São alguns dias de treinamento e apenas dois jogos. O manual da análise de desempenho prega um período maior de observação para que conclusões sejam tiradas, mas podemos dizer que esse curto cenário deixou boas sensações do início do trabalho de Ramon Menezes no comando do Vasco da Gama. Aos 48 anos, o ex-jogador que fez história em São Januário recebe a primeira oportunidade de dirigir uma grande equipe profissional. E ele tem ideias!
Antes de se tornar auxiliar-técnico do Vasco no ano passado, Ramon treinou o Tombense em 2018, quando levou o clube às quartas de final do Campeonato Mineiro e foi eliminado na primeira fase da Série C. Teve curtas passagens pelo Anápolis em 2017 e no início do ano anterior. Em 2016 também assumiu o Joinville na reta final da Série B e acabou rebaixado com o clube de Santa Catarina. No primeiro semestre do mesmo ano, não conseguiu evitar o descenso do Guarani de Divinópolis no Campeonato Mineiro.
Como vimos o currículo não é de destaque. Está começando na função de treinador e, mesmo tendo o estofo de um grande atleta do clube, isso pode pesar em oscilações futuras. Primordial para a perdida diretoria do Vasco é entender que técnico com ”peso” no vestiário e títulos na bagagem muitas vezes não quer dizer desempenho e resultado. O próprio cruzmaltino é um exemplo. Se compararmos aquilo que o time apresentou nos dois jogos com Ramon Menezes para o que vinha apresentando com Abel Braga, não há nem início de conversa.
Devemos considerar também o nível baixíssimo de enfrentamento com Madureira e Macaé, os dois adversários após o retorno do Campeonato Carioca. A execução do modelo de jogo vascaíno será testada de maneira mais abrangente no decorrer da temporada, mas podemos traçar um ponto de partida animador. No futebol brasileiro, muitos treinadores apresentam dificuldades de expor em suas equipes ideias coletivas na parte ofensiva. Ramon mostrou que as tem. O sucesso da aplicação depende de muitos fatores.
Cabe ressaltar o caos financeiro-administrativo que segue vivendo o Vasco. Amorfo intelectualmente em sua direção, devendo salários e sofrendo para oferecer uma estrutura minimamente condizente com sua imensa tradição. Esses fatores podem influenciar diretamente no desempenho dos jogadores e prejudicar a formação de um time.
Outra ressalva que precisa ser feita é quanto ao nível do elenco. O meio-campista Guarín, uma das referências técnicas, não deve seguir no clube. Leandro Castán, Pikachu, Germán Cano e Martin Benitez são os pilares dos titulares. Talles Magno, Vinícius, Ricardo Graça e Andrey os jovens talentosos em processo de maturação. O restante do plantel tem o nível bem mediano ou está envolvido com problemas físicos. Precisam de um coletivo forte para serem potencializados. Isso só vem com tempo e condições de trabalho.
Fase Ofensiva
O que mais chamou a atenção nos dois jogos comandados por Ramon foi a fluidez de ideias e a assimilação dos jogadores no momento ofensivo. O time tem sempre três jogadores em sua primeira linha. O lateral Henrique e os zagueiros Castán e Ricardo. Eles têm a função de circular a bola com e qualificar o passe inicial.
Talles Magno bem aberto pela esquerda e Vinícius bem aberto pela direita têm a missão de ”alargar” o campo, dar amplitude, são constantemente procurados para mover a linha defensiva adversária, produzir jogadas de 1×1 e liberar espaço de infiltração aos demais jogadores pela faixa central. Esta parece ser a meta principal. Fazer a bola chegar aos garotos em condições de desequilíbrio contra a defesa rival.
Por serem muito jovens, vão oscilar e é bom que o elenco tenha mais opções com as mesmas características: velocidade, ímpeto e habilidade. Yago Pikachu parte da lateral-direita, mas ataca a todo momento por dentro, como um meia. Se aproxima de Vinícius para tabelar ou faz infiltrações em cima da última linha de defesa do rival, entra na área, se mexe bastante.
O mesmo ainda não se pode dizer pelo lado esquerdo. Martin Benitez, a mais nova contratação do clube, busca a melhor forma, e tem a missão de articular na meia-esquerda, além de encostar para ajudar Talles Magno, também infiltrar na área. Apresentou bom nível técnico para isso desde os tempos do Independiente, deve ser um jogador importante para o Vasco na sequência do ano.
Andrey é o jogador imediatamente a frente do trio de zaga. Recebe e distribui, quase sempre visando os pontas com passes médios por elevação. Quando isso não é possível, trabalha com passes curtos com Fellipe Bastos, Pikachu ou Benitez. Bastos ganhou espaço com a indefinição sobre Guarín, mas é mais um atleta que não deve ser tão influente numa realidade mais competitiva. Erra muitas tomadas de decisão e a torcida cruzmaltina não confia no atleta.
Germán Cano é o homem de área. Até faz alguns movimentos de interação com os demais jogadores na intermediária, mas funciona melhor perto do gol. Se posiciona e finaliza bem. Mostrou que pode ser o ”cara” na referência ofensiva.
Além das questões que envolvem potencial técnico e físico já frisadas, as oscilações de desempenho nos dois jogos citados são naturais dentro do contexto de ideias novas sendo aplicadas. Com Abel, havia muita aleatoriedade e dependência individual para atacar. Então é normal que a circulação da bola não seja tão rápida e os movimentos não estejam tão automatizados.
Fase defensiva
Quando é atacado, o Vasco, com Ramon, se montou nas duas partidas em um 4-1-4-1. Pikachu retorna como lateral-direito, Henrique se posiciona como lateral-esquerdo. Vinícius e Talles Magno retornam pelos lados, Fellipe Bastos e Martin Benitez por dentro e Andrey é o volante a frente da defesa. O sistema de marcação é o zonal, quando cada atleta defende o seu espaço, sem perseguições fora do setor, outra mudança em relação ao que era feito com Abel Braga.
Também há ajustes importantes pendentes. Como cada jogador saber a diferença entre pressionar a bola e não se distanciar do setor de origem, não perseguir um alvo, mas sim defender uma área do campo. Assim como nas transições defensivas, quando o time demorou um pouco a reocupar os espaços e reagir após a perda da bola.
Conclusão
Como meio-campista Ramon era um atleta muito técnico e criativo. Exímio batedor de faltas, dono de visão de jogo apurada e inteligência tática. Pelo visto, quer desenvolver dogmas parecidos em suas equipes. Que conserve as ideias e não as abandone na máquina de moer técnicos que é o futebol brasileiro. É só o começo!