Claudemir Vitor Marques sonhava seguir os passos de Cafu. Além de vislumbrar futuro promissor na lateral-direita, o então garoto de Mogi Guaçu (cidade do interior de São Paulo) utilizava a persistência do capitão do Penta - que fez nove peneiras até ser aprovado - como referência para vencer na vida. No entanto, Vitor teve uma adolescência nada glamourosa. Diferentemente da maioria dos jogadores de futebol que moram na mesma cidade dos clubes que defendem, o filho da dona Rita Maria da Conceição tinha que conciliar os treinos na Ponte Preta com o trabalho na roça. Dali saia o dinheiro para pagar a passagem até Campinas. Mais que isso, estava em jogo o sustento da família de 7 irmãos.
- Antes de ser o Vitor do São Paulo, campeão do mundo em cima do Barcelona no Japão, trabalhei pesado na roça. Colhia algodão e batata numa fazenda em Mogi Guaçu, minha cidade natal e onde moro no momento depois de rodar o planeta. Apesar de ter sido revelado pelo Tricolor, passei pelas categorias de base da Ponte Preta e do Guarani. E como precisava ajudar no orçamento da minha família, treinava só duas vezes por semana. Nos outros cinco dias, ficava livre da viagem de 1h30m de ônibus, mas tinha que encher balaios de alimentos de acordo com a colheita da vez - revela, aos 36 anos, o ex-camisa 2 de São Paulo, Real Madrid, Corinthians, Cruzeiro, Vasco e Botafogo.
Mil e uma utilidades
Aposentado desde meados do ano passado - quando jogou a Segunda Divisão paulista pelo Inter de Limeira -, Vitor atualmente é professor e coordenador de um projeto social na cidade de Artur Nogueira - a 40 km de Mogi Guaçu. Além disso, o ex-jogador cruza o país disputando amistosos pela seleção brasileira de masters ao lado de Careca, Ronaldão, Andre Cruz & Cia. Não dispensa convites para dar palestras em escolinhas de futebol. E tem como objetivo reencontrar os torcedores que um dia gritaram seu nome, para que o aplaudam de novo só que em outra função.
- Não almejo ser treinador de futebol. Mas acho que posso colaborar como auxiliar. Quando dizem que prefiro bebida e pagode ao futebol, digo que sou casado há 12 anos com a mesma mulher. Ou seja, tenho estrutura familiar para suportar a pressão que é trabalhar nos grandes clubes - afirma.
Currículo recheado de títulos
Tetracampeão da Libertadores (92, 93 -97, 98), bi da Copa do Brasil (95 e 96), bi Paulista (91 e 95) e vencedor do Mundial de clubes pelo São Paulo em 92, Vitor garante que não conseguiu "ganhar tanto dinheiro quanto as pessoas imaginam no futebol". Pelo contrário, passou por dificuldades financeiras assim que deixou o Botafogo em 2000 e nunca mais conseguiu emplacar em um time grande.
- Não dava para manter o padrão de vida que estava acostumado no auge da carreira. Tive que vender apartamentos, carros e uma chácara em Mogi Guaçu. Não podia adivinhar que ia ter uma artrite no joelho esquerdo e todo clube grande que fizesse uma ressonância magnética em mim não iria me contratar por causa disso. Em todo caso, sou orgulhoso de oferecer algumas mordomias aos meus filhos (Patrick, de 11 anos, e Pamela, de 8), embora meu pai, com problemas mentais, não tenha podido sequer me levar aos treinos, na época das categorias de base. Por isso também, costumo dizer que o Telê Santana foi meu paizão no futebol - lembra o ex-lateral-direito, que passou por duas cirurgias no joelho esquerdo (uma delas de reconstrução da cartilagem), mas não conseguiu escapar das dores.
Coração tricolor
Torcedor fervoroso do São Paulo, Vitor faz questão de acompanhar pela televisão todos os jogos do Tricolor Paulista. Apesar da distância de 166 km de Mogi Guaçu para a capital paulista, o coração do ex-jogador anda lado a lado com o clube do Morumbi. Se a contratação de Adriano era questionada quando o atacante saiu do Inter de Milão, Vitor garante que a negociação se transformou em uma surpresa mais do que agradável.
- O Adriano faz diferença no São Paulo. Ele é a referência do time. Demonstra segurança lá na frente e ao mesmo tempo passa confiança para quem está do lado de fora - avalia.
Decisão para ser esquecida
Em mais de 15 anos de carreira, Vitor só lamenta o fato de ter disputado a final do Mundial de Clubes pelo Vasco, em 98, com dores no joelho esquerdo. E por isso acredita que não rendeu o esperado num dos jogos mais importantes da história do Clube da Colina.
- Queria ter vencido aquela decisão contra o Real Madrid. Mas nossa vida não é feita só de vitórias. Dei o máximo de mim no Japão. Fiz tratamento o tempo todo, só que as dores no joelho foram mais fortes do que eu poderia suportar - admite o ex-lateral-direito, que também defendeu o Real Madrid (93). Por ironia do destino, contratado no lugar de seu grande ídolo Cafu.