Vasco e Botafogo tiveram aprovadas pela Justiça a centralização da cobrança de suas dívidas trabalhistas e judiciais. A medida é vista como essencial pelas diretorias dos dois clubes para reestruturação financeira das instituições. Há um questionamento, porém, se as agremiações poderiam usar o mecanismo que foi previsto na Lei da SAF do futebol - clube-empresa.
As Justiças cível e trabalhista estão em processo de análise da homologação do acordo para centralizar os débitos dos dois clubes. Só em ações em processo de execuções, os dois clubes somam cerca de R$ 400 milhões: o Vasco tem R$ 223 milhões, e o Botafogo, R$ 178 milhões.
A Lei da SAF, já válida, prevê a possibilidade de centralização das cobranças desses débitos. Assim, o clube teria descontado 20% de sua receita para o pagamento das dívidas, sem estar mais submetido a penhoras. O pagamento tem que ser concluído em 10 anos. A questão é se clubes associativos também podem usar esse mecanismo.
A Justiça do Rio respondeu positivamente a demanda de Vasco e Botafogo para centralizar suas cobranças. O senador Carlos Portinho (PL-RJ), que é o relator da lei, afirmou que isso foi um erro do judiciário e que a redação do texto não foi feita com o intuito de atender associações civis, apenas clubes que virassem empresas.
"A lei não é tosca. Está escrita no cabeçalho dela: ela é para Sociedades Anônimas do Futebol. Ela tem contrapartidas obrigatórias, a primeira delas é se transformar em uma Sociedade Anônima do Futebol. A lei não foi feita para clubes associação civil", afirmou o senador Portinho.
Sua alegação é de que os clubes poderiam usar a recuperação judicial para poderem reestruturar suas dívidas, em precedente aberto pelo Figueirense. Portinho só exime o Cruzeiro por partir para a cobrança centralizada porque o clube já deu entrada com a criação de sua SAF.
"Com relação às dívidas trabalhistas e cíveis, o tribunal do trabalho nunca precisou da lei da SAF para, em mais de dez anos, conceder parcelamentos sem contrapartida nenhuma dos clubes. Postura criticada inclusive pelos credores", observou. E completou: "É um erro do judiciário, uma interpretação extensiva onde não há lacuna na lei, nem autoriza sua aplicação para clubes associativos. É um ativismo judicial se aproveitando de uma lei que não lhe presta."
O vice-presidente Jurídico do Vasco, José Candido Bulhões, primeiro a conseguir emplacar essa interpretação na Justiça, discorda do senador. Segundo ele, a recuperação judicial seria mais penosa para credores por criar um período de suspensão de pagamentos. Enquanto isso, o RCE possibilita que cada um ceda descontos na dívida sem que a negociação tenha que se coletiva.
"Além disso, a Lei da SAF é clara no sentido de que cabe ao clube, "a seu exclusivo critério", optar entre o RCE ou a RJ (art. 13). Em momento algum a lei obriga o clube a se transformar em SAF para requerer, para ter este direito. Nesse sentido, negar ao clube-associação o direito de optar pelo RCE é forçá-lo a seguir o caminho da RJ (medida muito mais drástica para clube e seus credores do que o RCE) ou impor sua transformação em SAF, o que, em ambos os casos, seria contrário à sistemática da Lei da SAF e violaria, ao fim e ao cabo, a isonomia esportiva", defendeu Bulhões.
Sua posição, portanto, é de que a obrigação de se tornar empresas para obter o benefício não está prevista na lei. "Em outras palavras, o RCE não impõe descontos ao autor da ação: o credor pode optar por aguardar a ordem dos pagamentos previstas na lei, com a atualização do seu crédito pela SELIC, ou conceder desconto para obter prioridade na fila e acelerar o recebimento do seu crédito", completou.
Ouvido pelo blog, o advogado Bichara Abidão Neto, especializado na área esportiva, disse ter entendimento similar ao do senador Portinho. Em um artigo, ele fez críticas ao fato de clubes tenham obtido o benefício de centralizar as dívidas: entende que isso perpetua más gestões.
"Os clubes endividados e historicamente mal administrados vêm requerendo - e, surpreendentemente, obtendo - medidas liminares que lhes concedem os benefícios da Lei da SAF, com o regime centralizado de execuções, sem que se submetam às demais exigências legais de transformação em empresa, governança e tributação. Ou seja, permite-se que estes dediquem 20% de suas hoje parcas receitas para satisfazer, no longo prazo de seis anos, a dívida acumulada.
E não são necessários grandes esforços para que se perceba que um clube que arrecada 60 milhões ao ano e acumula 1 bilhão em dívidas mal pagará os juros que se acumularão nos próximos seis anos com esses 20% de sua receita."
Até o momento a Justiça tem dado ganho de causa para Vasco, Botafogo e Cruzeiro, que ainda não concluiu sua transformação em empresa.