Futebol

Apesar da má fase, Talles Magno segue sendo monitorado por times do exterior

É difícil encontrar alguém que, ao falar de Talles, não use termos como "qualidade técnica absurda", "dom espetacular" e "ótimo potencial". Porém, outra frase ganhou espaço nas conversas sobre o atacante do Vasco, atualmente com 18 anos. "Eu ainda acredito".

Há um ano, o jogador despertou interesse do Krasnodar, da Rússia. O negócio, que poderia variar entre 10 e 12 milhões de euros (R$ 64 milhões e R$ 77 milhões na cotação da época), não saiu. O tempo passou, propostas não apareceram, e o Vasco, que imaginava - no cenário positivo - lucrar mais até do que na venda de Paulinho, sequer bateu o valor planejando para vendas no orçamento de 2020.

O fato é que Talles, depois de brilhar em 2019, com gols e lances de efeito, como a lambreta diante do Fortaleza, oscilou e vive um momento de baixa. De necessidade de recomeço. As lesões, a má fase técnica e os efeitos da pandemia no mercado da bola ajudam a explicar o que ocorreu.

As lesões

Desde que Vanderlei Luxemburgo observou a então promessa em um treino, decidiu puxá-la para o profissional e apostou nela para ajudar na luta contra o rebaixamento no Brasileirão 2019, Talles enfrentou dificuldades físicas. Foram duas cirurgias, uma lesão muscular e dois casos de contaminação pela Covid-19. Um total de 20 jogos perdidos no Vasco, em um intervalo de um ano e meio - número que aumentará caso ele não participe da final da Taça Rio.

É consenso que tantas paradas prejudicaram o andamento da formação física, técnica, tática e psicológica do jogador. Sim, embora ele tenha três anos de profissional, é da geração 2002 e poderia estar disputando campeonatos da base - tem idade para a Copa São Paulo de Futebol Júnior, por exemplo, que é sub-20.

- Talles ainda é um jogador sub-20. Eu costumo dizer: apesar de ter muita minutagem no profissional, ele ainda está em formação. Infelizmente, pelo segundo ano consecutivo, ele se machucou no começo da temporada. Vou até ser meio que o advogado dele: ele não estava 100% preparado física e tecnicamente para começar o ano. Então, teria de fazer uma pré-temporada em meio aos jogos. Tenho certeza de que ele vai voltar melhor, e nós vamos dar atenção especial a ele - comentou Marcelo Cabo, no podcast GE Vasco do último dia 22 de março.

A estreia de Talles ocorreu com 16 anos, 11 meses e 2 dias: derrota por 1 a 0 para o Botafogo no Brasileirão de 2019. Quase dois meses depois, fez o primeiro gol: diante do São Paulo no dia 28 de agosto. No primeiro caso, era o mais jovem a debutar pelo time de São Januário no século 21 até ser superado recentemente por Andrey Santos. Paulinho ainda é o mais nova a balançar a rede adversária, com Talles em segundo.

Foi na seleção brasileira, durante a disputa do Mundial sub-17 de 2019, que Talles se machucou pela primeira vez. A lesão na coxa direita o tirou da competição, na qual tinha dois gols em quatro jogos, e do final da temporada do Vasco. Ele se recuperou, começou 2020 e, na folga de carnaval, fraturou o pé esquerdo. Teve os dois casos de Covid-19 e, agora em 2021, nova necessidade de cirurgia, desta vez no joelho esquerdo. A atual recuperação é considerada boa: ele já participa de alguns trabalhos com bola.

- A gente quer fazer o Talles se tornar um cara mais potente e mais forte, colocando todo o seu potencial para fora. O menino realmente está muito consciente de tudo que está acontecendo com ele. Não vejo o Talles com essa alegria e felicidade há bastante tempo. A gente tem muita fé e esperança que as coisas vão se refletir nas partidas - explicou o preparador físico Daniel Félix.

Má fase individual

As últimas atuações, as críticas da imprensa e a desconfiança de parte da torcida não abalaram o prestígio de Talles. Em 21 de março, integrou a lista de 50 revelações do futebol mundial em eleição elaborada pelo site Goal.com. Ocupou a 41ª posição do prêmio NXGN para nascidos a partir de 1º de janeiro de 2002, sendo um dos cinco brasileiros na relação. Em 2019, apareceu entre as 60 jovens promessas mundiais elencadas pelo jornal inglês The Guardian.

As duas eleições são exemplos do que Talles fez no passado recente. O presente é de dificuldade. Não à toa figurou entre os reservas com Ricardo Sá Pinto, foi cobrado publicamente por Luxa (na segunda passagem do técnico, que lhe pediu mais vontade) e viu a concorrência aumentar na reformulação do elenco feita por Cabo: Léo Jabá e Morato, jogadores de lado, foram contratados.

O desempenho do jogador melhorou em números absolutos, na comparação entre as edições de 2019 e 2020 do Brasileirão, por exemplo. O problema é que, como jogou mais, a média, em alguns fundamentos, caiu.

De acordo com o Espião Estatístico, ferramenta do ge, Talles fez um gol a cada 588 minutos no campeonato de 2019. No do ano seguinte, a relação aumentou a 822 minutos. O Sofascore, outra plataforma de estatísticas, mostra uma leve piora em um quesito forte do meia-atacante: a jogada individual.

  • dribles bem-sucedidos por jogo em 2019: 2,9
  • dribles bem-sucedidos por jogo em 2020: 2,6

- É curioso falar do Talles pois parece que ele tem 25 anos, mas a verdade é que ainda é um jovem. Criou-se uma grande expectativa pelo mérito e pelo talento dele. Agora, será que ele estava preparado para ser a estrela e o protagonista do time? Se o Vasco estivesse em uma condição melhor como clube, poderia ter mais jogadores de qualidade e experientes para dividir isso com ele. Seria a cereja do bola sem tanta pressão - opinou Maurício Copertino, auxiliar de Luxa nas duas passagens pelo Gigante da Colina.

Copertino, ao definir Talles como um talento que despertou atenção mundial, disse ainda que caberia ao atleta criar alternativas para continuar em evolução.

- Os adversários passaram a ter cuidado especial, sempre tinha dois ou três perto dele. Eu falei para ele criar alternativas. Todo mundo sabe que é pé esquerdo no lado direito. Muitas vezes, corta para dentro. Tem de ter alternativa no jogo para que o adversário tenha mais dificuldade. Assim ele usará a qualidade dele para fazer a diferença. Acho que uma mudança de posição pode ser avaliada também, jogar como falso centroavante ou ir para o lado direito. É preciso potencializar as qualidades e explorar coisas novas, como o jogo aéreo. Ele tem envergadura para isso - concluiu Copertino.

É claro que o contexto de 2020, com o Vasco com problemas fora (salários atrasados) e dentro (quatro treinadores e luta contra o rebaixamento) do campo afetou Talles. Especialmente na gestão de Ramon Menezes, o atacante tinha de cumprir obrigações defensivas, afinal, o lateral-esquerdo Henrique atuava por vezes como terceiro zagueiro. Luxa, ao assumir, falou mais de uma vez sobre a necessidade de dar liberdade ao atleta para jogar e recuperar a sua confiança. Não deu certo.

Foto: SofaScore / Reprodução Mapa de calor de Talles no Vasco: à esquerda, a temporada 2019. À direita, a de 2020
Mapa de calor de Talles no Vasco: à esquerda, a temporada 2019. À direita, a de 2020

Algo até então inédito, o comportamento de Talles virou assunto nas redes sociais após um vídeo no qual, sem máscara, ao lado de amigos, já na pandemia, apareceu cantando um funk que fala em derrubar um helicóptero da Polícia Militar. O caso gerou incômodo no Vasco.

Algo até então inédito, o comportamento de Talles virou assunto nas redes sociais após um vídeo no qual, sem máscara, ao lado de amigos, já na pandemia, apareceu cantando um funk que fala em derrubar um helicóptero da Polícia Militar. O caso gerou incômodo no Vasco.

Mercado

Em 7 de junho de 2020, em entrevista à Rádio Tupi, o então presidente Alexandre Campello falou publicamente pela primeira vez sobre a tentativa do Krasnodar de contratar Talles. Disse que a proposta aventada pelos russos "estava muito longe daquilo que o clube imagina", que "para o Vasco não era interessante" e que "também não era interesse do atleta se transferir".

Isso havia ocorrido no final de maio daquele ano. Na época, o ge apurou que as cifras faladas foram de 10 milhões de euros (R$ 64 milhões à época). Intermediários do contato avisaram que a oferta poderia subir a 12 milhões de euros (R$ 77 milhões à época), o que não ocorreu.

Procurado em maio de 2021, após deixar o cargo, Campello afirmou que a proposta nunca chegou a ser formalizada no papel - algo confirmado pelo estafe do atleta. E que não recebeu nenhuma outra por Talles. Por muito tempo, o Vasco estimava conseguir vender o jogador por um valor acima do conseguido por Paulinho: 20 milhões de euros (cerca de R$ 85 milhões à época), em negócio feito com o Bayer Leverkusen em 2018.

- O Vasco não bota preço em jogador. Ele não é mercadoria que está na banca para ser vendida. Eu acho que sim, mas quem diz é o mercado. Se chegar proposta maior do que a do Paulinho, ele vale mais. Se não chegar, não vale - afirmou Campello em 12 de novembro de 2019 ao podcast GE Vasco.

Foto: Reprodução Balanço financeiro de 2020 mostra negociações de atletas pelo Vasco
Balanço financeiro de 2020 mostra negociações de atletas pelo Vasco

Ocorre que o mercado mudou. Com a pandemia do novo coronavírus, o investimento na compra de jogadores diminuiu. Estudo realizado pela consultoria britânica KPMG descobriu que nas cinco grandes ligas europeias o dinheiro aplicado em contratações caiu quase 50% na temporada 2020/2021 se comparado à média das últimas três temporadas. Destaque para as equipes da La Liga (Espanha), onde a movimentação foi reduzida em torno de 70%, de 1,2 bilhão de euros para 400 milhões de euros.

Resultado: mesmo que Sevilla, Liverpool, Milan, Juventus e Roma tenham observado Talles, nenhuma oferta foi feita. O plano da direção do Vasco de, em caso de negociação, receber entre 15 e 20 milhões de euros contrastou com a realidade de o clube não atingir a meta orçamentária de arrecadar R$ 64 milhões em transações.

Empresários e observadores consultados pelo ge, em condição de anonimato, reafirmaram que Talles continua sendo monitorado e desperta interesse de times de fora. Porém, afirmaram que a pandemia obriga os times a racionalizar o investimento, ou seja, o direcionam a revelações que recém explodiram ou a atletas prontos. O que, atualmente, não é o caso do vascaíno. Apesar de subjetividade de estabelecer um valor, estimaram que dificilmente, no contexto atual, seria possível arrecadar mais do que 8 milhões de euros (R$ 51 milhões na cotação atual).

Fonte: ge
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