Matéria da revista Época, assinada por Rodrigo Capelo, tentou analisar as contas do Vasco referentes ao ano de 2016. A tentativa seria louvável caso houvesse imparcialidade e frieza expressas nas linhas da reportagem. Afinal, este é mais um efeito da transparência: oferecer acesso, até para leigos, a um retrato contábil do clube, ainda que apenas a vivência diária possa calibrar opiniões isentas.
O problema começa aí: a isenção passou longe da matéria pelo uso de diversas expressões chulas, escrita agressiva e por um detalhe curioso: logo no início, o autor informa que os números não são confiáveis, mas que iria se basear neles. Estranho: se é tudo mentira, para quê o gasto de tempo e espaço tentando dissecar algo em que não se pode crer? Pois se os números são mentirosos, a reportagem parte de pressuposto que ela mesma é irreal.
Apesar dos pesares, ponto a ponto, vale à pena comentar o texto, a fim de que não prevaleçam enganos intencionais e não intencionais cometidos. Também é bom ressaltar que, sim, é verdade, a situação financeira do Vasco não é simples. E nunca se afirmou isso, muito pelo contrário.
1) “Tudo o que você lerá aqui foi extraído do balanço financeiro vascaíno. Mas há razões para desconfiar do documento.”
Comentário: o autor alega que a auditoria independente não conseguiu verificar se havia dinheiro em caixa e por isso coloca todo o documento em dúvida. A referida conta registra um saldo de cerca de 230 mil reais em 2016. Como se pode constatar, não parece ser este valor capaz de “camuflar” um Balanço Patrimonial com o porte daquele pretensamente analisado. Insiste-se: se o documento não é confiável, para que o risco de analisá-lo?
2) O autor coloca um “enorme asterisco” no que ele cita como o maior faturamento da História do Vasco, 213 milhões. O “enorme asterisco” é explicado: o Vasco recebeu 60 milhões em luvas da renovação do contrato com a TV.
Comentário: conforme já foi destacado aqui, o Vasco lançou em seu balanço referente ao contrato com a televisão apenas os valores que entraram no ano de 2016. Ao contrário de vários de seus pares, que registraram o valor global do contrato, inflando suas receitas.
3) “O Vasco teve em 2016 as piores rendas de sua história em bilheteria, patrocínios e transferência de atletas”.
Comentário: o autor não se dá ao trabalho de lembrar que 2016 foi um ano em que o Vasco disputou a série B. O reflexo foi direto: por exemplo, a CEF reduziu o patrocínio master da camisa a 50% do valor de 2015. A torcida frequentou menos os estádios, pois os jogos tiveram menor apelo. A negociação de atletas é prejudicada porque as disputas não ocorrem na principal vitrine.
4) Se no item anterior o autor esqueceu de lembrar que o Vasco disputou um campeonato menos atrativo, neste ele se lembrou. “Apesar de jogar a série B, campeonato no qual a competitividade é menor, os gastos aumentaram para quase 200 milhões”.
Comentário: o autor revela parte de suas intenções neste item. Toma como suporte o futebol e recorre às despesas globais do clube. O gasto apenas com o futebol foi de cerca de 120 milhões. A despesa específica com pessoal no futebol foi de 67 milhões. Tal como o autor apresentou intencionalmente, fica a impressão de que o Vasco gastou 200 milhões (190 milhões, arredondados convenientemente para 200 milhões) para jogar a série B. Como o Vasco não é somente um clube de futebol, os demais 70 milhões se justificam de diversas formas, inclusive manutenção de suas sedes e investimento em esportes amadores.
5) “Eurico só terminou o ano no azul porque recebeu as luvas pelo contrato de 2019 a 2024. Uma receita que não se repetirá em 2017, nem tão logo”.
Comentário: conforme já destacado em comentário anterior, o Vasco lançou em seu balanço de 2016 apenas os valores da TV que efetivamente entraram no exercício, ao contrário de outros clubes. Além disso, estima-se que outras fontes de receita sofram modificações ao longo de 2017. Para mencionar duas das citadas pelo analista: transferências de atletas (Luan, por enquanto) e patrocínios (melhor contrato com a Caixa, por enquanto). Portanto, vaticinar que a partir de 2017 não há sinal de que o cenário possa se modificar é um erro básico, mas (de novo) intencional.
6) “O resultado das trágicas gestões de Roberto Dinamite e do próprio Eurico é um endividamento maior do que o Vasco”.
Comentário: mais uma vez, convenientemente, o autor embaralha as cartas. Em junho de 2008, quando a primeira gestão de Eurico terminou, o Vasco possuía uma dívida de 190 milhões. A gestão de Dinamite, ao assumir, corrigiu na caneta a dívida para cerca de 350 milhões, acrescentando provisões de contingência e reduzindo o valor do imobilizado. Quando a gestão de Dinamite terminou, ao final de 2014, o Vasco devia quase o dobro, ou seja, cerca de 660 milhões.
A dívida atual se encontra no patamar de 517 milhões. Dois anos após assumir o clube naquela situação, portanto, a dívida diminuiu 143 milhões.
O autor alega que 113 milhões foram abatidos em função da adesão do clube ao PROFUT. A pergunta é: e daí? Esta ressalva só vale para o Vasco? Quem foi que regularizou e organizou o clube para poder aderir ao programa? Quem participou de reuniões? Quem apresentou ideias? Quem assinou? Portanto, também os 113 milhões são fruto das ações desta administração. Além dos demais 40 milhões de redução, ao longo de, repetindo, apenas 2 anos.
Em continha simples, se a administração Dinamite jamais tivesse passado pelo Vasco, a não ser para corrigir na caneta o Balanço parcial de 2008 (elevado para aproximadamente 350 milhões), o Vasco teria hoje uma dívida de 207 milhões. Provavelmente a menor do Brasil entre os 12 clubes de primeira linha.
7) “Eventos ou condições futuras podem levar o Vasco a não mais se manter em continuidade operacional”.
Comentário: Esta frase não é do autor. Esta frase é escrita no parecer dos auditores independentes. A auditoria está correta. Caso o Vasco passe por nova aventura como foram os 6 anos de administração Dinamite, pode se tornar inviável. Porém, sendo administrado com a responsabilidade atual, tudo indica que, em que pese ainda uma longa estrada, vá se recuperar.
Porém, o principal desta frase é que ela aparece literalmente da mesma forma no parecer da auditoria independente que analisou as contas de 2016 daquela administração que a imprensa especializada destaca como a melhor do mundo: a do Flamengo.
Não se sabe, assim, porque ao surgir no parecer da auditoria externa do Vasco ela mereça destaque negativo e ao surgir no parecer da auditoria externa do Flamengo não faça nem cócegas.
8) O autor pergunta “Por que o Vasco não fecha as portas?”
Comentário: porque, antes do Vasco fechar as portas, muitos outros deveriam fechar. Não só clubes de futebol. O que se vê em relação ao empresariado nacional dia sim e outro também mostra que muitos deveriam fechar as portas. Há empresas que roubaram o país, há empresas que viveram de fraude, há empresas que participaram de esquemas inigualáveis. Durante um tempo, vide episódio Maracanã, muitas delas foram incensadas pela própria imprensa especializada e seus analistas baforados pela superioridade. Roubaram, corromperam e não fecham as portas porque seus problemas são resolvidos, dentre outras artimanhas, por acordos de leniência.
Em um cenário de vigarice explícita Brasil afora, perguntar porque o Vasco não fecha as portas, clube que vem honrando suas contas, mantendo salários em dia, pagando acordos com extrema dificuldade e esforço, soa como um cuspe na cara dos vascaínos.
Desde dezembro de 2014, sempre que há oportunidade, a diretoria atual informa aos torcedores e sócios do clube a respeito das dificuldades financeiras encontradas. Não há mistério, não há mentira, não há camuflagem, não há ninguém sendo enganado. O Balanço Patrimonial de 2016 exposto pelo clube dá a dimensão das dificuldades que existem.
Porém, desconstruir o esforço com fins que só podem ser políticos vai além da irresponsabilidade. É desonesto. E sempre que houver desonestidade nestes moldes, a desconstrução leviana será desconstruída com verdade.
CASACA!