Havia uma certa melancolia na coletiva de imprensa de Alexandre Campello, nesta terça-feira, em São Januário. Como era até certo ponto esperado, o presidente anunciou que não seria mais candidato à reeleição depois da votação de sábado, suspensa pelo Superior Tribunal de Justiça, e do novo pleito marcado para dia 14, de forma online.
O dirigente aproveitou para fazer um pequeno balanço de sua gestão e deixou claro que espera que, se os sócios vascaínos não conseguiram enxergar méritos na sua gestão a ponto de bancarem sua reeleição, o tempo poderia fazer com que a leitura dos três anos em que esteve à frente do clube se transforme.
De fato, ele merece que uma revisão histórica mude com o passar dos anos a avaliação que é feita de sua gestão. Campello entregará o Vasco ao seu sucessor um pouco melhor do que o recebeu e não reconhecer isso é apenas discurso político ou reflexo do ódio e do extremismo que transbordam boa parte das análises vascaínas.
Campello deixa o Vasco com um centro de treinamento próprio, por mais básico que isso possa parecer na história do clube. Mas é muito. A solução da gestão anterior a dele foi construir um campo anexo de medidas não oficiais que logo se mostrou aquém das necessidades do futebol profissional, tanto que foi deixado de lado pela própria gestão que o construiu. Qualquer projeto de reforma e ampliação de São Januário, tão alardeada por todos os candidatos a substituir Campello, conta com a destruição do campo anexo. Não fará muita falta aos profissionais.
A base e o futebol feminino é que utilizavam mais o espaço, mas também estão de mudança. O Vasco, depois de duas décadas, finalmente caminha para fazer uso do terreno em Duque de Caxias e transformá-lo em um CT para a base.
Quem é oposição a Campello afirma que o Vasco só conseguiu construir o CT do Almirante e a alavancar o programa de sócio-torcedor graças ao engajamento da torcida. Trata-se de uma leitura incompleta do cenário. Houve outros momentos em que o vascaíno se mostrou disposto a abraçar o clube, como quando caiu para a Segunda Divisão pela primeira vez, em 2008. A gestão de Roberto Dinamite, com grande grau de aceitação na época, não conseguiu converter isso em tantos ganhos para o clube. Se isso ocorreu agora, mérito do Vasco atual, em especial de seus profissionais de comunicação e marketing.
Alexandre Campello caminha para deixar o Vasco para seu sucessor com poucas pendências salariais (mais adiante será possível saber com mais clareza se com a geração de recursos novos ou o adiantamento de recebíveis). O dirigente também se comprometeu com fiadores a pagar os empréstimos pendentes. A última parceria assinada com o Mercado Bitcoin, que rendeu R$ 10 milhões ao clube de saída, abre a possibilidade disso. Também ressalta que não pretende deixar contratos que possam prejudicar o sucessor e dá como exemplo a compra dos direitos econômicos de Benítez.
O dirigente sentiu na pele o que foi não ter assumido o Vasco com o mesmo cuidado por parte do antecessor. Assim que virou presidente, além das três folhas de pagamento abertas, descobriu que o futebol sequer tinha dinheiro para viajar e jogar a fase eliminatória da Libertadores de 2018. Além disso, se viu preso a um contrato com o fornecedor de material esportivo em que o clube praticamente pagava para usar Diadora. Sem contar com o patrocínio máster da Lasa, que se mostrou oco e que só deu trabalho ao departamento jurídico vascaíno.
E por que Campello, mesmo com tantos avanços em relação à gestão de Eurico Miranda, não conseguiu se reeleger? Primeiro, porque a reviravolta da eleição de 2017 não foi esquecida por uma boa parcela do associado. Campello rompeu com Julio Brant e teve seus motivos para isso. Mas ter decidido concorrer à presidência do Vasco no Conselho Deliberativo com o apoio de Eurico, se permitindo ser, como foi, uma vitória de Eurico, gerou mágoa de uma parte significativa da torcida que esperava ver o ex-presidente totalmente derrotado.
Mas isso poderia ser superado se o futebol vascaíno desempenhasse um papel melhor nos três anos de gestão. O que se viu, na verdade, foram resultados muito ruins. Esqueça a injusta comparação com o Flamengo, que abriu vantagem financeira e esportiva que demandará do Vasco muito esforço para diminuir. Mesmo se comparado a Fluminense e Botafogo, o time da Colina somou menos pontos nos Brasileiros sob a gestão Campello (111, contra 114 do Alvinegro e 123 do Tricolor).
Há três anos que o time luta para não ser rebaixado e uma posição no meio de tabela já será vista como vitória em 2020. Alexandre Campello destaca, com razão, que a recuperação financeira do clube passa por um período em que pagar dívidas privará o futebol de maiores investimentos, mas com o investimento existente, era possível fazer melhor. Estima-se que Ceará e Fortaleza tenham folha salarial no futebol de R$ 1 milhão a menos. Entretanto, a dupla cearense aparece em 11º e 12º lugar.
Ainda que a falta de recursos pese, o futebol vascaíno na era Campello ficará marcado pela má escolha de treinadores, o que fez com que o Vasco tivesse sete profissionais diferentes de 2018 até agora. Apesar do orgulho que tem em utilizar a base massivamente, é público e notório que a estratégia se deve mais pela falta de recursos para contratações do que por uma abundância irresistível de talentos nas categorias inferiores. O garoto revelado no Vasco muitas vezes é jogado na fogueira, com a responsabilidade de ser a solução dos problemas. Com isso, a promessa, ou explode, ou implode.
O sonho do Campello era ser uma espécie de Eduardo Bandeira de Mello do Vasco: o dirigente que tirou o clube das trevas em termos de gestão para transformá-lo em uma potência financeira e esportiva. É óbvio que três anos não seriam suficientes para isso, mas ele não conseguiu no período convencer o sócio de que seria capaz com outro triênio à frente do clube. Mas o tempo deverá mostrar que o médico ao menos tentou e colheu alguns acertos no meio do caminho.