A Portuguesa Santista poderá ser enquadrada na lei de tráfico de pessoas (Protocolo de Palermo) por ter usado jogadores de categorias de base em campeonatos estaduais com a camisa do clube. Doze jogadores mirins dormiam em colchonetes, passavam fome, não tinham escola nem atendimento médico e psicológico, o que \"contraria a Lei Pelé, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as leis internacionais que condenam a exploração de pessoas\", disse o promotor da Infância e Juventude de Santos, Carlos Carmelo.
Carmelo apresentou recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo, após conseguir a condenação parcial da Portuguesa Santista por exploração de trabalho infantil. Ele quer que os jogadores de base trazidos do Pará sejam indenizados pelo clube. \"O juiz que deu a sentença mencionou o Protocolo de Palermo mas negou o enquadramento da infração como tráfico de pessoas\", explicou o promotor de Infância e Juventude.
O Brasil é signatário do Protocolo de Palermo desde 2004. A convenção firmada em 2000 foi encampada pela ONU para combater o crime organizado transnacional que usa o tráfico de pessoas para tirar vantagens.
\"A Portuguesa desrespeitou a legislação. O Protocolo de Palermo foi incorporado à legislação brasileira por decreto assinado pelo presidente Lula\", lembrou o promotor. \"Sabemos que ainda não existe um artigo no Código Penal que puna esses crimes de exploração de seres humanos de maneira genérica, mas somos signatários e devemos cumprir a lei internacional em casos como o abuso de atletas menores, maiores ou qualquer outa pessoa\".
Várias sugestões para mudança do Código Penal estão sendo estudadas pelo Ministério da Justiça, por juristas de notório saber e por parlamentares que investigam o tráfico de pessoas no Senado e na Câmara dos Deputados.
.O promotor Carlos Carmelo e a procuradora da República Ela Castilho querem inibir a ação de exploradores de pessoas que agem na oferta de vantagens aos pais de menores, prometendo sucesso profissional e riqueza na carreira como jogadores de futebol. \"Soubemos que as família enviavam dinheiro para o \"olheiro\" para alimentar seus filhos. As crianças passavam fome. O dinheiro ficava com o intermediário e isso é exploração\".
\"A exploração não é apenas sexual. A exploração de pessoas que vivem em fragilidade social também é coberta pela legislação internacional que combate o tráfico de pessoas\", explicou a advogada Juliana Armede, responsável pelo tema junto à Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo.
O que é tráfico de pessoas
O artigo 3º do Protocolo de Palermo define o tráfico de pessoas:
\"É o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a
outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração\".
Preocupada com o tema, a procuradora da República Ela Wiecko de Castilho escreveu artigo técnico sobre a exploração de pessoas, diante da nova legislação internacional, da qual o Brasil é signatário.
Em seu artigo, a procuradora Castilho esclarece que no caso de crianças e adolescentes (menores de 18 anos de idade), \"o consentimento é irrelevante para a configuração do tráfico\".
No caso dos pais dos meninos que deram autorização escrita para que seus filhos viessem para São Paulo do interior do Pará, pelas mãos de um \"olheiro\" , a fragilidade social é mais forte que o consentimento legal, analisa o promotor Carmelo.
\"São famílias que vivem em fragilidade social e não podem discernir diante de um quadro de sedução e promessas de vantagens\", explica o promotor.
Na opinião dos especialistas consultados por UOL Esporte, a questão semântica da exploração pode ser corrigida nos próximos meses quando o novo Código Penal for aprovado e entrar em vigor.
\"O Protocolo emprega a cláusula para fins de exploração, o que engloba qualquer forma de exploração da pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remoção de órgãos. A enumeração é apenas ilustrativa, defende a procuradora Castilho.
O decreto presidencial que aceita integralmente o texto do Protocolo de Palermo foi assinado no dia 12 de março de 2004 mas nenhuma sentença condenatória enquadrou o abuso contra jogadores mirins na lei internacional.
As ações contra os clubes têm o respaldo do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
O Atlético Mineiro e Portuguesa Santista já foram condenados e se não respeitarem a sentença judicial serão multados: o clube mineiro deverá pagar multa de R$5 mil por criança/dia; a Porguguesa arcará com multa de R$ 50 mil por criança usada ilegalmente.
O Cruzeiro, o América e o Vila Nova se negaram a assinar um termo de ajuste de conduta para se enquadrar ao que determina a Lei Pelé e o ECA e foram processados pela Justiça do Trabalho de Minas Gerais.
No Rio de Janeiro, o Vasco é investiado pela morte de um jogador de base há duas semanas.