Ainda não passou um mês desde o dia em que, ainda no vestiário do Estádio Raulino de Oliveira, Gaúcho foi comunicado de que não era mais funcionário do Vasco. Mas o que aconteceu depois da derrota por 2 a 0 para o Nova Iguaçu e nos dias anteriores ainda não foi esquecido. O treinador admite a mágoa e a decepção por ver interrompida sua trajetória como o escolhido para comandar, ao lado de Ricardo Gomes, um grupo formado em meio a muitas dificuldades.
Dificuldades essas que, segundo ele, foram determinantes para a brutal queda de rendimento do time desde a final da Taça Guanabara. Gaúcho afirma que o ambiente criado em São Januário poucos dias antes do clássico contra o Botafogo produziu reflexos que existem até hoje.
Em Porto Alegre, onde descansa ao lado da mãe, Gaúcho conversou por telefone com o GLOBOESPORTE.COM e garantiu que sua relação de amizade com Roberto Dinamite permanece, apesar do episódio, mas avisa que vai buscar seus direitos trabalhistas. As críticas são direcionadas ao diretor executivo René Simões, a quem, entretanto, prefere não citar nominalmente.
GLOBOESPORTE.COM: Por que o desempenho do Vasco caiu tanto desde a final da Taça Guanabara até agora?
GAÚCHO: Nunca falei com os jogadores sobre salário. Sempre carreguei tudo sem comentar essas coisas. Dizia sempre que o mais importante era pensar na oportunidade de defender um clube da grandeza do Vasco. Só que esse atraso no pagamento era um problema diário. Por exemplo, na semana da final contra o Botafogo, surgiu uma notícia de dentro do clube de que apenas o Dedé estava com os salários em dia. Foi difícil contornar aquilo. Além disso, a diretoria prometeu ao pessoal que pagaria alguma coisa antes da decisão, mas não aconteceu. Tudo isso cria um clima ruim internamente. Outra notícia que surgiu foi a de que integrantes de torcidas organizadas queriam conversar com os jogadores na véspera da final. Ricardo Gomes e eu tivemos que nos mexer para evitar aquilo, pois sabíamos que alguns atletas poderiam sentir por não conhecerem a torcida do Vasco. A impressão era a de que pessoas de dentro do Vasco não estavam satisfeitas com os nossos resultados.
Ficou magoado pela forma como deixou o clube que o revelou?
Não tenho dor de nada. Isso faz parte, e o importante é entrar e sair de cabeça erguida. Foi um ciclo que se fechou, então tenho que seguir minha carreira como treinador e entregar ao tempo.
Você foi comunicado da demissão ainda no vestiário após a derrota para o Nova Iguaçu. Ficou decepcionado com essa atitude da diretoria?
Naquele momento fui uma pessoa com muita frieza e consideração com aqueles que estavam perto e não tomei uma atitude mais drástica. A notícia foi dada a mim por uma pessoa que não tem vínculo algum com o Vasco, apesar de ser um profissional. Ele me falou que era uma decisão dele e do presidente.
Essa pessoa é René Simões?
Prefiro não citar nomes.
O que você quer dizer com atitude drástica?
De cabeça quente tudo pode acontecer. Por exemplo, eu poderia infartar e morrer ali no vestiário por falta de habilidade de uma pessoa. Era como se tivessem me dito que um filho meu de 43 anos morreu. Eu poderia infartar, por que não?
E o Ricardo Gomes nessa história?
Essa decisão foi tomada por no máximo três pessoas, mas o Ricardo nunca participaria de algo como isso. Ele é limpo. Se soubesse o que poderia acontecer, falaria na hora que a minha batata estava assando.
Você citou o presidente. Como ficou sua relação com Roberto Dinamite, de quem é amigo há quase 50 anos, após esse episódio?
Nossa relação não vai deixar de existir nunca. Ele pode fazer nada por amizade, tem que pensar no Vasco. Mas sei que não partiu dele. O Roberto poderia dizer sim ou não, e ficou com o sim. É uma página virada, e torço para ele tenha luz para encontrar um caminho, sempre cercado por pessoas de bom caráter e competência.
Vocês chegaram a tratar do fim de seu vínculo com o clube?
Tivemos uma primeira conversa. Estou demitido mesmo, estou fora. Agora vamos ter uma outra reunião para vermos como o Vasco vai me pagar. Eu tinha contrato até dezembro de 2014 e fui mandado embora. Tenho direitos de imagem atrasados desde novembro e dois meses a receber na carteira. Na semana que vem, vou a São Januário com dois advogados para conversar com o Roberto e com o Cristiano Koehler, porque não posso jogar fora o que tenho direito.
Acredita que poderia ter sido realocado de função em vez de ser demitido?
Não, porque seria uma diferença grande em relação ao salário. Mas como funcionário do Vasco eu só perdi dinheiro. Não era mais treinador de base, mas aceitei o convite em 2008 para ajudar o Vasco. Nesse período, sofri prejuízo profissional e financeiro, mas fiz por prazer em ajudar esse clube. Agora vou seguir minha vida.
Em relação às 11 contratações do Vasco no início de 2013, você participou da montagem do elenco?
Em apenas duas oportunidades eu fui consultado e participei. Recebi o DVD do André Ribeiro e analisei ao lado do Ricardo Gomes. Sabíamos que ele precisaria amadurecer, mas aprovamos. Também indiquei o Sandro Silva. Nas outras, fui apenas informado e não opinei. Em alguns momentos, o Ricardo também foi surpreendido. Grande parte dos reforços veio por uma questão de oportunidade em meio ao momento complicado do Vasco.
Quais serão seus próximos passos profissionais?
Estou em Porto Alegre com a minha mãe e fico aqui até segunda-feira. Depois volto ao Rio para tentar resolver minha situação com o Vasco. Mas quero seguir minha caminhada profissional e vou analisar as coisas que já apareceram. Estou a negócio.
O Vasco vai melhorar?
Não gosto muito de falar sobre isso. Só sei que eu era a pessoa mais indicada para conduzir o Vasco. Conheço tudo lá. Por causa de duas ou três pessoas, mexeram numa estrutura que vinha dando certo. O preço ainda está sendo pago, porque o sofrimento continua. Não tem mais o cara que ajudou o clube a sair de momentos de crise nos últimos quatro anos. Agora vão ter que buscar um outro nome.