Gabriel Cabo é daqueles profissionais que carregam a credencial de ser filho de um famoso bem-sucedido na atividade que realiza. O sobrenome não deixa dúvidas, o pai dele é o treinador do Vasco, Marcelo Cabo, de quem é auxiliar direto.
O grau de parentesco e a pouca idade (27 anos) geram desconfiança sobre o trabalho de Gabriel, mas ele garante ter rodagem necessária para encarar o que considera o maior desafio de sua vida profissional: o Vasco. Antes da chegada à Colina, fez parte da comissão de Marcelo Cabo em outros sete clubes.
- Figueirense, Guarani, Resende, CSA, Vila Nova, CRB, Atlético-GO e agora o Vasco. Então, nas minhas contas, são oito clubes que me deram um pouco de calo para chegar até aqui e me preparar bem para essa grande oportunidade da nossa vida, que é o Vasco da Gama - afirmou.
Começou o trabalho de auxiliar em 2018, aos 24 anos, no CSA, onde ele e o Marcelo Cabo foram bicampeões alagoanos e conseguiram recolocar o clube na Série A, algo que não acontecia desde 1986. E como é trabalhar com o pai? Gabriel explica o tratamento que adota, brinca com o fato de ser "o alvo preferido" e revela o desejo de um dia ver o parentesco se tornar um referencial de mão dupla.
- É uma curiosidade grande isso daí. A galera do staff brinca muito com essa situação: "Teu pai ou Marcelo?". Procuro separar bem as coisas, brinco com ele que do portão para fora é o meu pai, mas do portão para dentro ele é o meu chefe. É o Marcelo, costumo chamá-lo assim, é uma questão mais profissional. Procuro separar as coisas.
- Hoje eu sou o filho do Marcelo Cabo, mas espero que um dia ele seja o pai do Gabriel Cabo e que consigam me reconhecer também pelo trabalho que realizo. Mas é bem curioso, não dá para separar as duas situações. Ele é meu pai, é o meu espelho, mas dentro do trabalho costumo dizer que tomo mais esporro do que todo mundo e a cobrança é maior (risos). Não dá para separar, mas do portão para dentro ele é o Marcelo. E do portão para fora é o meu pai.
Marcelo Cabo até poderia já ter o tratamento de "pai do Gabriel Cabo". O jovem de 27 anos era um "volantão" promissor, passou pelas bases de Flamengo, Fluminense e pelo futebol italiano. Profissionalizou-se, defendeu Grêmio Osasco, de São Paulo, e o Tigres do Brasil, do Rio. Um problema cardíaco, porém, o fez pendurar as chuteiras com apenas 22 anos, em 2016.
Nada que o abale, pelo contrário. Gabriel até agradece ao segundo aviso que recebera em 2016 - sete anos antes, outro exame já havia apontado problema semelhante.
- Se foi a vontade de Deus que eu não prosseguisse mais com minha carreira de futebol é porque Ele tem algo guardado para mim muito maior do que Ele já me permitiu. E sou muito grato. Eu poderia ter tido um infarto em campo a qualquer momento ou qualquer outra coisa cardíaca. Se Deus fez isso por mim, Ele teve muito cuidado com a minha vida. A gente conhece relatos de outros atletas que vieram a perder a vida em campo. Poderia ter acontecido comigo também.
Confira outros tópicos do papo com Gabriel Cabo:
Você falou em esporros, e Marcelo lhe deu um no Vasco x Madureira quando ele estava muito irritado com a comissão. Ali, você tentava acalmá-lo. Como foi essa situação de tentar segurá-lo?
- Nós dois temos esse perfil bem enérgico, a gente vive o jogo e joga junto com a equipe. Gosto muito desse perfil dele. A gente vive bem a intensidade do jogo, claro que com a frieza de quem tem de estar comandando. Não dá para ser só emoção, tem que ser razão, mas a gente costuma defender bem a instituição que está representando.
- Mas naquele momento a gente também tem que ser inteligente, ter o contraponto. Se ele passa um pouco da temperatura, a gente tem que segurar para que ele não seja punido com amarelo ou com vermelho.
- Ali foi um momento em que eu tentei segurá-lo, mas ele estava bem nervoso com a arbitragem daquele jogo, que não foi nada muito legal. Tive que tentar contê-lo, me deu um esporro, mas no final ele entendeu que eu estava tentando contê-lo porque o jogo seguinte era um clássico (contra o Fluminense). Não ter a figura dele no banco seria uma perda muito grande naquele jogo.
Como você se faz respeitado, aos 27 anos, tendo que comandar atletas mais velhos do que você?
- Eu costumo pregar na minha vida retidão e olho no olho. Já tive no lado de lá e eu gostava de papo direto, reto e firme. E ter conteúdo e se preparar. Apesar da pouca idade, já rodei por muito clubes, passei por diferentes situações. Lutei para não cair, para subir, já fui campeão, já briguei no meio de tabela. Entendo um pouco o lado deles e agora um pouco desse lado de cá.
- Muitas das vezes eu tinha atitudes de jogador que hoje eu não concordo. Minha rápida necessidade de amadurecimento me fez enxergar a vida por outro lado. Mas acho que nada supera o papo reto, o olho no olho e as coisas faladas com segurança e propriedade.
- Acho que todo atleta gosta de ser tratado com igualdade, respeito e carinho. E é tudo que a gente procura fazer para que naturalmente as coisas aconteçam. Não é nada forçado. Graças a Deus nunca tive problema com muitos atletas de seleção brasileira e campeões do mundo. A relação sempre foi a melhor possível, de amizade, de fazê-los entenderem que é tudo pelo bem deles e pelo conhecimento. Tudo que vamos falar é com conhecimento, embasamento e muito estudo.
Mas você nunca sentiu ou observou um comentário do tipo: "O que esse moleque está falando para mim? Ele tem a minha idade ou é mais novo"?
- Diretamente nunca senti. Claro que quando comecei, eu era muito menos experiente e procurava escutar muito. Sou um cara que escuto muito para poder falar depois. Acho que é uma virtude da vida isso. Nosso diálogo é muito aberto, volto a falar que nunca tive problemas com atletas. Trabalhei com vários tipos de atletas e sempre com honestidade e retidão na palavra.
- É normal que a pouca idade gere um pouco de dúvida, mas, com o passar do tempo, acho que eles vão vendo quem é quem e a seriedade do nosso trabalho. O futebol é muito dinâmico, muito falado e muito rápido. Se você faz uma coisa ruim aqui, lá na frente as coisas proliferam muito rápido. Essa situação, graças a Deus, eu nunca passei.
Quando virou auxiliar?
- Foi a partir do CSA. Quando chegamos lá, já havia um departamento bem estruturado. Aí comecei a fazer essa ponte da análise de desempenho já partindo mais para a área de campo para poder desenvolver os trabalhos. Acho um ponto muito importante o centro de inteligência de um clube. Eu consegui ter essa expertise de saber um pouco das duas áreas. Aí migrei para a área de auxiliar técnico direto do Marcelo. Comecei a fazer mais os trabalhos de campo e a executar mais. A partir de 2018, no CSA, passei a fazer mais o trabalho de campo e virei auxiliar do Marcelo.
ÉPOCA DE JOGADOR
Breve carreira de atleta
- Sempre fui um menino sonhador, sempre apaixonado por futebol. Cresci vendo meu pai jogando futsal no Vasco, e ele me levava para ver os jogos. Eu vivia os vestiários. Era legal para caramba quando os caras iam para a preleção, eu fechava com a galera. Me sentia totalmente inserido e sonhava com aquela realidade para mim. Ia ao Maracanã e São Januário ver jogos. Tive meus sonhos, meus anseios, consegui de certa forma realizar.
- Passei pela base de grandes clubes, joguei na Itália, fiz uma fase de adaptação na Europa quando estive na Europa. Terminei minha carreira em 2016, aos 22 anos, por um problema cardíaco.
Aposentadoria forçada num ótimo momento
- Choque muito grande para um jovem que sonha. Eu estava num momento muito legal da minha carreira, tinha acabado de fazer meu primeiro Campeonato Carioca profissional, estava muito feliz.
- Recebi o convite de jogar a Série B pelo Londrina, mas chegando lá fui reprovado nos exames médicos. Tive que refazer uma série de exames, e aí foi uma apontado um problema no meu coração que eu já tinha tido na base, em 2009. Dessa vez não teve como eu prosseguir.
- Pelo risco grande de uma parada cardíaca, não pude seguir. Deus me direcionou para essa nova função, e estou muito feliz aqui.
Qual era a sua posição?
- Rapaz, era o famoso caça-craque (risos), um volantão. Era camisa 5, aquele cara de muita marcação, muito voluntarioso para a minha equipe. Tinha certa qualidade porque no futebol moderno não se dá mais para jogar só marcando.
- Pude evoluir muito na base do Audax, onde tive o prazer de trabalhar com grandes profissionais. Professores Vinicius Munhoz, Maxsandro Barbosa e Fernando Diniz são pessoas que me fizeram crescer muito como atleta, me fizeram jogar outro tipo de jogo. Isso influencia muito as minhas raízes do que penso sobre futebol e de experiência que procuro passar para os meninos.
Ensinamentos que o fazem acreditar em futebol bem jogado
- Tento fazê-los acreditar no jogo bonito, no jogo de posse de bola e que a nossa equipe possa propor. Então essa é a minha "ex-característica" (risos), hoje eu não aguento correr mais atrás de ninguém. Na época, eu era um volantão, camisa 5, e batia mais do que jogava. Mas dava para jogar um pouquinho também (risos).
Como está sua expectativa e a do seu pai em relação ao projeto de recolocar o Vasco na Série A?
- A expectativa é muito grande. A cada treino, dia, reunião, viagem e conversa, a expectativa e a alegria de estar aqui vão aumentando muito mais. Quando chegamos aqui, imaginávamos uma cenário em que as coisas iriam acontecer naturalmente. E realmente estão acontecendo. Encontramos um grupo de atletas muito comprometido, muito bom e muito sério.
- Encontramos um grupo de diretores muito sérios e que vêm nos dando todo o respaldo para trabalharmos e dar o melhor no dia a dia. Vêm nos dando segurança na questão de trabalho. Acredito muito nesse projeto do Vasco da Gama.
- Então a expectativa é muito grande para que cheguemos sólidos e prontos para o primeiro jogo da Série B.
Você afirmou que gostaria de ver o Marcelo Cabo reconhecido como "o pai do Gabriel Cabo" e não apenas você ter a credencial de "filho do Marcelo". Como conseguir se tornar referência também?
- Acho que é a excelência naquilo que faço, independentemente de onde essa profissão vai me levar. Não trato como grande meta virar um treinador. Se eu fizer o meu melhor e for reconhecido, acho que vai encurtar o caminho para o Marcelo ser o pai do Gabriel, e o Gabriel parar de ser somente o filho do Marcelo.
Como foram os papos quando vocês voltaram a São Januário sobre as lembranças dele? Até porque você era muito garoto, tinha 3 anos quando ele jogou no futsal do Vasco?
- Chego até a ficar arrepiado porque na verdade é um sonho retornar aqui ao Vasco. No momento que ele conseguiu ter essa notícia e falar para mim, estávamos em definição no Atlético-GO, participando de uma final. Quando ele me deu a notícia, a alegria foi inexplicável. Voltar para casa, participar de um projeto gigantesco de reestruturação de um clube de tamanho infinito.
- A gente vê uma situações acontecerem, cara... A torcida é gigante. Aonde vamos tem gente para caramba, é inédito para nós viver esse amor e carinho da torcida.
- O retorno a São Januário foi emblemático para mim quando eu passei nas quadras cobertas por trás do vestiário. Quando passei pelo vestiário do lado do ginásio, eu tenho poucas memórias da minha infância, mas lembro da reza dos jogadores. Meu pai levava minha roupinha para eu tomar banho lá e me sentir um jogador mesmo (risos).
- Eu tinha 3 anos, são poucas as memórias, mas são coisas muito marcantes e memoráveis para mim. Eu tomava um suco de caju de maravilhoso no bar de São Januário. São coisas impagáveis, voltando num momento bacana da nossa vida e chegando num projeto maravilhoso.
- Então tudo casa, tudo se encaixa para que a gente realize, se Deus quiser, um grande trabalho e possa dar um retorno a esse carinho enorme que a diretoria e a torcida têm depositado na gente. Isso só nos faz crescer e nos motivar mais.
O olho do seu pai brilhou no retorno?
- Como que não brilha? Fomos várias vezes ver jogos em São Januário do Vasco e de grandes equipes. Hoje fazemos parte desse processo. Quem o olho não brilhar não tem sentimento.
- É um passado nosso de muita recordação, e hoje a gente consegue se ver dentro desse processo. Alegria enorme realizar esse sonho. O Marcelo deixou bem claro que era uma meta da vida dele dirigir um dos quatros grandes do Rio de Janeiro.
- E sendo o Vasco é sensacional. Indo para a casa depois do primeiro contato em São Januário, nós parecíamos dois meninos conversando sobre detalhes. "Você viu isso, viu aquilo, lembrou daquele lugar?" Ele encontrou o Seu Germano, um ex-diretor da época dele de futsal, e foi muito emocionante o abraço que eles deram. São memórias da nossa vida. Você une a vida ao trabalho, e a sinergia é muito grande.
O que gostaria de conquistar com o Vasco? Algum jogo, taça ou objetivo especial?
- Tenho alguns objetivos, o primeiro é ver São Januário lotado. Eu preciso ver isso, ver a torcida gritar. A gente espera que essa pandemia passe logo porque isso é inegociável. Nosso sonho é ver São Januário lotado, gritando. Você não pode passar pelo Vasco sem ver isso.
- Quando você trabalho no Vasco, tudo que você participar tem que entrar para ser campeão. Não dá para falar em ganhar esse ou aquele título. O que mais quero é um Vasco vencedor, um Vasco onde a torcida tenha o prazer de sentar para ver o Vasco jogar. Que o Vasco seja ofensivo, fazer gol e dê prazer para a torcida. Para ela contar as horas de ver o Vasco entrar em campo.
- Acredito que com isso, com boas atuações e equipe consistente, vamos conseguir ganhar jogos, que é o grande objetivo. E consequentemente títulos.