Com 43 gols em dois anos, argentino ganha status de ídolo por desempenho dentro e fora de campo, mas passa a ser questionado após falha decisiva e deixa o clube sem vitórias expressivas.
Chegou ao fim, nesta segunda-feira, a trajetória de Cano no Vasco. Uma passagem marcante e complexa. Em dois anos e 101 jogos, o argentino tinha tudo para ser lembrado somente por coisas boas em São Januário. Foi uma “máquina de gols”, criou uma rápida identificação com o torcedor e levantou bandeiras sociais. No entanto, foi uma das peças de dois fracassos envolvendo a Série B. Esta relação custo benefício pesou na saída.
É praticamente impossível, porém, encontrar um vascaíno que tenha Cano como vilão. A maioria, pelo contrário, culpa o Vasco por não ter dado ao argentino um time capaz de competir e vencer. O que não significa que o artilheiro foi impecável. Cano falhou em momentos decisivos, ao desperdiçar cobranças de pênaltis em jogos-chave, tanto na campanha do rebaixamento na Série A quanto na fracassada tentativa de acesso.
De toda forma, o saldo individual é extremamente positivo. Os números mostram a importância dele nos últimos dois anos para o Vasco. Cano marcou 43 gols e se tornou o maior artilheiro estrangeiro do clube no século 21 - o segundo maior da história. Em seu primeiro ano em São Januário, fez 46% dos gols do time na temporada. Sua comemoração fazendo um "L" com os dedos, em homenagem ao filho Lorenzo, virou meme e febre entre os torcedores, especialmente as crianças, uma identificação rara nos últimos tempos no Vasco.
Mas, então, por qual motivo não foi possível permanecer? Contratado em 2020, Cano tinha um salário atrelado à variação do dólar. Com a moeda norte-americana está muito valorizada frente ao Real, o Vasco não conseguiu pagá-lo. Há uma dívida de R$ 3,5 milhões (que foi repactuada) e não havia possibilidade de manter um acordo nessas bases. Portanto, as duas partes decidiram encerrar o vínculo sem mágoas. Tanto que o argentino fez questão de se despedir: escreveu dos próprios punhos a carta de adeus, que foi traduzida para o português pelo Vasco.
Recepção de gala é retribuída com gols
Recebido com festa por mais de 100 vascaínos no Galeão, em janeiro de 2020, Cano rapidamente retribuiu com gols o carinho da torcida. Foram 24 na primeira temporada. Em seu melhor momento, quando Vasco chegou a liderar e frequentou durante boa parte do primeiro turno o G-4 do Brasileirão de 2020, ganhou da Fifa o apelido de “Máquina de Gols”, após a vitória por 3 a 2 sobre o Botafogo, em um clássico no Nilton Santos.
Parceiro inseparável
No Vasco, Cano fez um grande amigo. Martín Benítez foi seu grande parceiro no clube, dentro e fora de campo. Juntos protagonizaram os melhores momentos do clube nos últimos dois anos. O curioso é que o artilheiro não conhecia seu compatriota até chegar a São Januário.
Foi no ritmo da dupla argentina que o Vasco arrancou bem no Brasileiro do ano passado. No entanto, Benítez teve problemas físicos, além do impasse de seu empréstimo junto ao Independiente, que o tirou de vários jogos da reta final da competição, o que atrapalhou a parceria e o Vasco na competição.
Primeira queda
Apesar dos gols de Cano, o Vasco não conseguiu se manter na Série A. Com problemas financeiros e instabilidade política, por conta de uma conturbada eleição, o time desandou no segundo turno do Campeonato Brasileiro.
Cano também falhou em um momento importante. O argentino desperdiçou um pênalti na derrota para o Inter na antepenúltima rodada, em São Januário, quando o Colorado vencia por 1 a 0, nos minutos finais do segundo tempo. Após a cobrança para fora, o time gaúcho ainda marcou mais um. Não foi o jogo do rebaixamento, mas o resultado reduziu demais as chances de permanência na Série A. O Vasco caiu para Série B no desempate do saldo de gols.
Permanência na Série B e identificação
Apesar da falha em um momento decisivo, Cano continuou com crédito. Aliás, seguia como um dos poucos com moral com o torcedor vascaíno. Apesar de valorizado, decidiu ficar no Vasco e jogar a Série B. Ele revelou depois ter recebido propostas de clubes da Série A.
Querido por torcedores e funcionários do clube, Cano participou de ações sociais, ajudou colaboradores do clube (que viviam com constantes atrasos salariais) e doou cestas básicas para moradores da Barreira, região carente próxima ao estádio de São Januário.
Contra o Brusque, em São Januário, Cano protagonizou uma imagem que será lembrada por muito tempo. Em uma ação em homenagem à causa LGBTQIA+, o Vasco entrou em campo com o quarto uniforme, confeccionado com um arco-íris. Ao marcar um gol, o argentino levantou uma bandeira de escanteio com o arco-íris, em alusão ao movimento. A imagem ganhou o mundo.
Série B sem brilho e falha decisiva
Na mesma Série B, no entanto, Cano não conseguiu repetir o desempenho da temporada anterior. Foi o artilheiro do Vasco, com 11 gols, mas sem o mesmo brilho. E voltou a falhar em momentos importantes.
Contra o Guarani, desperdiçou um pênalti nos minutos finais, quando a partida estava empatada. A vitória deixaria o time vivo na briga pelo acesso. Para piorar, no lance seguinte, o Bugre marcou um gol no contra-ataque nos acréscimos. O resultado praticamente acabou com as chances de o time voltar à Série A. No jogo seguinte, na derrota por 4 a 0 para o Botafogo, em São Januário, Cano foi vaiado pela primeira vez pelos vascaínos. Na última rodada, contra o Londrina, o artilheiro voltou a perder um pênalti.
Dívida e fim da relação
Com contrato no fim e a permanência na Série B, a renovação com Vasco ficou distante. Cano tinha o maior salário do elenco e precisaria aceitar uma readequação salarial para seguir. O Vasco entendeu também que não valeria fazer este investimento por mais uma temporada com receitas reduzidas. Além disso, o clube tem uma dívida de cerca de R$ 3,5 milhões com seu artilheiro. As partes vinham conversado, mas decidiram colocar um ponto final na relação, nesta segunda-feira.