Pouco procurado para dar sua opinião sobre a licitação do complexo do Maracanã, Carlos Alberto Lancetta tem muito a falar. Presidente da Federação de Atletismo do Estado do Rio de Janeiro (FARJ), o ex-atleta, treinador e preparador físico é um dos mais afetados pela entrega das chaves do estádio à iniciativa privada. Responsável pela administração do estádio de atletismo Célio de Barros, a FARJ está impedida de entrar em sua pista desde o dia 9 de janeiro.
Agora sob comando do Consórcio Maracanã, o local será demolido e não pode mais abrigar competições e treinamentos organizados pela federação, deixando sem espaço para trabalhar diversos atletas com potencial olímpico e crianças e jovens que participavam de projetos sociais no estádio erguido em 1974.
Em entrevista exclusiva ao Yahoo! Esporte Interativo, Lancetta contou esse e outros casos de dificuldade e descaso que vêm passando atletas e o desporto olímpico do Rio de Janeiro a três anos de a cidade sediar as Olimpíadas.
Yahoo! Esporte Interativo: O estudo de viabilidade econômica do complexo do Maracanã, feito pela mesma IMX que venceu a licitação, propõe a demolição do estádio de atletismo Célio de Barros com base no argumento de que ele apresenta \"altos níveis de ociosidade\" e não cumpre sua função social. Você confirma isso?
Carlos Alberto Lancetta: Não é verdade e a gente tem como provar. No Célio de Barros, tínhamos uma frequência muito grande. Os atletas de competição eram entre 100 e 200. Temos um projeto social chamado Rio 2016, do Governo do Estado, que tinha em média de 150 a 200 crianças. A gente também dá atendimento a 50 crianças que estão em trabalho de reinserção social por cometerem delitos. Em média, são 500, 600 pessoas passando pela pista do Célio de Barros todo dia. Isso mostra que o Célio de Barros não é ocioso, até porque jamais nos procuraram para descobrir verdadeiramente qual é a capacidade de utilização do estádio.
Y!EI: Para onde foram remanejados todos esses atletas que não podem mais treinar no Célio de Barros?
CAL: Alguns nós conseguimos remanejar para o Engenhão, por indicação da Secretaria de Esportes do estado. Mas lá nós temos dificuldades técnicas porque você não pode lançar e arremessar. Só aí você perde cerca de 30% da capacidade de treinamento dos atletas. Outro detalhe importante é que o Célio de Barros dispõe de vestiários adequados, salas de musculação, fisioterapia que não podemos utilizar no Engenhão, pois são de propriedade do Botafogo.
Y!EI: Em que estado e onde estão os materiais de treinamento utilizados pela FARJ no Célio de Barros?
CAL: Desde a interdição no dia 9 de janeiro, não tivemos mais acesso aos nossos equipamentos e hoje tenho um medo muito grande de que aconteça com eles o mesmo que aconteceu com nossa gaiola de arremesso e lançamento. Essa gaiola nos custou 23.600 dólares e desapareceu, ninguém sabe onde está. Já implodiram nosso centro de controle, painel eletrônico e temo que eles façam o mesmo com as arquibancadas. Ali embaixo existem materiais adquiridos pelo Governo para o Pan-Americano de 2007 que nos foram cedidos posteriormente, é dinheiro público.
Y!EI: Quais são as atuais condições de treinamento dos atletas cariocas e financeira da FARJ sem o Célio de Barros?
CAL: Neste ano, a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) ainda não nos passou um tostão da Lei Piva e do patrocínio da Caixa Econômica Federal. Estamos com o pires na mão. Lamentavelmente, isso afeta diretamente esses jovens de 16, 17 anos, que são os atletas de amanhã. Estou limitando a vida atlética desses meninos. Temos atletas que estão indo embora do Rio porque não tenho nada a oferecer a eles. Vivemos num país democrático, mas puramente capitalista, é lei da oferta e da procura. Quem dá mais, leva. Eu não tenho o que dar e outro estado com poder aquisitivo maior, dá condições de hospedagem, local para treinamentos. Com isso, dois dos nossos cinco atletas pré-selecionados para os Jogos Olímpicos de 2016 foram treinar em São Paulo.
Y!EI: Quem mantinha o funcionamento do Célio de Barros antes de sua interdição?
CAL: A Federação mantinha o Célio de Barros, a Suderj não gastava nada. Mantínhamos as salas, material, conservação da pista, tudo. O Governo dava apenas a segurança.
Y!EI: Em outro ponto, o estudo aponta o fato de que o Célio de Barros não atendia às demandas internacionais de qualidade. Qual sua visão sobre isso?
CAL: Só para que você entenda esse estudo de viabilidade não é verdadeiro. Antes de ser anunciado o destombamento pelo prefeito Eduardo Paes, tanto o Célio de Barros quanto o Julio Delamari estavam relacionados como local de treinamento para os Jogos Olímpicos de 2016. O estádio é uma peça importante dentro do contexto de organização dos Jogos. Quando você acaba com ele fica limitada a possibilidade para competição, mas também para as equipes estrangeiras que viriam se preparar no Rio de Janeiro. Assim, nós não poderemos oferecer esse tipo de atendimento para os outros países.
Y!EI: O que o senhor acha da proposta apresentada pela IMX de transpor tanto o Célio de Barros quanto o Julio Delamari para outra área próxima ao estádio do Maracanã?
CAL: Quando eles lançaram a ideia de derrubar o Célio de Barros, o governador Sérgio Cabral se comprometeu, verbalmente é claro porque ele não ia botar isso no papel, de construir um novo estádio antes da demolição do Célio de Barros. Agora, a empresa se obriga a construir o estádio 30 meses depois da assinatura do contrato. Isso chega ao mês de abril de 2016. O que vão fazer os atletas do Rio de Janeiro até 2016, ficar nessa pindaíba que estão hoje? Além disso, o local onde está planejado para receber o novo estádio não atende às nossas demandas. A área atual do Célio de Barros é de 25 mil m², do Julio Delamari, 6 mil m². Eles querem colocar os dois em um local com 22 mil m². É mais um erro grave de uma empresa que se diz qualificada, mas que não teve a petulância de mandar um topógrafo medir o espaço. Esse estudo é extremamente mentiroso e, embora o regime seja democrático no nosso país, não temos como nos defender porque essas autoridades não nos recebem.
Y!EI: Estamos a três anos de sediar uma Olimpíada e dois equipamentos esportivos da cidade serão postos abaixo. O senhor ainda enxerga muito descaso com o esporte olímpico no Brasil?
CAL: Sem dúvida e o descaso maior, que mais me preocupa, é que o COB não se pronuncia. Quem cala, consente. Ele não sai em defesa do primeiro desporto olímpico. Foi com o atletismo que surgiram os Jogos Olímpicos, é o esporte que mais dá medalhas nas Olimpíadas, são 141. O COB vive botando na mídia que quer ser top 10 em 2016. Como vai chegar lá se não dá atenção ao desporto que mais dá medalhas nas Olimpíadas. Ao mesmo tempo, eu recebi o treinador olímpico dos Estados Unidos, Steve Simon, e ele veio ao Brasil para achar locais de treinamento para a equipe americana. A partir de 2013, os americanos virão ao Brasil anualmente para períodos de treino. Ele me disse que quer seus atletas ambientados para ganhar de 60 a 70 medalhas. É essa visão que os nossos dirigentes não tem. Onde é o centro de treinamento do atletismo brasileiro no Rio? Acabou, era no Célio de Barros. Segundo o Régis Fichtner, secretário da Casa Civil, porque o Célio de Barros atrapalha a visão do Maracanã. Mas os dois edifícios-garagem que ele vai construir ali não vão.
Engenhão está sediando treinos da FARJ atualmente.
Y!EI: Os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro vêm diminuindo sistematicamente seus investimentos em esportes olímpicos apesar da aproximação das Olimpíadas na cidade. Porque tal situação acontece?
CAL: Isso é lamentável. Quando eu assumi a FARJ enfrentávamos graves problemas financeiros após o fechamento do Bingo Arpoador, nosso maior patrocinador. Nessa época, eu tinha a certeza que teria os clubes ao meu lado. Porém, o Bebeto de Freitas e a Patrícia Amorim, que foram atletas, acabaram com o atletismo no Botafogo e no Flamengo. Hoje, o Vasco da Gama é o único clube que tem atletismo, mas não investe nada, é a federação que sustenta a equipe. Falta comprometimento. As pessoas quando chegam ao poder esquecem suas origens.
Y!EI: A FARJ tem recebido apoio da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) em sua briga para evitar a demolição do Célio de Barros?
CAL: A CBAt tem dois momentos. Primeiro, ela se manteve neutra, apoiando a determinação do Comitê Olímpico. Nessa época, o presidente era o (Roberto) Gesta, que eu era adversário ferrenho porque ali imperava o nepotismo. Ele estava como presidente há 27 anos e eu brigava para que ele saísse. Agora, a gente conseguiu tirá-lo e está lá o Toninho (Fernandes), de São Paulo, existe mais diálogo e a Confederação está sensível a isso.