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Donizete completa estudos para virar treinador

Aos 53 anos, quase 20 deles dedicados ao futebol profissional, Donizete Pantera está a procura de um emprego. Não por necessidade nem por vaidade. É que acaba de virar treinador e quer colocar em prática o que sabe.

“Tive uma experiência na base do Vasco por alguns meses. Os pais vinham: ‘Caraca, é o Pantera! Esse era fera, filho’. Isso é algo legal, mas quero construir algo como treinador”, disse Donizete, antes de a entrevista “valer”.

O encontro foi numa terça-feira, 9h, em que o ex-atacante de Botafogo, Vasco, Corinthians, Palmeiras, entre outros clubes, recebeu a equipe da ESPN enquanto fazia uma verdadeira faxina em casa.

De bermuda, vassoura na mão, ele nos recebeu sorridente. Pediu desculpas pela “sujeira” na casa e foi “passar” um café. Nosso propósito era gravar um depoimento do Pantera para o documentário sobre a trajetória de José Carlos Araújo, o Garotinho, para o especial sobre os 100 anos de rádio no Brasil.

Mas Donizete ofereceu mais ao contar ao longo de 40 minutos de papo passagens da própria infância, curiosidades de uma carreira marcada como icônico personagem nos gramados --imitava uma pantera ao comemorar os gols por sugestão do amigo Túlio Maravilha dos tempos de Botafogo -- e também seus incômodos com o futebol.

A experiência que citou na base do Vasco começou no final do ano passado e durou até o início desse ano. A direção ofereceu um estágio para ele fazer um trabalho voltado aos atacantes, mas o projeto não teve sequência.

“Eu me preparei. Fiz curso de treinador, participei de evento esportivo e me formei como treinador lá no Sul, com a mesma formação de Renato Gaúcho, Felipão, mas eu preciso de uma oportunidade. Nego não acredita em você. Acha que você não tem condições para ser um treinador”, disse.

“Não sei o que eles olham, julgam. Eu tive aula com os melhores. Eu jogo bola desde os meus dez anos. É impossível um jogador me enganar dentro de campo. É impossível um jogador me enganar fora de campo. Aquilo que ele foi eu já fui 300 vezes pior [na juventude]. Eu entendo de campo, bola e agora estratégia”, completou.

Benção de Zico

Ao falar com Donizete, é impossível não ouvir nada sobre Volta Redonda. Foi na cidade do sul fluminense que ele e a família, todos naturais de Prado, Minas Gerais, construíram condições adequadas de vida.

O pai do Pantera levou todos para lá ao arrumar um emprego. A vida era simples para a família. Donizete tinha sete irmãs e um irmão, e a história de luta dele mudou quando fez 14 anos.

“Meu pai morreu e eu virei arrimo de família. Em dias de jogos do Volta Redonda, eu vendia biscoito Globo nas arquibancadas. Às vezes me davam um dinheiro a mais porque eu ajudava a recuperar as carteiras que caiam no vão da arquibancada de madeira. Pessoal ia torcer com aqueles shortinhos, aí quando levantava caia carteira”, disse.

São muitas memórias felizes desses tempos, como o futebol de várzea, a alegria da mãe em colocar comida na mesa e uma especial com Zico, ídolo maior do Flamengo e de muitos torcedores em praticamente todo o país.

“Foi um dia de chuva, e o Zico saiu do vestiário visitante do Volta Redonda. Quando vi aquilo, eu não acreditei. Eu falava comigo mesmo: ‘O Zico tá aqui! Meu Deus do céu!’. Eu olhava o corpo dele e pensava: ‘Como ele joga tanto se ele tem a mesma perna que eu tenho, a mesma cabeça?’ E ele jogava demais", disse.

"Quando ele passou por mim, eu só falava ‘Zico você é demais! Você é demais’. Aí ele colocou a mão na minha cabeça e disse: ‘Um dia você vai ser um grande jogador’. Eu senti que estava voando... Corri para casa pra contar pra minha mãe. Ela me pedia calma, enquanto o pessoal do Volta Redonda estava atrás de mim pra cobrar que eu devolvesse os biscoitos, que eu tinha de vender. Foi uma emoção, Zico me deixou voando”, completou.

Ele não sabe se foi um combustível extra ou boa sorte, mas a verdade é que o futebol sorriu de volta para Donizete a partir de então. Ele começou a jogar na base do Volta Redonda entre o final de 1987 e começo de 1988. Poucos jogos depois foi negociado com o São José-SP, onde foi vice-campeão paulista de 1989.

As portas se abriram definitivamente para ele, que rondou o Brasil e o mundo. Só no Botafogo foram três passagens. Defendeu ainda os mexicanos Tecos (onde ganhou o apelido de Pantera) e Tigres, o japonês Verdy Kawasaki, o português Benfica e grandes do país, como Corinthians, Cruzeiro, Vasco e Palmeiras.

“Se eu pudesse escolher um time para voltar a defender seria o Volta Redonda pelo que o clube e a cidade me proporcionaram. Eu cheguei pequeno na cidade e, quando comecei a jogar e a me destacar, já fui vendido. Queria jogar mais por essa cidade que acolheu minha família”, disse.

Desabafo com o Botafogo

Dos grandes clubes brasileiros, a ligação de Donizete é forte com o Vasco, onde foi campeão carioca, do extinto Torneio Rio-São Paulo e da Conmebol Libertadores.

Foi lá que ele disse que recebeu a maior remuneração da vida como atleta, algo em torno de R$ 46 mil mensais. Quantia simbólica na época, mas longe dos milhões atuais do futebol.

A ligação com o Vasco (foram duas passagens) se manteve mesmo após a aposentadoria, em 2016. Ele participa de eventos e lives na Vasco TV com frequência. Teve ainda a experiência já citada na base.

"Eu vou lá e já saio entrando. Nem preciso falar nada. Me acolheram com carinho", disse.

Já com o Botafogo ele diz que esperava um vínculo maior. Em três passagens pelo clube foram 128 jogos e 32 gols, mas, mais importante que isso, está o título do Campeonato Brasileiro de 1995.

Até aquele ano, a equipe da Estrela Solitária só tinha uma conquista nacional, que era a Taça Brasil de 1968, já no final de uma das décadas mais vitoriosas de toda a história do clube.

“Tem foto minha lá, mas eu vou lá e os caras nunca abriram as portas pra eu ver um treino! ‘Não, não pode. Não pode entrar aqui’. Isso me dá uma dor no coração. Eu lutei, coloquei sangue nesse clube. E não pode abrir a porta para eu entrar? Isso dói demais na gente que foi ídolo”, finalizou Donizete.
 

Fonte: ESPN
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