Esta é a história de um menino que enxerga o Vasco com o coração, a maneira perfeita para todos que querem ver e sentir São Januário.
Victor Lopes, de 12 anos, nasceu com glaucoma congênito e possui apenas 10% da visão. Isso não o impede, no entanto, de ver o Vasco de perto. Não consegue saber sozinho o que se passa no campo, mas enxerga através dos olhos do pai e sente a atmosfera com a vibração que vem da torcida.
- Sou viciado em arquibancada.
Foi assim que começou a noite da última quarta-feira. A reportagem do ge acompanhou o jogo com eles e levou uma alfinetada de Victor por ter levado o garoto e o pai, Raphael Lopes, no setor das cadeiras sociais para assistir à vitória por 1 a 0 sobre o Fortaleza.
- Prefiro cantar e pular do que ficar sentado. Se for para ficar sentado, eu vejo em casa - completou ele.
Mesmo distante da torcida que o pequeno chama de "raiz", conseguimos acompanhá-los em uma noite típica de pai e filho curtindo o Vasco. E Victor pouco ficou sentado.
"Ele não vê como a gente, mas sente"
A história de Victor viralizou após a goleada sobre o Coritiba, no dia 21 de setembro. Um torcedor registrou uma cena emocionante de Raphael narrando o jogo para o filho na arquibancada.
- Para a gente é tão natural, mas a gente vê que ainda tem um estranhamento das pessoas. Mesmo ele sendo deficiente, ele curte e aproveita tudo. Ele joga bola, pratica judô, vai aos jogos, tenta andar de bicicleta. Para algumas pessoas, ainda é um choque: "Como ele vem ver o jogo? O que ele faz no estádio?" - começou Raphael, que seguiu:
- São Januário é muito mais do que ver, é sentir. Ele enxerga através do coração. Ele sente a arquibancada tremendo, o eco da torcida, é um estádio com atmosfera diferente. E ele tem essa percepção. Ele não vê como a gente, mas sente como a gente.
90 minutos com Victor
Menos de um mês após o vídeo viralizar, assistimos a um jogo ao lado dos dois e registramos o amor e a emoção que Victor deixa transparecer a todo momento em São Januário.
Victor rói a unha e se mostra inquieto enquanto a bola não rola. Sobe na cadeira. Desce. Bate no peito, apontando para o escudo do Vasco. Aplaude. Canta. Vez ou outra pega o celular para jogar. Até o momento em que o time entra em campo. Aí começa a saga do pai para encontrar alguma rádio, mas todas sintonizavam América-MG x Botafogo, que havia começado 1h30 antes. "2 a 1 para o Botafogo, quase o terceiro", alertou o garoto.
São empecilhos aos quais pai e filho estão habituados. Naquele jogo contra o Coritiba, por exemplo, o fone de ouvido parou de funcionar. Por isso, Raphael assumiu a função de narrar os lances.
- Foi estranho, porque no meio do jogo o fone quebrou muito, não funcionou mais. Aconteceu que a gente teve que ir para um lugar menos barulhento para ele poder narrar. Só que o jogo facilitou, afinal foram cinco gols, três em um tempo - lembrou Victor, afirmando que aquele é o jogo do Vasco que mais curtiu nos últimos tempos.
Ele não se recorda de partidas mais antigas. Afinal, são muitas para o pequeno lembrar. Ele frequenta estádios desde 2015, quando ainda tinha 4 anos. Às vezes só com o pai, às vezes com a companhia da mãe Monyque e da irmã Marinna. Se o Vasco tivesse vencido o São Paulo, na rodada anterior, certamente passaria a ser seu dia preferido como torcedor, já que ele e a irmã entraram em campo de mãos dadas com o zagueiro Maicon.
- O Vegetti estava logo atrás. A moça falou: "O primeiro jogador que der a mão você pega e vai". Foi bem legal na verdade. Por pouco não entrei com o Vegetti - narrou Victor.
Voltemos à missão de encontrar uma rádio para o garoto. Tenta aqui, ali. Nada. Seria necessário esperar o jogo do Botafogo acabar. A bola rolou em São Januário sem fone de ouvido para Victor, mas ele não deixou de ver o jogo. Abraçado ao pai, ouviu Raphael narrar os lances iniciais e tirou sua primeira conclusão: "O Fortaleza está fazendo muita cera".
A cena do abraço se repetiu o tempo todo. Quando não estava com o braço em volta do pescoço de Raphael ou agarrado à cintura do pai, os dois davam as mãos.
- Ele tem que sentir que tem alguém com ele - explicou Raphael.
"Quando acontece o gol, é loucura"
O primeiro tempo ainda nem tinha terminado, e Victor cobrou o pai: "Esse jogo está entediante. Temos que ir ao clássico domingo, com certeza vai ser melhor". Tudo mudou aos 12 minutos do segundo tempo, quando Payet abriu o placar para o Vasco. O pequeno torcedor sentiu. Muito.
- Emoção, felicidade, só isso que sinto. Quando acontece o gol, é loucura. Banho de cerveja, gente tacando coisa, gritaria. São Januário é meu, o Maracanã é nosso - aproveitou para tirar sarro.
Depois disso, tirou o fone de vez. Queria ouvir a torcida: "Você que se vire para narrar", brincou com o pai. Tirou a camisa, balançou no ar, tinha todas as músicas na ponta da língua. Perguntou quanto tempo faltava para o jogo terminar e se indignou quando ouviu que o árbitro deu sete minutos de acréscimo: "É acréscimo até o Fortaleza fazer gol".
Mas não fez, e o Vasco venceu por 1 a 0 em noite mágica. Foi noite de Payet, mas também de Victor. E de outras crianças. O menino viu seus amigos serem homenageados em São Januário. Pediu ao pai uma foto do bandeirão que estampava um desenho de três pequenos vascaínos: Guilherme, Heitor e Manuela. O veredito surpreendeu pela maturidade de uma criança de 12 anos:
- Simplesmente felicidade. Sou eu que estou na bandeira? Não. Me sinto representado? Sim. O mais importante é a causa - destacou Victor.
- Tem uma página, "vascaíno PcD", que conectou essas crianças. A ação da bandeira foi muito legal, e ela representa todas as crianças. Venho para estádio há 37 anos e não poderia sonhar que a estrela de uma campanha infantil seria uma criança PcD. Só tenho que ficar feliz - acrescentou o pai.
Foi a primeira vez trabalhando em um jogo do Vasco no meio da torcida. A experiência foi além de ver o que aconteceu dentro de campo. O primeiro gol de Payet foi marcante. As atuações de Léo Jardim e Maicon impressionaram. Mas sentir São Januário pulsando foi o que motivou essa repórter a contar a história de Victor e de Raphael.
- O Vasco ganhou, então você está convidada para ver o clássico com a gente - concluiu Victor como faria qualquer torcedor supersticioso. - Ah, e me segue no Instagram (@victorlopes.crvg) - cobrou.