Confira uma entrevista de Agathyrno da Silva Gomes, presidente do Vasco de 1969 a 1979, ao repórter Cláudio Perrout, da Rádio Globo.
AJUDA PARA ELEGER ROBERTO DINAMITE
"Só achei que era uma oportunidade que o Vasco tinha de romper agora um período de certa negritude. O Vasco estava meio sozinho, em uma luta ingrata. Eu tinha com o Roberto uma consideração muito grande porque foi um jogador formado no meu tempo, em 70. O Roberto surgiu em 71 e participou de conquistas bem grandes no Vasco, como o Campeonato Brasileiro de 74. Mas, principalmente, ele participou de uma equipe que guardo sempre com muita emoção, que é aquela que foi campeã em 77 e trouxe para a minha administração e dos meus companheiros, um título inédito, de ter a defesa menos vazada do Mundo em mais de 100 anos de futebol. O Vasco da Gama foi campeão carioca de 77 com um título inédito. Teve só cinco jogos em que foi vazado e ficou 17 sem tomar um gol. O goleiro era o Mazarópi. E esse período todo, em que conquistamos títulos, que são realmente guardados com muito carinho. O Vasco não era campeão há 11 anos. Deixei a Seleção Brasileira - inclusive, era diretor de futebol da CBD [antiga CBF] - para aceitar um desafio, que era constituir uma equipe que pudesse fazer o Vasco retornar aos seus grandes momentos. Fomos felizes. Campeões em 70, 74 - no Rio de Janeiro o primeiro campeão do Campeonato Brasileiro foi o Vasco -, mas o título que ficou também foi o Carioca de 77, em que o Vasco jogou 17 jogos sem tomar um gol, o que é recorde mundial. Tudo isso me deixou muito satisfeito porque, acima de tudo, a alegria de ter agora o Roberto na presidência. Tenho certeza absoluta que ele, com o carisma e conhecimento de Vasco que tem, poderá ser muito feliz na administração do clube".
TIME DE 1974
"Era Mazarópi, Geraldo, Abel - meu amigo Abel, que tenho muita consideração por ele -, o sempre lembrado Orlando [Lelé], que morreu cedo, Zé Mário, Marco Antônio, Wilson - o Roberto vai trazê-lo também para ajudá-lo na administração do futebol -, Zanata, Dirceu - que faleceu na Barra há alguns anos [acidente de automóvel em 1995] -, Roberto, Ramon. O treinador era o [Orlando] Fantoni, que foi o grande líder dessa conquista memorável do Vasco. Está registrado no Guinness Book. Em todos os levantamentos feitos desde que o futebol foi fundado, o Vasco tem essa primazia de ser o clube que teve a defesa menos vazada pelo maior período. Aos companheiros, eu queria fazer somente justiça. A esse pessoal, tivemos também a colaboração muito grande do Djalma Cavalcanti, Santana. Era uma equipe que, acima de tudo, trabalhava com dedicação e carinho. Sempre me deixaram muito satisfeito com o empenho deles".
IMPEACHMENT DE REYNALDO DE MATTOS REIS, SEU ANTECESSOR
"Eu era vice-presidente e estava com a Seleção Brasileira. Eu só tive notícia de que esse fato poderia acontecer, na Catedral do Sal, quando eu estava com o presidente João Havelange no congresso da Confederação Sul-Americana".
"Com 70 anos que tenho de Vasco... Estou fazendo 81 anos de idade, mas há 70 ingressei no Vasco, no ano de 1938. Eu então fui desafiado e não tentei ver se arranjava uma outra pessoa para me substituir. Eu tinha 41 anos, mas os vascaínos entenderam que na época o nome que podia catalizar a maior simpatia seria o meu. Acabei aceitando o desafio. O Vasco não era campeão há 11 anos. Conseguimos formar uma equipe também muito coesa e unida para ganhar o campeonato em 70, nos sete meses de minha presidência. Depois de uma sucessão de títulos e torneios, acho que aquele maravilhosa que dava recorde de público... Basta dizer que, se não me falha a memória, os jogos do Vasco nesse ano e em 77 atingiram um nível impressionante de 150, 170 mil pagantes, coisa que nunca mais o Maracanã irá ver".
REPRESENTATIVIDADE DE DINAMITE
"Pelo comportamento e caráter dele. Era um rapaz... Eu vi o Roberto menino, em 71".
EXPULSÃO DE DINAMITE DA TRIBUNA DE HONRA EM 2002
"Isso tem um valor muito grande porque ninguém esquece uma atitude dessa, deselegante e grosseira até. Ele uma vez foi retirado da Tribuna de Honra do Vasco. Lugar melhor ele não teria naquele momento para estar prestigiando o quadro social. Era um atleta feito em casa, vascaíno autêntico, que todo mundo lembra da família e tudo. Isso me lembro bem porque vi nos jornais. Há muitos anos eu não freqüentava o Vasco. Só me animei agora porque eu tinha uma dívida de gratidão e reconhecimento ao atleta extraordinário que foi ele. Você se recorda daquele espetáculo triste e vergonhoso, de retirarem o Roberto de uma Tribuna de Honra, quando ele está acompanhado do filho dele. Aquilo marcou muito a minha personalidade naquele ano. Mas ele veio agora por cima e, naquela mesma tribuna, recebeu as homenagens que os vascaínos autênticos devem a ele".
VASCO TER 882 SÓCIOS PAGANTES
"Fui muito feliz, porque na minha administração consegui reunir um grupo de vascaínos, beneméritos e grandes beneméritos que dificilmente hoje você voltaria a poder congregar, porque eles tinham, acima de tudo, em um período difícil, que você não tinha verba, a não ser o quadro social, que era grande do Vasco. O Vasco se fazia representar. Estou fazendo essa lembrança em homenagem a aqueles que participaram da minha administração. João Silva e tantos outros companheiros brilhantes. O que se conseguiu foi com o esforço de todos, porque não tínhamos anúncio em camisa, publicidade extra-campo. Tudo era colhido com os resultados e um quadro social que chegou a atingir quase 40 mil pagantes".
"Felizmente, eles entendem que o futebol precisa ser administrado com vontade, empenho, resguardando as finanças do clube. Foi um programa administrativo. Hoje se assume a presidência do Vasco - já conversei com o Roberto - e é necessário que, acima de tudo, o administrador assuma um compromisso com os vascaínos e o quadro social. Qual é o programa? Vai ser efetivado em quanto tempo? O que será preciso para levantar com seriedade? Você tem que entender que um clube vive em um ambiente de muito incerteza. É o resultado de futebol. Você pode fazer o melhor planejamento possível e muitas vezes o futebol não devolve aquilo que você se empenhou e os seus companheiros".
"Fui muito feliz porque me reuni com um grupo de vascaínos que hoje não tem mais. Os vascaínos vivos hoje, ex-presidente, sou eu e o [Antônio Soares] Calçada. Mas foi uma época muito boa e me senti muito gratificado. Com meus 80 anos, em 70 deles me dediquei ao Vasco".
APOIO FINANCEIRO DE VASCAÍNOS A DINAMITE E SOLUÇÕES
"Acho muito difícil. Vou explicar por quê. Primeiro, porque o Vasco tem hoje, em matéria de finanças, um quadro negro. Ninguém sabe o que vem aí. Todos sabem de uma coisa, que a situação do Vasco merece muita atenção. A dívida é praticamente difícil de ser paga a curto prazo. Tem que haver um planejamento financeiro e gente que realmente primeiro faça um levantamento correto e cuidadoso da situação financeira do Vasco. O Vasco tem hoje uma centena de ações contra ele. O Vasco hoje, para o Roberto, vai ser um campo de muito desgaste pessoal, porque é resultado que interessa. O resultado, você só consegue com a caixa firme, tendo como honrar os seus compromissos. Isso hoje vai ser muito difícil, mas ele, com uma experiência que adquiriu nesses anos todos, até como deputado, poderá se cercar de gente habilitada. O clube hoje não comporta nenhuma posição individual. Você só pode resolver as situações do clube se realmente tiver um planejamento seguro, que possa corresponder a aquilo que os vascaínos esperam".
MUDANÇAS NO FUTEBOL
"Não é fácil você administrar o futebol hoje, que está acabado. Esse mal não é só do Vasco, são dos clubes do Rio de Janeiro. Vi com tristeza até, que clubes de São Paulo - não vou citar nomes - estavam atrasando o pagamento de tudo. O pior disso tudo é que você não tem hoje, no futebol brasileiro, jogadores que atuam na Seleção e pertencem aos clubes do Rio. É muito difícil o futebol hoje ser administrado. Esse campeonato, por exemplo, que vai até dezembro, é um risco tremendo. Você não tem como planejar nada dentro daquilo que já é difícil no futebol. O futebol é, acima de tudo, resultado, e não merece posições egoístas. Quando defendo uma ligação Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo, como sempre fizemos, é porque não somos artistas de uma companhia só. Dependemos dos outros. É preciso que essa gente hoje que administra o futebol, principalmente as torcidas e tudo, porque os clubes só se engrandecem quando essa rivalidade atinge um nível decente, de cordialidade. Mas, acima de tudo, o futebol é um jogo de risco. Você vê hoje o futebol do Rio de Janeiro com rendas ridículas. Estive, há algum tempo, recapitulando até na minha administração. Tive renda de 174 mil pagantes. É só ver as estatísticas da época. Hoje vejo, com tristeza, que 60 mil pessoas é considero uma coisa sensacional".
FINAL DO BRASILEIRO DE 1974 CONTRA O CRUZEIRO
"Com uma equipe, o nosso adversário, que gerou na época um problema muito sério, de briga com o governo de Minas. Transferimos o jogo para o Maracanã porque o diretor do Cruzeiro houve uma agressão ao bandeirinha em Belo Horizonte. Fui informado - eu tinha deixado a CBD - do fato que seria relatado na súmula. Procurei o diretor da CBD, que era o meu amigo Antônio do Passo. \"Seu Passo, a lei manda inverter o jogo, quando um clube agride no seu campo, ou no campo por ele ocupado, o adversário. O Vasco não vai jogar em Belo Horizonte\". Foi uma correria aqui e a cidade parou, porque estavam esperando que o Vasco voltasse atrás daquela decisão. Mas não. Fui à CBD e entrei com um pedido de inversão da tabela. Houve também o apoio dos outros clubes. Pedi que o Otávio [Pinto Guimarães] reunisse o arbitral. O Cruzeiro, usando de bom senso, resolveu jogar no Maracanã, fazendo algumas exigências, mas acertamos o jogo. Foi uma vitória sensacional do Vasco por 2 a 1, com um gol que até hoje muita gente lembra, o do Jorginho Carvoeiro. O Cruzeiro tinha um super time, jogadores extraordinários do goleiro até a ponta esquerda, inclusive o Dirceu Lopes. Era um grande time".
DINAMITE ASSISTIR A FLAMENGO X VASCO COM MÁRCIO BRAGA
"É muito importante porque o Márcio Braga também foi um excelente presidente e tive um bom relacionamento com ele. Tínhamos as nossas divergências, mas que nunca atingiram o limite da grosseria ou incivilidade. Sempre fomos, acima de tudo, desportistas. O desportista é aquele que pensa. O que estou propondo para mim seria bom para ele? O que estou propondo para ele, eu aceitaria se ele me propusesse? O futebol eles têm que entender... Aí tem as torcidas, que infelizmente também atingiram um nível hoje de brigas e riscos, em que até ir no Maracanã às vezes é um desastre. Mas precisa mudar essa mentalidade. O futebol não é escola, exibição de um só. É a exibição de dois clubes, que precisam se entender. Que ganhe o melhor, mas sempre respeitando as regras da decência e do jogo. Fico muito feliz porque o Roberto nisso será também uma pessoa que, tenho certeza absoluta, não afastará desse procedimento. O Márcio Braga é um sujeito que tenho a melhor amizade com ele. Fomos amigos. Sempre divergimos nos momentos sérios, mas tínhamos uma coisa na cabeça. O Maracanã será grande quando fazíamos o espectador ter uma convivência digna e correta. Por isso era um recorde de público. Se não me falha a memória, é recorde no Maracanã, entre clubes do Rio até hoje, um Vasco x Flamengo que teve 175 mil pagantes. Você bota mais uns 30 mil caronas. Mais de 200 mil pessoas, que só se igualaria talvez à Copa do Mundo de 50. Tudo isso é bom. Quem está no esporte, para compreender hoje, tem que entender bem o passado, por que era e não é mais. Hoje, infelizmente, estamos com uma Federação acabada, sem nenhuma representação que possa realmente impor confiança até ao torcedor. Os clubes pagam por isso. Quem tem que pagar isso tudo, afinal de contas, porque é o grande responsável pelas despesas e por tudo, são os clubes".
APOIO A DINAMITE
"Resolvi aparecer há pouco tempo atrás em homenagem ao Roberto. Eu tinha o dever e a gratidão com ele, pelo reconhecimento dele ao útil que fiz também para ele como atleta. O Roberto ficou comigo em toda a minha administração. Foi eu sair e 15 dias depois fizeram aquela venda, que foi um desastre, do Vasco com o Barcelona. Sou grato também a aqueles que me prestigiaram e sempre me respeitaram muito, porque aprendi com um grande nome, que conhecia bem o futebol. Liderança você não divide. Liderança você tem que exercer, com todos os riscos e sucesso que ela possa te trazer. Estou satisfeito e estarei com o Roberto aonde ele estiver. Só não sei se irei muito aos jogos, porque quero poupar um pouco a minha saúde. Mas ele merece dos vascaínos. Que os vascaínos compareçam. É necessário, agora que a eleição passou, que se esqueça esse período negro da história do Vasco, em que só se pensava em dinheiro e vantagem, para que possa realmente o Vasco recuperar o prestígio que ele tinha, não como um clube só e isolado, mas com os consensos dos seus irmãos, nas lideranças que era sempre em favor de todos. O meu desejo é esse, trabalhar para que os outros sintam que as glórias que eles cantam, como diz Camões, \"Norteiam como as nossas, maior valor e fama\"".