O erro de arbitragem em favor do Corinthians que lhe deu a vitória contra o Vasco é grave, mas fica até em segundo plano diante da atitude de Jô no episódio. Após meter a mão na bola, o atacante se fez de desentendido e disse que não sabe se bateu ou não no seu braço. A declaração seria cômica se não fosse um retrato de um Brasil tomado pela hipocrisia.
Primeiro, coloquemos as coisas em contexto. Jô esteve envolvido no lance com Rodrigo Caio quando o zagueiro do São Paulo avisou que ele não cometera falta, e portanto não merecia amarelo. Foi beneficiado pela honestidade do são-paulino.
Qual seu comentário na ocasião? “A gente precisa ser o mais sincero e honesto no grupo possível. Eu sairia em defesa, ia elogiar meu companheiro (se fosse no Corinthians). Essa atitude nos dá uma responsabilidade muito grande na próxima vez que acontecer. Se acontecer, a gente tem que fazer igual”, resumiu o corintiano, em abril.
Pois bem, cinco meses depois, Jô teve chance de fazer igual. O cruzamento veio da esquerda e talvez acabasse em gol. Difícil saber. O que é irrefutável é o movimento da cabeça e do braço de Jô conjuntos para acertar a bola. Foi no braço e no gol.
O lance é límpido, e qualquer juiz de pelada teria visto estando na linha de fundo como o da CBF, a poucos metros do lance. Um erro tão grotesco quanto o impedimento dado contra o Corinthians que anulou o gol diante do Flamengo. A arbitragem da CBF repete esse tipo de falha rodada a rodada, e o time corintiano foi beneficiado e prejudicado neste campeonato.
Mas isso, hoje, é secundário em relação à reação de Jô. Não, ele não fez igual a Rodrigo Caio como prometera. De cara, ele sinaliza para jogadores do Vasco que tinha feito o gol com o peito.
Sua entrevista após o jogo, no entanto, é constrangedora: “Eu não vi. Se tivesse convicção, eu ia falar. Me joguei na bola e não vi se tocou ou não. Se tivesse tocado, eu ia falar. Mas eu me joguei, eu me projeto. E se tocou ou não é interpretação do árbitro.”
Ora, Jô não precisa ver. Sentiu a bola bater no seu braço a não ser que tivesse uma doença que o impedisse de ter sensibilidade nesta região. Ele não se jogou, não bateu com o peito, meteu a mão na bola. Pode acontecer, o jogo é rápido, o atleta se afoba e coloca a mão, o juiz não vê. Tentar nos fazer de otários com uma mentira é outra história.
A própria entrevista do técnico Fábio Carille tentando minimizar o fato revela como se tenta dar jeitinho, passar pano no futebol e desviar o foco da questão moral. Diz ele que havia muito dúvida se a bola já “estava dentro”. “Ele pode falar que pegou na mão, mas e se a bola já estava dentro?”. Foge da questão central que é de que o atacante meteu a bola na mão e tentou enganar a todos.
Mas não é uma novidade no Brasil de hoje. Aqui é o lugar onde políticos saem em passeata contra a corrupção e depois são pegos com malas de mais de R$ 50 milhões em apartamentos. O país onde juízes não se sentem impedidos de julgar pessoas com quem têm ligações óbvias. A nação onde é regra pregar moralidade à frente das câmeras, levar vantagem atrás dela e negar tudo depois.
Haverá quem diga que a falha de caráter de Jô não é tão grave quanto a de políticos. Ou quem diga: “Jogadores não podem ser cobrados pelo que ocorre em campo, lá é diferente.” Até porque boa parte dos jogadores faz o mesmo, tenta enganar, levar vantagem, né? (Sim, a maioria age assim como vimos em diversos exemplos neste ano)
Não se está aqui comparando atos de corrupção aos de Jô. De fato, não cometeu crime ou desviou recurso público, não cometeu um sério dano à sociedade. E, obviamente, as duas situações têm disparidades e não podem ser julgadas da mesma forma.
Mas a exigência de princípios é para todos no exercício de sua profissão , na condução da vida, não só para políticos. Está em cada troco a mais que você devolve, ou não. Está em fazer seu trabalho de forma justa, e não tentar enganar a concorrência, seja você engenheiro, advogado ou… jogador. Quando alguém só se importa em levar vantagem, e não em vencer de forma correta, há um problema.
O resumo do episódio está na frase seguinte de Jô: “O juiz interpretou que não foi então foi bom para a gente. O importante é a vitória suada, os três pontos.” É isso: se for bom para a gente, não interessa se foi correto. Esse é o Brasil atual.