O Vasco apresentou nesta terça-feira o balanço financeiro de 2021, primeiro ano da gestão de Jorge Salgado. No documento, entre outros pontos, o clube destaca a redução da dívida em mais de R$ 100 milhões (hoje, na casa de R$ 709 milhões), as negociações para prolongar o pagamento de dívidas de curto prazo, o enxugamento no quadro de funcionários e o corte de gastos, o aumento de receita com venda de jogadores, a negociação para a venda da SAF para a 777 Partners, um superávit de R$ 120 milhões e o avanço estrutural de várias áreas do clube. Em relação aos resultados esportivos, no entanto, a direção se desculpou pelo desempenho no futebol.
Mas como um clube asfixiado pelas dívidas, com queda bruta de receitas na Série B, conseguiu apresentar um superávit de de R$ 120 milhões? Os salários estão em dia? Por que a folha salarial do futebol diminuiu tanto e os gastos aumentaram? Qual o destino do empréstimo de R$ 70 milhões da 777? Para esclarecer essas dúvidas e tantas outras, o ge conversou com Luiz Mello, CEO do Vasco.
O dirigente apontou a negociação com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para renegociar o passivo fiscal do clube como fundamental, mas também destacou o esforço de todas as áreas do clube em relação ao corte de custos e aumento de receitas. Durante a entrevista, Luiz Mello também falou sobre o destino do empréstimo-ponte de R$ 70 milhões da 777 Partners, do investimento na contratação de Carlos Palácios, do empréstimo de R$ 26 milhões que o presidente Salgado fez ao clube, da ligação com empresário Carlos Leite, da importância de vender jogadores, entre outras coisas. Confira a entrevista abaixo e, na sequência, veja alguns dos principais pontos do balanço apresentado pelo Vasco nesta manhã.
ge: Apesar da queda de receitas na Série B e da pandemia, o balanço apresentou redução da dívida e um superávit de R$ 120 milhões no primeiro ano da gestão de Jorge Salgado. Como foi realizado esse processo?
Luiz Mello: É um trabalho de todas as áreas, financeira, jurídica, marketing. Não adianta só reduzir despesas e não aumentar as receitas. Fizemos alguns ajustes estruturais que visaram reduzir despesas e aumentar receitas. Além disso fizemos uma negociação longa com PGFN, que durou quase 11 meses, e impactou diretamente na redução da dívida. Foi uma junção destes dois fatores. Reajustes operacionais e renegociação da dívida.
O balanço apresenta um superávit de R$ 120 milhões, mas ganhos não recorrentes (que não ocorrerá com regularmente) de R$ 108 milhões . Sem a negociação com a PGFN seria possível ter um superávit?
Mello: A renegociação da dívida fiscal é o diferencial deste ano. Conseguimos mais de 100 milhões de desconto nesta negociação, mas, operacionalmente, mesmo sem a negociação, já teríamos superavit superior a R$ 30 milhões, oriundo desta reorganização administrativa. Melhoramos as receitas com marketing, patrocínios, Vasco TV, venda de jogadores, o que facilitou este processo.
As dívidas cíveis e trabalhistas, não incluídas no Regime Centralizado de Execuções (RCE), totalizam R$ 115 milhões, valor que está sendo reduzido com o empréstimo de R$ 70 milhões da 777 Partners. Como está sendo usado esse dinheiro?
Nós estamos usando o dinheiro do empréstimo-ponte basicamente para pagar dívidas, seja com fornecedores ou internas, visando deixar o clube estabilizado. Tínhamos salários e fornecedores operacionais em atraso. Quitamos. Os salários estão em dia. Em breve vamos publicar o balanço trimestral. E certamente teremos uma redução das dívidas com a utilização do empréstimo.
Mas o dinheiro também foi usado no futebol? Caso da contratação do Palácios, por exemplo.
Tivemos uma oportunidade de mercado, e conversamos com a 777 para a compra de um atleta, explicamos a situação, eles analisaram o atleta e parte do empréstimo foi utilizado para a aquisição do Palácios.
Nota da redação: Mello não revelou os valores, mas o investimento na contratação de Palácios foi de aproximadamente US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 8 milhões).
O balanço destaca que o Vasco voltou a investir na aquisição de atleta. Em 2021, o clube comprou Galarza e MT. Agora, em 2022, comprou o Palácios. Como foram feitas essas operações e com que dinheiro?
As compras do MT e do Galarza foram na época que realizamos a negociação do Talles com NY City FC. Visamos melhorar o plantel com garotos de potencial. Eram negociações em que poderíamos ter esperado até o final do ano de 2021, mas preferíamos utilizar parte da venda do Talles para estas aquisições, buscando retorno financeiro e técnico ao clube.
A aquisição de jogadores é uma tendência, especialmente caso a venda para 777 seja concretizada?
Primeiro temos que fornecer a estrutura necessária para os atletas de base se desenvolvam. Hoje já temos uma base forte, que conquista títulos e queremos investir na melhora da estrutura para que o Vasco volte a revelar talentos como vem sendo sua vocação.
O balanço aponta que o presidente Jorge Salgado emprestou quase R$ 26 milhões ao Vasco.
Nunca escondemos isso. Apresentamos no Conselho Deliberativo a questão dos mútuos com o Presidente Salgado de maneira transparente e clara, mostrando os juros pactuados e dando a oportunidade de que caso houvesse cotação similar no mercado estávamos dipostos a repactuar o acordo.
Por que o empresário Carlos Leite aparece como fiador de alguns empréstimos?
O Carlos sempre auxiliou o clube quando solicitado, assim como outros ilustres vascaínos que forneciam condições favoráveis em operações financeiras. Nosso papel é retratar estas informações de maneira transparente nas nossas Demonstrações Financeiras.
No balanço, o Vasco destaca o aumento de receita com a venda de jogadores.
Tínhamos uma meta (R$ 40 milhões), e ela foi superada (R$ 59 milhões) em 2021. No orçamento para 2022, também colocamos uma meta de vendas ao departamento de futebol. Temos utilizado a questão de metas em algumas áreas. A venda de diretos econômicos faz parte da receita no futebol. Temos sempre que pensar em como maximizar nossos ativos. No ano passado vendemos o Talles Magno e o Arthur Salles. Nesse ano já avisamos ao departamento de futebol que temos que realizar vendas. Faz parte do dia a dia de um clube de futebol
Quais são as metas do Talles? Já foram atingidas?
São metas de partidas disputadas. Um bônus esportivo, acreditamos no potencial do Talles, é um menino excepcional. O primeiro ano dele no NY City foi de adaptação. Ele chegou no meio do campeonato e foi campeão. Nesse ano ele vem jogando mais. É garoto que está cada vez mais adaptado. Acreditamos que ele renderá frutos para o NY City e para o Vasco. Uma parte das metas já foi atingida (10 jogos atuando ao menos por 45 minutos em campo), e estamos em conversas com o pessoal do NY City para trazer essa receita (US$ 1 milhão) para o Vasco.
O valor da camisa do Vasco aumentou, mas no balanço consta que o clube teve um aumento de receitas com marketing de somente R$ 2 milhões.
Fizemos as proporções dos contratos. Muita coisa aconteceu no meio da temporada passada. Realizamos alguns ajustes operacionais para reduzirmos a saída de sócios do nosso programa, além de buscarmos reter os torcedores. Isso envolve vários setores do clube.
Aos poucos a gente vem entendendo melhor o nosso sócio torcedor, criando promoções e benefícios específicos no programa, mas sabemos que a questão do ingresso é importante. Na pandemia foi muito difícil para todos os clubes e para nós também. Só tivemos regresso de público em setembro do ano passado. E essa volta em 2022 está sendo importante e temos certeza que vamos aumentar esta linha de receita.
O Vasco reduziu em R$ 12 milhões a folha salarial anual do futebol (de R$ 77 milhões em 2020 para R$ 65 milhões em 2021), mas os custos com futebol aumentaram de R$ 18 milhões para R$ 27 milhões em 2021. Quais seriam esses custos? Logística e estrutura?
Reduzimos a folha salarial e também alguns custos do futebol, mas melhoramos uma série de processos internos no clube. Nosso departamento médico aplicou os recursos que tínhamos de forma eficiente, melhoramos a logística para proporcionar o melhor possível para nossa equipe. Temos tentado antecipar compras para maximizar a aplicação de recursos no clube.
O balanço aponta que, em caso de venda para a 777, São Januário vai render R$ 2 milhões anualmente para o clube.
É isso. São Januário vai permanecer com a Associação. São dois recursos adicionais que irão para a associação. A receita pela utilização de marca (R$ 1 milhão corrigido) e a receita de aluguel de São Januário (R$ 1 milhão corrigido). Entendemos que esta é uma das várias linhas de receita que vão permitir que a Associação seja sustentável. Ainda estamos no meio da negociação com o 777 Partners, mas sempre estamos buscando formas de obter mais recursos para a Associação, pois a mesma ainda terá 30% da SAF e receberá os respectivos dividendos. Importante mencionar que a manutenção do complexo de São Januário ficará a cargo do potencial investidor.
O balanço também aponta a possibilidade de reforma de São Januário por parte da 777, com investimento de R$ 300 milhões na reforma e mais R$ 50 milhões para a associação. Isso já está definido?
Ainda está em negociação. Colocamos o valor de R$ 300 milhões, pois este é o aproximado da obra de reforma de São Januário. É algo que poderá ser discutido futuramente. Estamos tentando fechar o negócio como um todo. São Januário continuará com a associação e, futuramente, dependendo de como forem as negociações, voltaremos a tratar sobre esse tema.
PRINCIPAIS PONTOS DO BALANÇO
Redução da dívida
O demonstrativo financeiro de 2021 aponta redução de quase R$ 100 milhões na dívida do clube, que passou de R$ 804 milhões para R$ 709 milhões, sendo R$ 203 milhões a serem pagos no curto prazo (dentro de um ano). A redução, segundo o balanço, tem relação com o enxugamento do quadro de funcionários, revisão de processos e contratos e a adesão ao RCE, que possibilita o prazo de pagamento em até 10 anos e o fim das penhoras.
O documento consta ainda que as dívidas cíveis e trabalhistas, não incluídas no RCE, totalizam R$ 115 milhões, valor que está sendo reduzido com o empréstimo de R$ 70 milhões junto ao grupo 777 Partners em março de 2022.
A Dívida Bancária aumentou pela captação de R$ 34 milhões de capital de giro para reequilibrar o fluxo de caixa de curto prazo.
Empréstimos
Outro ponto que chama atenção no balanço é a dívida de quase R$ 26 milhões do Vasco com o presidente do clube, Jorge Salgado, referente a empréstimos. Até o ano passado, a dívida com presidente era de R$ 7,63 milhões, referente a um empréstimo em 2013. Salgado, no entanto, injetou mais dinheiro no clube quando assumiu a presidência. Hoje o valor total da dívida é de R$ 25,95 milhões, a ser quitada até abril de 2023.
OUTROS EMPRESTIMOS QUE O VASCO PEGOU EM 2021:
5 milhões Banco Safra - empréstimo captado em janeiro de 2021, para pagamento da folha em atraso de outubro de 2020. Com prazo de pagamento até dezembro/2023 e garantias e fiança do empresário Carlos Leite e do Presidente Jorge Salgado.
7 milhões Banco Safra - empréstimo captado em outubro de 2021 para pagamento de débitos rescisórios de FGTS, de modo a permitir a realização de acordo de transação tributária com a PGFN. Com prazo de pagamento até dezembro de 2023 e garantias do empresário Carlos Leite e do Presidente Jorge Salgado.
Evolução ano a ano
Superávit
O Vasco apresentou superávit de R$ 120 milhões em 2021. O principal ganho está no aumento da receita com venda de atletas, que passou de R$ 29 milhões em 2020 para R$ 59 milhões no ano passado. O clube também aumentou a captação com patrocínios, mas não de maneira significativa, arrecadando R$ 2 milhões a mais que no ano anterior.
Por outro lado, houve redução na arrecadação com o programa de sócio-torcedor (- R$ 7 milhões), bilheteria (- R$ 2 milhões), premiação (- 5 R$ milhões) e direitos de TV (- R$ 25 milhões). O Vasco reduziu a folha do futebol em R$ 12 milhões e a administrativa em R$ 5 milhões. Também cortou R$ 11 milhões em gastos administrativos, porém, aumentou os custos do futebol em R$ 9 milhões.
O superávit se dá por contemplar ganhos não recorrentes de R$ 108 milhões, decorrentes, principalmente, da renegociação da dívida tributária. A expectativa é que, em 2022, o resultado operacional seja equilibrado com a volta do público aos estádios, o que compensaria a menor receita com TV, já que o time disputa pelo segundo ano seguido a Série B do Brasileirão.
Compra e venda de atletas
O balanço consta a aquisição de direitos econômicos de dois atletas pelo Vasco em 2021: MT (70% por R$ 600 mil) e Matías Galarza (60% por R$ 3,1 milhões). O clube bancou as transações com parte do dinheiro da venda de Talles Magno ao Grupo City.
A negociação do atleta com o clube americano New York City FC rendeu 10 milhões de dólares por 100% dos direitos, sendo que o Vasco possuía 85% do ativo, com comissão de 10% devida ao empresário de Talles Magno e outros 10% retidos em caso de venda futura. O clube destinou 25% do dinheiro para pagamento de dívidas.
Em agosto de 2021, o Vasco negociou 80% dos direitos econômicos de Arthur Sales ao Lommel SK da Bélgica, clube pertencente ao Grupo City, por 2,5 milhões de euros.
Por outro lado, o clube teve que negociar uma dívida de R$ 5 milhões com o Volta Redonda referente ao não repasse de parte da grana da venda de Marrony ao Atlético-MG em 2020. O atleta se transferiu ao Midtjylland FC, da Dinamarca, em 2021, por 4,5 milhões de euros. O Vasco então cedeu futuros bônus de performance ao clube do interior do Rio para quitação da dívida: "Ao final das tratativas, o Vasco receberá 306 mil euros, além de equacionar o passivo junto ao Volta Redonda FC", aponta o demonstrativo financeiro.
O Vasco ainda tenta receber duas parcelas de 550 mil euros referentes à venda dos direitos de Nathan Santos para o Boavista F.C. O clube português não quitou nem a primeira parte, em julho de 2021, nem a segunda, em dezembro do mesmo ano. O Vasco entrou com ação de cobrança na FIFA, resultando em custos financeiros adicionais e restrição de registro de novos atletas ao Boavista e espera receber o montante ao longo deste ano.
Benítez: em março de 2021, clube e jogador entraram em acordo para rescisão do contrato com pagamento de multa de R$ 2 milhões. Parte da dívida foi perdoada, e o Vasco recebeu R$ 1 milhão de Benítez.
777 Partners
O documento traz ainda detalhes sobre a negociação do Vasco para a venda da SAF, cujos estudos tiveram início no segundo semestre de 2021. Segundo o clube, os primeiros contatos com potenciais investidores começaram em dezembro do ano passado:
60 potenciais investidores foram identificados;
42 investidores, de 17 países, foram aprovados e contactados;
22 investidores não demonstraram interesse;
20 investidores iniciaram contatos ativos;
5 investidores demonstraram interesse efetivo, com formalização de duas propostas;
O grupo 777 Partners foi selecionado por apresentar a melhor proposta.
A empresa americana ofereceu R$ 700 milhões por 70% da SAF vascaína, com o adiantamento de R$ 70 milhões através de um empréstimo-ponte que caiu na conta do clube em março passado. O valor total deve ser investido no futebol até 2025.
Além do investimento em futebol, a SAF assume o pagamento de dívidas até R$ 700 milhões, atualizado pela taxa Selic.
O acordo pré-estabelecido aponta que o Estádio São Januário continuará sendo propriedade da associação, mas com utilização exclusiva da SAF por 25 anos, prorrogáveis por igual período, com aluguel anual de R$ 1 milhão (corrigidos). A SAF também pagará royalties pelo uso da propriedade intelectual do Clube nas atividades do futebol, no valor anual de R$ 1 milhão (corrigidos).
Dinheiro da Caixa
Outra grana que o Vasco pretende recuperar em 2022 são os R$ 6 milhões do empréstimo da Caixa Econômica Federal, retidos desde 2017 pela ausência de Certidões Negativas de Débitos (CNDs). O clube já regularizou a Certidão de Regularização de FGTS (CRF) e tem expectativa de obter a CND dos tributos federais e da Dívida Ativa da União ainda no primeiro semestre. Em entrevista recente, o presidente Jorge Salgado disse que o dinheiro deve cair na conta em menos de dois meses.
- A gente está cumprindo etapas. Para conseguir receber os recursos temos que ter mais ou menos 15 certidões, sendo as mais importantes a dos impostos. Vamos recuperar nossa certificação e isso vai abrir grande oportunidade para os esportes olímpicos, já que hoje temos praticamente só a natação funcionando o tempo todo. Estamos numa direção boa. Acho que no máximo em dois meses vamos receber esse dinheiro da Caixa - afirmou Salgado no dia 13 de abril.
Desculpas pelo futebol
Apesar do tom satisfatório e de falar em "avanços notáveis" em relação às finanças, o Vasco reconheceu no balanço que esportivamente ficou devendo um melhor desempenho. O documento, assinado pelo presidente Jorge Salgado, se desculpa com o torcedor.
- Apesar das condições extremamente adversas que assumimos, e de inúmeros passos corretos que foram realizados na reestruturação do Departamento do Futebol, a grandeza de nosso Vasco da Gama simplesmente não condiz com os resultados alcançados no futebol profissional em 2021. E, por não conseguir sucesso no acesso a Série A, o principal objetivo do ano, não cabe nada mais que reiterar o pedido de sinceras desculpas a todos os vascaínos e corrigir o rumo para a atual temporada - diz trecho do documento