Cristóvão Borges nunca foi de viver sob holofotes. Na Copa América de 1989, por exemplo, o apoiador baiano esperou, sentado no banco da seleção, a chance que não teria no forte meio-campo formado por Dunga, Silas e Valdo. Aos 52 anos, de fiel escudeiro de Ricardo Gomes, Cristóvão passou à condição de substituto do melhor amigo, internado há duas semanas, vítima de um AVC.
Desde então, a rotina inclui quase que diariamente o percurso entre seu bairro, a Lagoa, e o Méier, onde Ricardo está internado. Cada boletim médico é comemorado como uma vitória e, no campo, já são duas em três jogos. Hoje, Cristóvão vai ao Orlando Scarpelli em busca de mais uma, diante do Figueirense, a partir das 16h.
Como foi assumir o comando do Vasco numa circunstância como essa?
Ricardo é meu melhor amigo. Foi muito difícil. Foi pesado demais, porque a preocupação com a saúde dele era maior que tudo, mas senti que aquilo era uma missão para mim. Era o que ele gostaria que acontecesse. Meu único conforto foi a proximidade com os jogadores. Chamei-os para conversar e disse: Temos que dar boas notícias ao Ricardo. Isso ajudou, pois logo percebi a união do time.
Já a classe de treinadores não é unida... Cinco técnicos foram oferecidos ao Vasco desde que o Ricardo foi internado. Ficou aborrecido?
Nem um pouco. Isso não me incomoda. No mesmo domingo em que o Ricardo passou mal, a diretoria já falava sobre a necessidade de eu dar continuidade ao trabalho. Então, não me preocupo...
Como melhor amigo do Ricardo, você acha que ele vai continuar sendo treinador?
Tenho certeza absoluta. E vou dar o meu apoio. Fui ao hospital quase todos os dias e não conversei sobre isso com a família, mas acredito que todos vão entender que ele precisa continuar levando uma vida normal. O trabalho fará ele feliz.
Em algum momento você chorou?
Sou capaz de contar nos dedos as vezes em que chorei. É uma dificuldade que tenho. Mas perdi o sono desde o acidente. Não tenho dormido bem. Já sou magro e emagreci uns três quilos nesse período. Mas, a partir dessa vitória sobre o Coritiba, e vendo agora que o Ricardo já ri e tenta até falar palavrão (risos), acho que tudo vai começar a se acalmar. Ricardo está com aparência boa. A cabeça nem está raspada. Está apenas enfaixada. No início, foi tudo muito difícil porque eu tinha de resolver as coisas para ontem e com a obrigação de manter o time na boa posição que já ocupava.
Em algum momento ficou pessimista com o quadro do Ricardo?
Não. Durante esse tempo inteiro vi os médicos surpresos. A evolução dele foi constante. Susto mesmo foi quando eu estava na cabine assistindo ao jogo com o Flamengo e o massagista chegou, nervoso, pedindo que eu fosse correndo para o campo. Senti que era algo sério, mas quando cheguei lá embaixo, o Ricardo já não estava no banco.
Como começou a amizade de vocês?
Jogamos no Fluminense na década de 80. Ele estava subindo dos juniores, foi fazer um treino nos profissionais e não desceu mais. A amizade foi firmada na seleção brasileira, durante as eliminatórias da Copa de 90. Hoje, nossos filhos são amigos e sempre viajamos juntos, de férias. Chamo o Ricardo por seu apelido, Francês, pois é ele quem escolhe sempre o vinho do jantar. Não vou me atrever, né (risos)? Olha, eu sou católico e rezo todos os dias... Peço ainda mais pela saúde dele.
Depois que pendurou a chuteira, você teve outra experiência como treinador ou somente como auxiliar?
Em 2002, estávamos juntos no Juventude e ele foi para a seleção olímpica. Então, assumi o Juventude durante uns cinco meses.
Você lamentou recentemente a escassez de treinadores negros no futebol brasileiro. Já foi vítima de racismo?
Não, nunca. Mas acho que essa coincidência merece um estudo. São raros os técnicos negros... É uma coincidência muito estranha no universo de técnicos de futebol.
Em que condição você pretende devolver o Vasco ao Ricardo Gomes? Acha impossível ele voltar este ano?
Não dá para saber se ele terá condição de voltar este ano. Espero que sim. Se não, meu desejo é entregar-lhe o Vasco campeão brasileiro.
A torcida confia em você?
A torcida me olha ainda com desconfiança. E eu acho normal, pois o trabalho que vinha sendo feito pelo Ricardo era muito bom, e, agora, querem ver aonde posso chegar. Minha relação com o torcedor vai depender do que vou conseguir mostrar.
Está certo de que vai conseguir?
Estou. Vou mostrar que tenho condição. Como desde o início faço parte desse trabalho, sei o caminho que devo seguir. Aprendi muito com o Ricardo e posso dar continuidade a tudo que ele iniciou.