Alexandre Campello está próximo de encerrar sua administração com o futebol em baixa e sem capital político relevante. Nas finanças, porém, o presidente foi austero e teve relativo sucesso
Em campo, um futebol preocupante. Hoje na zona de rebaixamento do Campeonato Brasileiro. Fora dele, brigas políticas e mais uma eleição para presidente conturbada por politicagem. O Vasco é um clube sem perspectivas de melhora em mais de um aspecto.
Financeiramente, pelo menos, existe um motivo para alívio. É verdade que a situação continua péssima, entre salários atrasados e cobranças impagáveis de credores. Mas, por causa da administração austera dos poucos recursos existentes, pelo menos ela não piorou.
O ge continua a série sobre finanças baseada nos balancetes do terceiro trimestre – ou seja, com fechamento em 30 de setembro de 2020.
Receitas
Por incrível que pareça, o Vasco conseguiu manter em setembro o mesmo patamar de receitas que havia alcançado no mesmo período do ano anterior. Em nove meses, foram arrecadados R$ 131 milhões em ambos os anos. Com o pesar de que, em 2020, a pandemia do coronavírus tornou o contexto do futebol muito mais difícil.
Nos direitos de transmissão, houve um decréscimo relevante. O Vasco não conseguiu avançar na Copa do Brasil além da quarta fase, como no ano passado, o que poderia ter melhorado a situação. Considerando Campeonato Carioca e Campeonato Brasileiro, entrou menos dinheiro nos cofres cruz-maltinos do que na temporada passada.
Receitas que foram abatidas pela pandemia, como bilheterias, foram compensadas pela participação da torcida por meio da associação. R$ 8 milhões a mais aqui, R$ 8 milhões a menos ali, tudo igual.
Vendas de jogadores realizadas nesta temporada, por outro lado, contribuíram para mitigar as perdas com televisão. O balancete divulgado pelo Vasco não contém detalhes sobre as negociações de jogadores, como nomes, prazos para recebimento e valores.
É possível que nos valores das transferências apareçam os R$ 10 milhões obtidos com a Vasco Token – a criptomoeda por meio da qual o clube "antecipou" mecanismos de solidariedade de uma cesta de atletas. Ouça o episódio do podcast Dinheiro em Jogo para entender a mecânica.
Apesar de a diretoria de Alexandre Campello ter conseguido manter o faturamento no mesmo patamar em relação a 2019, não se deve perder de vista que a disparidade para o Flamengo em 2020 está gigantesca. Maior em todas as fontes de arrecadação, o adversário fez R$ 510 milhões no mesmo período. Diferença superior a quatro vezes.
E na realidade ela é ainda maior, porque houve divergência na contabilização dos direitos de transmissão. O Flamengo seguiu o critério contábil correto e registrou o dinheiro de acordo com a realização do Brasileiro – cujo início foi atrasado pela pandemia do coronavírus.
Em resumo: valores rubro-negros estão menores do que os de fato recebidos, enquanto os vascaínos entraram no mesmo compasso do "fluxo de caixa". Se os critérios fossem os mesmos, a disparidade seria ainda maior do que a evidenciada por esses balancetes.
Despesas
Além das receitas mantidas no mesmo patamar, a explicação para a situação financeira estável está nos gastos. A atual gestão é de fato austera. Com uma redução de R$ 20 milhões em relação ao mesmo período do ano passado, o Vasco teve R$ 123 milhões em despesas.
Na verdade, os números do quadro acima ajudam a explicar a qualidade do futebol dentro de campo. Faltam bons jogadores no elenco? A fragilidade vascaína está refletida na folha salarial – que já era baixa e ficou ainda menor nos esforços por causa da pandemia.
Seria melhor se o Vasco gastasse o que não tem? Em primeiro lugar: o mercado sabe das dificuldades até para manter salários em dia. Em segundo: o desempenho não necessariamente seria muito melhor. E, terceiro, mesmo que fosse, gastos descontrolados poderiam ser fatais.
Contabilmente, o clube fechou o terceiro trimestre com um superavit (lucro) de R$ 5 milhões. Não quer dizer muita coisa. Não quer dizer, por exemplo, que há dinheiro sobrando em caixa. Apenas indica que a diferença entre receitas e despesas, entre pormenores contábeis, ficou positiva nesses nove meses. E, bem, melhor assim do que com prejuízo.
Dívidas
A conclusão de que a situação financeira do Vasco não melhorou, mas não piorou – o que é uma boa notícia no atual contexto –, também está respaldada pela evolução do endividamento cruz-maltino.
No decorrer de toda a temporada de 2020, a quantidade de dívidas a pagar pelo clube foi mantida praticamente no mesmo nível. No caso abaixo, o gráfico mostra exatamente qual era o valor devido pela associação ao término de cada trimestre: março, junho e setembro.
Não custa lembrar, só para não assustar o vascaíno desatento: o endividamento registrado em 2016 ainda dizia respeito à era Eurico Miranda, em que o balanço era obscuro e omitia uma série de dívidas.
Valores brutos estão praticamente iguais, mas alguns detalhes precisam ser acrescentados para se ter a noção mais clara da gravidade da dívida.
Em primeiro lugar, o vencimento. O Vasco fechou setembro com R$ 246 milhões a pagar no curto prazo – isto é, em período inferior a um ano.
Por um lado, é desesperador que somente no curto prazo a dívida represente quase o dobro de toda a arrecadação dos nove meses. Isso mostra que ela é impagável. Só resta à diretoria renegociar prazos, tentar acordos, empurrar com a barriga. Não daria para pagar tudo mesmo que o time fosse todo dispensado e não existissem despesas.
Por outro lado, esse valor de curto prazo está sendo reduzido trimestre a trimestre. Em junho, havia R$ 263 milhões a pagar. Não é motivo para comemoração. Mas a evolução aponta, pelo menos, que a administração tem se esforçado para tornar o imediato um pouco menos difícil.
Como essa pequena melhora foi possível? Com a antecipação de receitas de longo prazo. No terceiro trimestre, o Vasco aumentou empréstimos bancários que precisam ser pagos em período superior a um ano. Tinham sido registrados R$ 41 milhões em junho, foram marcados R$ 72 milhões em setembro. A diferença entre uma coisa e outra, grosseiramente, é quanto a diretoria pegou emprestado em três meses.
Lembrando que empréstimos bancários são tomados com instituições financeiras mediante a entrega de contratos como garantia, geralmente de televisão. Por isso funcionam como antecipações de receitas.
Alexandre Campello deixará a administração do Vasco com o futebol em baixa e sem muito capital político, percebido em sua baixa votação nas eleições. Administrativa e financeiramente, o ainda presidente fez mais do que seus antecessores nas últimas décadas. A situação poderia ter sido muito pior com um irresponsável no poder.