Quando o major William, subcomandante do Batalhão Especializado de Policiamento de Estádios (Bepe), deixou a Ferj, a leitura corporal e o tom de voz já indicavam que a rota da discussão entre Vasco, Flamengo e a federação não tinha tomado o caminho que o policiamento queria inicialmente.
"A Federação é quem vai falar", disse ele ao UOL, de forma lacônica.
Em jogo, não só a semifinal do Carioca, mas principalmente a definição do local do jogo de ida do mata-mata do estadual. O Vasco indicou o Nilton Santos para o duelo com o Fla, fugindo do costume de fazer o enfrentamento no Maracanã.
A polícia não queria, a Ferj não queria e o Flamengo, claro, também não. Mas o direito do mandante prevaleceu, em uma medida que foi se desenhando desde o domingo, após a confirmação do confronto no próximo sábado.
A reunião, em si, não foi tão tensa como em épocas anteriores de Vasco x Flamengo nos bastidores da federação. Os tempos de Eurico Miranda passaram. Mas não quer dizer que a queda de braço tenha terminado.
A perspectiva vascaína envolve elementos técnicos, comerciais e financeiros.
Em contrapartida, o Flamengo vê contradições de um rival que já brigou até na Justiça para jogar no Maracanã, tem jogadores que não gostam do gramado sintético e mesmo assim optou por um caminho relativamente inesperado.
O último assunto foi o mais importante
Na reunião, a definição sobre o Vasco x Flamengo foi a última coisa a acontecer.
Não só porque Marcelo Sant'Ana, diretor de futebol do Vasco, chegou 40 minutos atrasado. Mas porque primeiro as pautas mais simples foram se encaminhando.
Qual o horário dos jogos? Quais serão os árbitros de cada partida? Fluminense x Volta Redonda no Maracanã? Obviamente. Quase indolor.
Um parêntesis: a Globo não curtiu muito os jogos às 18h, por causa do calor, mas essa não era a discussão do momento.
O representante do Flamengo foi Dekko Roisman, gerente de relações institucionais. Ele estava acompanhado por Claudecir Silva, funcionário do Fla de longa data que trabalha na operação das partidas.
Os membros da diretoria do Fluminense, Paulo Angioni e Marcelo Penha, até saíram mais cedo, já que estavam com a vida resolvida. Minutos depois, veio o subcomandante do Bepe, com uma expressão não muito tranquila.
Ele já tinha deixado todas as demandas em termos de segurança para a hipótese que estava se desenhando, o Vasco x Flamengo no Nilton Santos.
Conversa com jogadores
Na versão cruz-maltina, houve uma tentativa inicial de negociar junto ao Flamengo as condições para usar o Maracanã, no domingo. Sem sucesso.
Usar São Januário, a exemplo do que aconteceu contra o Botafogo, é irreal. O estádio só comporta a configuração 90/10 na arquibancada e isso ficaria inaplicável para a semifinal.
O regulamento do Carioca estabelece que os clássicos aconteçam no formato 50/50. Vasco x Botafogo só foi exceção porque houve um acordo entre os dois clubes, e o Botafogo topou abrir mão da sua proporção. A Ferj nem interferiu. O jogo foi na Colina. Com o Flamengo, isso não aconteceria.
O que fazer, então?
Na segunda-feira, houve uma conversa da diretoria com os jogadores e definiu que o Nilton Santos seria uma alternativa. Como a informação circulou, e aí o Flamengo tentou falar com o Vasco de novo, segundo Marcelo Sant'Ana:
"A gente já tinha conversado com diretoria, jogadores e o Botafogo. Preferimos manter a nossa posição. Institucionalmente, a gente se sente à vontade de fazer esse pedido. O nosso grupo está mais acostumado a jogar no Nilton Santos."
A medida tira o Flamengo de um ambiente em que está acostumado a jogar. Ultimamente, jogar bem — vide o clássico diante do próprio Vasco, na fase de classificação.
Questões comerciais em jogo
O incômodo do Vasco também passa pelas exigências que a administração do Maracanã — de Flamengo e Fluminense — faz a quem quer alugar o estádio.
"Para jogar no Maracanã, a gente teria que discutir aspectos anexos. O Vasco não pode jogar no Maracanã e não ter direito a explorar camarotes, alimentos e bebidas, estacionamentos. São receitas significativas. Se o clube é mandante, deveria também explorar essas receitas. Diante disso, a gente entende que usar o Nilton Santos é o mais adequado neste momento", disse o diretor de futebol vascaíno.
Com a insistência do Vasco, o efeito colateral foi tentar reduzir a complexidade da segurança do jogo. O Bepe avisou de cara: será preciso fechar os dois setores atrás dos gols no Nilton Santos. Nada de Norte e Sul disponíveis, e lá se vão cerca de 8 mil lugares.
Por isso, o teto que a Ferj colocou para o número total de ingressos no jogo de sábado é de 36 mil. Em pleno sábado de Carnaval.
Houve uma última tentativa de fazer o Vasco mudar de ideia, já sem o Bepe na sala. O presidente da Ferj, Rubens Lopes, não participou do encontro. Coube a Marcelo Vianna, vice-presidente de competições, tentar mediar as coisas. Num último esforço, pediu contato com a presidência do Vasco para checar se eles realmente não mudariam de ideia.
O Vasco não retrocedeu. Vai usar o sintético no clássico. Mas não vê nisso uma diminuição do pleito de anos anteriores sobre direito que entende ter de usar o principal estádio do Rio. Que o diga a campanha "Maracanã para todos".
"O Vasco quer manter um contato positivo com o Flamengo para durante a temporada a gente, de repente, usar o Maracanã. O Vasco quer as prerrogativas e vantagens de ser mandante e não apenas um locatário. Jogar no Maracanã só quando convém aos outros é muito fácil", emendou Marcelo Sant'Ana.
O Flamengo, claro, não gostou. Mas não tem poder de reverter o cenário. Só de dar o troco no tapetinho emprestado.