O sorriso vem fácil ao lembrar do título brasileiro em 2001, sob o comando do técnico Geninho no Atlético-PR, e algumas convocações para a Seleção Brasileira. E a tristeza bate forte ao falar da chance que não teve de disputar a Copa do Mundo de 2002, realizada no Japão e na Coreia do Sul.
Alessandro viveu alegrias e tristezas no Botafogo e agora busca recomeço no Náutico (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
GLOBOESPORTE.COM/PE: Você começou no Vasco, com Edmundo brilhando no Brasileiro de 1997. Como foi iniciar a carreira num time vencedor como aquele?
Foi bom demais. Tinha acabado de subir para o profissional, tive a oportunidade de jogar um Brasileiro com gente como Edmundo, Evair e Juninho Pernambucano. Foi um sonho realizado, pois estava no meio de ídolos que via pela televisão. Apesar de ter entrado pouco, me considero campeão. Para um cara vindo de Campos dos Goytacazes, no interior do estado do Rio de Janeiro, foi um momento inesquecível, de extrema felicidade.
Assim como a maioria dos jogadores, você também integra a lista dos que precisaram vencer inúmeras barreiras para obter sucesso na profissão?
Minha família era muito pobre, humilde mesmo. Meus avôs e meus tios trabalhavam na roça, assim como eu. Tive que ajudar a trazer comida para casa, só que eu era muito ruim de serviço, porque só queria saber de jogar bola (risos). Meus pais me cobravam, mas apenas a minha avó foi quem meu deu força, investiu em mim. Foi ela quem disse que eu devia esquecer o trabalho e seguir o meu sonho. Graças a Deus deu certo, e agora ajudo a minha família. Brinco com meus familiares: \"Estão vendo? Tudo que a gente conseguiu foi por causa do futebol. E vocês não queriam que eu ficasse jogando bola. Imaginem se eu tivesse trabalhado mesmo!\" (risos).
Como era o trabalho na roça?
Nós éramos cortadores de cana. Trabalhávamos em usina, era pesado demais. Somos quatro filhos, dois casais. Sou o segundo mais velho. A primogênita gostava de estudar e não trabalhava por ser mulher. Os dois mais novos têm apenas 24 e 23 anos, hoje, então não pegaram a época difícil, da cana. Não sofreram nada, pegaram a mamata, estudando em bons colégios, ao contrário de mim. Um é engenheiro, e a outra está acabando o curso de Nutrição. Estão com a vida feita.
Alessandro quer encerrar carreira no Botafogo
(Foto: Richard Fausto de Souza/Globoesporte.com)
Então, o Alessandro que conhecemos foi forjado entre os canaviais?
Foi uma vida muito difícil, muito sofrida. A pessoa trabalha duro e ganha pouco, debaixo de sol e chuva, sem contar que não tem horário para chegar em casa. A jornada começava às 8h e ia até 22h, 23h, para ganhar apenas uns R$ 40 por semana. Muitos amigos meus continuam nessa vida, porque não tiveram uma oportunidade como a minha. O nome do nosso distrito é Toco, e 90% das pessoas vivem da cana. Se a usina falir, quebra todo mundo que vive lá. Agradeço demais por ter saído dos canaviais, superado as minhas dificuldades para vencer na vida. Com 16 anos, fiz teste no Americano e fiquei no juvenil. Só que o clube tinha dificuldade para pagar lanches, para nos manter. Minha avó é quem me sustentava nessa época, me emprestava dinheiro. Mas chegou um momento em que ela estava tirando a comida de casa para eu jogar, então resolvi parar, porque achava esse sacrifício alto demais. Pensei: \"Vou parar com o futebol e voltar a trabalhar na lavoura\". Mas aí eu tinha um tio-avô que morava no Rio de Janeiro e era cabelereiro. Ele cortava o cabelo do treinador dos juniores do Vasco, e eles conversaram sobre mim. Acabei conseguindo um teste em São Januário, passei e a minha vida começou a mudar. Quando entrei no Vasco, nunca mais me imaginei fazendo outra coisa. Só pensava na minha família cortando cana e segui porque sabia que só eu poderia tirá-los da plantação.
Você passou por diversos times, mas tem uma identificação maior com o Botafogo? Recebeu muita pressão no clube carioca?
Tive até demais. A torcida foi extremamente injusta, mas foi uma minoria, não a massa botafoguense. Uma dúzia começa a xingar e acaba contagiando o resto da arquibancada. Peguei o Engenhão com 30, 40 mil pessoas me xingando. É muito duro, mas também tive o mesmo com as pessoas gritando o meu nome. Vivi uma relação de amor e ódio com a torcida, mas soube me dar bem com isso. Eu não ficava com medo das vaias, nem me escondia com a bola queimando, não! Quanto mais eles me vaiavam, mais eu partia para cima, pegava na bola e corria mais. Errava, lógico, só que ali eu não podia errar um passe. Um outro jogador errava, o time levava um gol, mas eu era o culpado. Era assim que acontecia, e fui aprendendo a conviver com isso.
Vivi uma relação de amor e ódio com a torcida do Botafogo\"
Alessandro
Como você reagia a esses ataques da torcida?
Lógico que era chato demais, pois levava a minha família para o estádio, e minha mulher e meus filhos ficavam escutando aquilo. Então parei de levá-los, deixava em casa, porque a pressão estava grande. Comecei a fazer tratamento psicológico, inclusive para me ajudar a superar a morte do meu tio e do meu avô naquela época (2009). Me emociono porque sei que sou um exemplo para quem está dentro do Botafogo. Dos mais jovens aos mais velhos, todos aprenderam a se comportar sob pressão porque ninguém aguenta a cobrança que tive reagindo com uma integridade como a minha. Repito, nenhum jogador aguenta. Nem Lucio Flavio, nem Leandro Guerreiro suportaram. Quando começaram as cobranças, eles pediram para sair, e eu não. Continuei. Disse que ia dar a volta por cima dentro de campo e fui dando a resposta no gramado, principalmente nos clássicos. As coisas foram mudando, a torcida começou a ir para o meu lado e passei entendê-la. Não adianta você estar bem tecnicamente, o jogador precisa ter coração para o torcedor. Descobri que quando estava mal, eu gritava, corria, dava carrinho e vibrava, o que ia contagiando a arquibancada. Assim, fui minando a minoria que me perseguia.
Por que a torcida do Botafogo pegava tanto no seu pé?
Acho que pela seca de títulos do time e por perder três estaduais seguidos para o Flamengo (2007, 2008 e 2009). Muitos jogadores dessa época saíram, e quem ficava era cobrado. Os novatos não sofriam tanto, a torcida mirava nos veteranos desses vices. Foi um momento complicado. Minhas sessões diárias com a psicóloga Maíra Ruas me fizeram chegar ao nível de não mais escutar o que saía da torcida. Ela me ajudou muito, e até hoje somos amigos. Nos falamos por telefone recentemente, e ela me disse que o pessoal tem muita saudade de mim por lá, gente até arrependida por ter me mandado embora. Quem sabe foi o próprio presidente do clube (Mauricio Assumpção).
Alessandro em ação contra o Bangu. Jogador também teve passagem pelo clube carioca (Foto: Ag. Estado)
A relação com os dirigentes era boa?
Havia dito, depois da Copa do Brasil (de 2011, quando o time foi eliminado pelo Avaí) que aquele era meu último ano no Botafogo, pois estava muito desgastado. Me acusavam por tudo no clube, até porque eu exercia um papel de liderança. Meu apelido de \"presidente\" não era à toa. O presidente Maurício Assumpção insistiu que eu continuasse, apesar de eu já ter recebido algumas propostas de outros times. Ele ficava falando que não admitia que me levassem e reuniu o grupo em outubro, junto com a diretoria, para nos dar o parabéns pela boa campanha que estávamos fazendo no Brasileiro. No fim, ele revelou que faria uma ótima surpresa para um jogador do elenco, então disse que estava renovando o meu contrato porque eu era um jogador que merecia por tudo que tinha feito no Botafogo. Todo mundo bateu palma, e eu fiquei quieto. Acabou a reunião, liguei para o meu empresário, acertamos tudo. Independentemente de idade, eles garantiram que eu continuaria e me deram mais dois anos de vigência. Assinei o contrato junto com o advogado do clube, o (então) vice de futebol André Silva e o meu advogado. Só faltava o Maurício Assumpção assinar. Nunca imaginava que ele iria faltar, até pela intimidade que tínhamos, numa relação de pai e filho. Só que na reta final do Brasileiro começamos a perder, a cobrança voltou, e nosso time ficou sete jogos sem ganhar. Pensávamos só no título, esquecemos a Libertadores, e ali no Botafogo, eu sei muito bem, quando não se atinge um objetivo de campeonato, tudo vai por água abaixo.
E você voltou das férias e foi dispensado (assista ao vídeo ao lado).
Tinha renovado a escola dos meus filhos, comprado apartamento e, quando estava em Curitiba, o gerente de futebol Anderson Barros, o único que brigou por mim, ligou dizendo que o presidente Maurício Assumpção não ia assinar. Sugeri um ano de contrato, depois seis meses e nada. Eu não merecia sair dessa forma, não havia pedido para ficar. Eles que insistiram e falaram em frente ao grupo. Se não me quisessem, era só dizer que eu saía feliz da vida. Mas da maneira que foi, fiquei muito chateado.
Então foi uma traição do presidente Maurício Assumpção?
Foi uma facada, passei um tempo desanimado com o futebol. Às vezes não acreditava no que estava acontecendo. Os jogadores também não acreditavam e começaram a me ligar. Acho que o Botafogo está passando dificuldade na lateral direita por causa disso, aquela camisa 2 está amaldiçoada (risos). Tenho um carinho pelo André Silva, apesar de ter detonado ele na entrevista coletiva... Mas ele me ligou e explicou que tinha assinado o contrato. O presidente é que não fala nada. Os jogadores foram até em cima dele, depois das férias.
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