Um time equilibrado, competitivo e eficiente nas bolas paradas. Esse é o Vasco de Doriva, campeão carioca após 12 anos e responsável por levar o técnico a um feito inédito no futebol brasileiro: pela primeira vez na história um técnico conquistou os títulos estaduais de Rio e São Paulo em anos seguidos. Ironicamente, no jogo do título, os vascaínos marcaram duas vezes com a bola rolando, sem a ajuda do lance ensaiado.
Campeão paulista com o Ituano em 2014, o treinador chegou sob o rótulo de aposta e ainda de plano B, depois que durou pouco no Atlético-PR e veio para o Vasco substituindo Marquinhos Santos, que desistiu de vir para o Rio. E fez história. Religioso, sorridente, muito tranquilo, Doriva precisou de cinco meses para conquistar os cruz-maltinos com um jeito particular. Incapaz de falar um palavrão, ele mostrou estilo na beira do campo que mistura "El Loco" Bielsa com o de um agitado ex-boleiro com fé no trabalho. E põe fé nisso.
Observá-lo na final mostrou um pouco do jeitão de Doriva. Aos 16 minutos se agachou a primeira vez para beber água. Abaixado durante boa parte do jogo, Doriva por vezes se ajoelhava, apoiava o corpo no calcanhar, passava as mãos na cabeça e roía as unhas numa visão diferente do gramado. Não é só superstição, muito menos uma inspiração no argentino Bielsa. A posição é resultado de uma hérnia de disco que lhe incomoda e realmente faz lembrar os trejeitos do comandante argentino - atualmente no Olympique de Marseille-FRA.
- Não tenho ritual, apenas a minha fé. Mas a perna começa a formigar por causa da hérnia de disco e tenho que abaixar. Acaba sendo uma estratégia para ver o jogo de outra visão - explica o treinador, que ao longo da final bicou o chão, desviou para um lado e para o outro como se estivesse em campo e aplaudiu mesmo para lamentar o erro final da jogada ensaiada.
Doriva usou bem o tempo de portas fechadas para entrosar Dagoberto numa posição mais recuada. O jogador, que atuou com a 10, foi muito bem na partida final, dando passes, distribuindo o jogo e levantando a bola para Luan, que chegou um pouco atrasado para concluir e finalizar o lance quando a partida ainda estava 0 a 0.
Estilo próprio à parte, Doriva começou 2015 longe dos holofotes. O título paulista lhe rendeu uma chance no Atlético-PR durante o Campeonato Brasileiro. Interferências da diretoria limitaram o trabalho a apenas oito jogos. O desafio da vez era o Botafogo-SP até seu telefone tocar. Hoje, ele poderia estar em preparativos finais pela Série D do Brasileiro. Chegou a ser apresentado, mas acabou deixando o clube antes de estrear. Viu no Vasco a chance de se consolidar de vez na carreira de treinador. Como jogador, trajetória de sucesso. Defendeu grandes clubes do futebol brasileiro (São Paulo e Atlético-MG), jogou em Portugal, Itália, Espanha, Inglaterra e ainda disputou a Copa do Mundo de 1998.
- Deus abriu essa porta para mim. Vim muito confiante e quando se está na mão de Deus vem coisas boas pela frente. Foi uma decisão difícil de ser tomada, porque tinha dado minha palavra ao Botafogo-SP, mas a diretoria do Vasco queria, fez o convite e se comprometeu em restituir o Botaogo, o que aconteceu. Tenho minha conduta e não queria que meu nome fosse veiculado de maneira pejorativa, mas graças a Deus pude vir para o Vasco e logicamente que a projeção é bem maior. Não sabia que ia chegar na final, mas conseguimos conquistar esse título com toda a honra e toda a glória a Deus - afirmou o treinador.
Cobrado logo na chegada pelo presidente do Vasco para armar um time jogando para frente, Doriva apresentou um Vasco equilibrado, com forte poder defensivo (característica do seu Ituano) e que foi encaixando o ataque ao longo do Carioca. Julio dos Santos se entendeu bem com Madson na direita, Gilberto mostrou eficiência com nove gols, Rafael Silva foi o talismã nas decisões e até Dagoberto, mesmo jogando só na reta final, se destacou no papel de armador no último jogo. Tudo isso baseado em um forte trabalho de bolas paradas: dos 35 gols na competição, apenas 11 nasceram de bola rolando.