Futebol

Dinamite fala de acertos no Vasco, erros e de como hoje quer viver em paz

O Vasco não me deve nada. Eu também, como jogador, não devo nada ao Vasco”.

Roberto Dinamite foi campeão brasileiro, levou o Vasco a cinco títulos estaduais, foi artilheiro em diversos torneios, disputou Copa do Mundo e é, provavelmente, o maior ídolo da história do clube. Dentro de campo.

Como presidente, porém, vascaínos têm algumas ressalvas. Daí a frase aí em cima... Ele assumiu em 2008, saiu em 2014, e acumulou dois rebaixamentos para a Série B do Brasileirão - em sua defesa, o título da Copa do Brasil de 2011 e a grande campanha na Libertadores de 2012 também entram na conta.

“Aí você fala o seguinte: Pô, mas isso para você foi legal? Não. Foi ruim. Ruim no aspecto da minha imagem como ídolo, da minha carreira. Mas a vida tem desafios, cara. Se você se acomodar, achar que isso não pode... Às vezes, é no momento mais difícil que você se supera”, diz Roberto.

O UOL falou com o ídolo vascaíno e ex-presidente sobre seu período como dirigente, ouviu histórias sobre Eurico Miranda, Zico e Barcelona.

O momento mais delicado da carreira

Dinamite marcou mais de 600 gols pelo Vasco. A idolatria da torcida o fez ser escolhido para ocupar a presidência em 2008, após anos da gestão do polêmico Eurico Miranda. Ele achou que estava preparado, mas encontrou o maior desafio de sua vida.

As contas do clube estavam no vermelho, com dívidas enormes (e antigas). “O problema não é você fazer a sua administração. O problema é que você tem que administrar, também, um passivo que está ali”, explica. “Eu tive, como presidente, de cumprir algumas coisas que aconteceram em 2000, 2001. Algumas, com atletas olímpicos. Foi na minha administração? Não! Mas eu estava presidente e tinha que responder por aquilo. É muito parecido com a política nacional. Sai um governador, entra outro. E o primeiro deixa uma dívida”.

“O Vasco foi para a segunda divisão uma vez, duas? Foi. Mas olhe o exemplo do Internacional. É clube com estrutura, que está entre os clubes com mais sócios no país. Tem estrutura financeira. O mesmo aconteceu com o Corinthians, que também caiu”, fala. Segundo ele, porém, os feitos negativos ficam mais evidentes do que os positivos. “Eu cito 2011 como exemplo, O Vasco ganhou a Copa do Brasil e foi, na minha opinião, o melhor time no Campeonato Brasileiro. Mas não ganhou. Então, se você faz um retrospecto desse time de 2011, tem que falar das coisas ruins? Tem, mas tem que falar das coisas boas também, senão ficam só as coisas ruins”.

Segundo Dinamite, a maior alegria de sua vida esportiva aconteceu em 2011, quando o Vasco foi campeão da Copa do Brasil sobre o Coritiba. “Foi o momento mais feliz, até do que os períodos de conquista de títulos como jogador. Quando chegamos de Curitiba, levamos quase quatro horas do [Aeroporto] Santos Dumont até São Januário”, lembra.

Para quem não lembra, aquele time tinha Fernando Prass no gol, Fágner na lateral, Dedé na zaga, Diego Souza no meio-campo e Alecssandro no ataque. “As pessoas criticam, mas eu trouxe o Rodrigo Caetano, que hoje é referência na função, e um elenco muito forte, que ainda está aí”, defende Dinamite.

Com praticamente o mesmo elenco, o Vasco também foi bem na Libertadores de 2012 – em que uma defesa de Cássio em um chute de Diego Souza levou o Corinthians para a decisão. “Era um time realmente muito bom. Teve ruim? Teve, mas isso faz parte das dificuldades também”.

Quando perguntado se ele pensa em voltar a ser presidente, Dinamite é direto: “Não, claro que não. Ser presidente do Vasco, não”.

“Eu quis cumprir uma etapa no Vasco. Não fui presidente por vaidade, eu fui para tentar fazer alguma coisa pelo clube que me deu oportunidade de ser quem eu fui. Eu só acho que, na minha administração, se errei foi ter continuado no segundo mandato”, explica.

O problema, segundo ele, é que a política interna no segundo mandato foi mais complicada. Se no primeiro ele entrou como oposição, à frente de um grupo de vascaínos que tinham se afastado durante gestões anteriores, no segundo o número de pessoas que queria ter voz na administração foi grande demais.

“A relação interna de um clube, e não é só no Vasco, mas em todos, tem vários componentes. Um deles é palavra vaidade. No segundo mandato, eu não consegui unir as pessoas”, analisa. “É por isso que eu não voltei mais ao Vasco depois que deixei de ser presidente. Existem pessoas que gostam de mim, mas também existem aqueles que não gostam. Então, se eu não posso ajudar, eu não quero atrapalhar”.

Amizade com Zico nasceu no Maracanã

A resposta vascaína a Zico

A história de Roberto Dinamite no futebol se confunde com a de outro mito do futebol carioca: Zico. “Com 17 anos, eu era titular do juvenil do Vasco. Em 71, o Vasco foi campeão, eu fui artilheiro da competição e começou a disputa com o Zico. O Flamengo montou uma grande equipe, com Cantareli, Rondineli, Jaime, Vanderlei. Era contra esse time juvenil do Flamengo que nós jogávamos”, lembra.

Curiosamente, Zico e Dinamite estrearam no time profissional no mesmo ano, justamente em 1971, e disputaram duas Copas do Mundo lado a lado, em 1978, na Argentina, e em 1982, na Espanha. Dois ícones do futebol carioca. Rivais? O vascaíno, porém, garante que não. “A rivalidade era entre os clubes. Entre nós, nunca”.

Prova disso foi a despedida de Dinamite dos campos, em 1993: Zico colocou a camisa do Vasco e defendeu o clube no amistoso contra o La Coruña, da Espanha. “A gente estava acima dessa coisa da rivalidade. Mas o gesto dele, a atitude, foi excepcional”, elogia.

Paulinho x Vinícius Jr

Essa dualidade entre as histórias de Dinamite e Zico fazem o torcedor mais empolgado pensar em outra dupla de jovens talentos criadas nos rivais cariocas: Paulinho, do Vasco, e Vinícius Júnior, do Flamengo.

O primeiro é o jogador mais jovem a estrear pelo Vasco no século, autor de três gols no Brasileirão-2017, um deles que levou o clube de volta à Libertadores após cinco anos.  O segundo marcou os mesmos três gols no Brasileirão e já está vendido para o Real Madrid, da Espanha. Ambos têm apenas 17 anos.

“Eles estão sendo preparados para ir para a Europa. Já mostraram talento e os treinadores estão preparando esses garotos. Comigo e com o Zico não aconteceu isso. Não teve uma conversa sobre o que estavam fazendo”, analisa Dinamite. “Os dois têm potencial, mas nenhum deles é ‘O Cara’ ainda”, completa.

Dinamite chegou aos 17 anos ao time profissional do Vasco. Mas precisou de três anos para ser titular indiscutível. E como ele descobriu que já tinha alcançado o posto? Com uma cotovelada.

“Em 74, eu comecei a fazer gols. Logicamente, quando você começa a fazer gols, sofre uma marcação maior. Os caras chegam junto em você. Eu tinha 20 anos, era o mais jovem do time, jogava ao lado de uns caras rodados, com muita experiência.

Eu lembro que teve um jogo em que o cara me deu uma pancada. Eu falei ‘caramba’. No segundo lance, o cara chegou forte também. Aí eu falei: ‘Que é isso, rapaz?’ Mas a jogada seguiu e eu escorei o cara com o cotovelo. Não dei cotovelada, só escorei. Vi que o cara vinha e botei o cotovelo.

Aí o cara bateu, caiu e o time deles veio todo em cima de mim. Mas todo o time do Vasco, com Alcir, Moisés, Paulo César, Puruca, jogadores já muito experientes, me botaram no meio. Eles me protegeram, não deixaram os caras chegarem perto. Aquilo ali me deu maior moral. Eu pensei: ‘Estou bem aqui, né?’ E aí fui embora, cara”.

A carreira que tinha tudo para não acontecer...

Vasco até investigou namorada para não deslumbrar talento

Eu falo que o Vasco teve uma participação tão grande na minha vida que até escolheu minha primeira esposa. Quando eu conheci a Jurema, fomos viver juntos e o Vasco quis interferir. Eles viram uma mulher mais velha do que eu e pensaram se era uma boa. Fizeram uma investigação e tudo. A preocupação era que ela poderia interferir na minha carreira, ser uma influência ruim. No final, liberaram. Mas precisei provar que ela seria companheira 

Sobre como o Vasco tratava o jogador que, nos anos 70, era a grande esperança do clube. Roberto era dez anos mais novo que Jurema. Os dois ficaram casados até a morte da mulher, nos anos 80.

Dinamite é jogador do Vasco, mesmo tendo defendido outros clubes durante a carreira. O mais famoso desses outros times é o Barcelona. O jogador foi comprado pelos catalães em janeiro de 1980. A passagem pelo Camp Nou, porém, foi curta.

“Fiquei muito pouco tempo, três ou quatro meses só. Eu tinha um contrato de dois anos, mas o técnico que veio ao Brasil junto com a direção do Barcelona saiu logo em seguida”, conta. “Entrou o Helena Herrera, que, dizem, tinha um problema com brasileiros desde que perdeu, como técnico da Inter de Milão, para o Pelé. Eu comecei jogando, mas depois fui colocado de lado”.

“Eu lembro que nós fomos fazer um jogo contra a Real Sociedad, que é uma área basca. Eles me chamaram. Eu estava escalado como titular, mas me tiraram do jogo falando em uma ameaça basca. Mas quando voltamos para Barcelona, falaram que eu precisava me adaptar ao trabalho do novo treinador”.

Nesse momento, surgiu um interesse do Flamengo em Roberto, que não se concretizou. Ele acabou, então, voltando ao Vasco, ainda em maio de 1980.

A volta triunfal

O retorno de Roberto Dinamite após os cinco meses no Barcelona foi triunfal: uma vitória por 5 a 2 sobre o Corinthians no dia 4 de maio de 1980. Com cinco gols marcados.

“Não foi exatamente meu primeiro jogo na volta. Eu joguei no Recife, contra o Náutico, acho que ganhamos de 1 a 0. Mas o jogo emblemático foi esse contra o Corinthians, voltar jogando no Maracanã. Como atuação e resultado, acho que foi o melhor da minha carreira.

Tem jogador que faz cinco gols em um jogo, mas é contra um Madureira, um Campo Grande... Eu fiz cinco gols contra o Corinthians, né? Eu tinha acabado de sair do Barcelona e tinha ficado uma interrogação. Quem é esse jogador que veio do Brasil como artilheiro, ídolo e tal e não deu certo?

O pessoal de Barcelona veio para cá também, nessa minha reestreia. Lembro que eles mandaram depois o jornal com a manchete “Este sim é Dinamita” - porque não era Roberto Dinamite, era Roberto Dinamita, em espanhol. Este sim é Dinamita porque eu fiz cinco gols contra o Corinthians e qual era a minha função? Ser artilheiro. Fiz cinco gols num clássico. Isso mostrou que o problema, na realidade, não era eu".

"Única vaia que levei na seleção foi em São Paulo"

Nos anos 70, a divisão entre Rio e São Paulo na seleção brasileira era grande. Para os paulistas, existia uma campanha da CBD, baseada no Rio de Janeiro, para ter uma base carioca na seleção. Dinamite acabou sendo vítima desse clima.

Na preparação para a Copa do Mundo de 1978, a torcida paulista exigia a convocação de Serginho Chulapa, então artilheiro do São Paulo. Dinamite, porém, acabou com a vaga de centroavante reserva – o titular era Reinaldo, lenda do Atlético-MG.

Tinha essa coisa de Rio-São Paulo, acho que ainda tem um pouco. Eu lembro que a única vaia que eu tive na seleção foi em São Paulo, no Morumbi, quando o Brasil ganhou de 1 a 0 e eu fiz o gol. Mas, pô, que tenha essa rivalidade! Eu acho que o jogador, quando está na seleção brasileira, ele veste a camisa da seleção 

Lembrando do amistoso em janeiro de 1977, contra a Bulgária

Em 78, não sei se o momento dele era melhor ou pior. Na realidade, a convocação fica na mão do técnico, né? Não acredito que dirigente escolha jogador para a seleção brasileira. Em 74, eu tinha 20 anos. Se esse negócio de Rio valia, por que eu não fui? É um dado muito pessoal de quem está à frente da seleção 

Sobre as convocações da seleção. O técnico do Brasil em 1978 era Cláudio Coutinho, ex-Flamengo

E olha o caso do Serginho de 82. Ele foi porque tinha trabalhado com o Telê, tinha sido artilheiro e tal. É normal. Quando você é artilheiro, a convocação vem 

Com a experiência de duas Copas do Mundo, Dinamite consegue ver muitas qualidades no time que Tite está montando para o Mundial da Rússia. O trabalho do treinador é muito elogiado.

“É a mesma geração que viveu a última Copa, que não foi boa para ninguém. São os mesmos jogadores. Então, o que faz a diferença? É que os caras estão com o espírito de seleção. Fora o talento individual, estão com o espírito coletivo, encontraram uma forma de jogar. O Tite encaixou”, analisa.

Segundo ele, o grande mérito do treinador é a gestão do grupo. “Não adianta ter 10 craques. Você tem que ter esse equilíbrio que o Tite conseguiu com o diálogo interno. É uma coisa de dentro para fora, com trabalho, mas resgatando também o respeito e transmitindo confiança”, diz. “Não basta você ser bom técnico. Você tem que ser um cara muito bom e competente na relação do dia a dia com cada jogador”, completa.

Você vai no interior da Bahia e tem um cara com o seu nome lá. Ele botou o seu nome no filho. Acompanhava o futebol pelo rádio. Eu acho que isso é o legal. É o que levamos da vida 

Sem Vasco, mas na TV

Três anos depois de deixar o Vasco, Roberto não se vê mais no futuro do clube. “Em um primeiro momento, o que eu pensava não era nem em ser presidente, era ter uma relação institucional com o clube, como o Eusébio tinha com o Benfica. Isso foi prometido e não aconteceu”, fala.

Com isso, ele pensa em seguir no esporte, mas em outro caminho. Hoje, ele é comentarista do Donos da Bola, da Band, versão Rio de Janeiro. “Quero continuar nisso, aproveitar essas coisas na TV. se tiver uma situação melhor, eu vou pensar e vou analisar. Isso é fruto do trabalho que você faz. Se você consegue melhorar, evoluir, vai ter um espaço maior, um mercado maior. O que eu busco é isso, mas sempre sem ter que pisar nos outros, sem ter que atrapalhar a vida dos outros. Eu quero viver em paz, primeiro, comigo mesmo, entendeu?”.

Fonte: UOL Esporte
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