Barbosa lamentou pouco antes de morrer, em 2000, que sua punição pela derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950 já durava bem mais do que a pena máxima de três décadas instituída na legislação brasileira. É, no entanto, comparável ao duro castigo a compaixão genial despertada pelo goleiro.
Ninguém acreditou mais no homem brasileiro - e, por extensão, ainda mais, na Seleção - do que Nelson Rodrigues. O escrete não é outra coisa senão a pátria, escreveu o cronista, orgulhoso ao afirmar: Nós somos maiores, porque somos Brasil, imensamente Brasil, eternamente Brasil. Nem por isso o jornalista tricolor procurou responsabilizar o goleiro do Vasco pela decepção no Maracanã.
O fracasso diante dos uruguaios não foi explicado por Nelson por meio do chute de Ghiggia, que definiu o triunfo celeste por 2 a 1, mas pela inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Segundo ele, Obdulio (Varella) nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.
Nove anos após a derrota histórica, a equipe verde-amarela já havia chutado o complexo e conquistado o Mundial, na Suécia, porém o cronista continuava defendendo o arqueiro campineiro. Míope, ele fazia questão de observar muito além da bola, um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe.
Vejam 50. Quando se fala em 50, ninguém pensa num colapso geral, numa pane coletiva. Não. O sujeito pensa em Barbosa, o sujeito descarrega em Barbosa a responsabilidade maciça, compacta, da derrota. O gol de Ghiggia ficou gravado, na memória nacional, como um frango eterno. O brasileiro já se esqueceu da febre amarela, da vacina obrigatória, da Espanhola, do assassinato do Pinheiro Machado. Mas o que ele não esquece, nem a tiro, é o chamado frango de Barbosa, comentou.
Qualquer um já estaria morto, enterrado, com o seguinte epitáfio: - Aqui jaz fulano, assassinado por um frango. Ora, eu comecei a desconfiar da eternidade de Barbosa quando ele sobreviveu a 50. Então, concluí de mim para mim: - Esse camarada não morre mais!. Não morreu e pelo contrário: - está cada vez mais vivo, acrescentou, em um texto no qual elogiava a eternidade salubérrima do goleiro, então com 38 anos, e sua atuação sublime em uma derrota por 3 a 0 do Vasco para o Santos de Pelé.
O irmão de Nelson também não se apressou em apontar o dedo para Barbosa. Mário Filho - que viria a se tornar o nome do estádio onde Obdulio nos tratou a pontapés - ampliou sua obra máxima, O negro no futebol brasileiro, publicada originalmente em 1947, e ajudou a explicar 1950. Ele descreveu a questão racial envolvida na responsabilização de dois negros, Barbosa e Bigode, e um mulato, Juvenal, pela dor de 1950. E vibrou porque foram um negro e um mulato, Pelé e Garrincha, que acabaram redimindo a nação.
Armando Nogueira, outro cronista esportivo histórico, foi mais um a defender aquele que considerava, certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera, comentou.
A ótima lista de advogados que não conseguiram evitar a pena perpétua paga por Barbosa tem ainda nomes como o sambista Nei Lopes, que comemorou seis títulos cariocas de seu Vasco admirando a elegância atlética, a dignidade elástica do goleiro. A defesa do arqueiro tomou também formato audiovisual, no premiado curta-metragem Barbosa (1988), de Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado.