Futebol

Ex-Vasco, Macula relembra passagem pelo clube e fala da amizade com Edmundo

Você jogou no Vasco de 1991 a 1992 e retornou em 1996. Em 92, inclusive, conquistou a Copa Rio. Quais as lembranças que você tem com essa camisa?

Macula: Foi uma época muito feliz, que eu tinha recém-chegado ao Vasco. Eu disputei o Campeonato Brasileiro pelo Fluminense e você passar para um time grande como o do Vasco...foi através do Vasco que eu comecei essa amizade fantástica com o Bebeto, o próprio Roberto Dinamite e logo depois com o Edmundo. Foi uma passagem excelente. Eu peguei grandes treinadores. Peguei Nelsinho, Lopes...peguei treinadores realmente que me ensinaram muitas coisas. O elenco do Vasco naquela época era muito forte. Tinha um meio-campo que era difícil você entrar, porque você tinha o Geovani, o Flávio, o Bismarck, que estava numa fase muito boa, o William, o França... Então, os jogadores que estavam no Vasco realmente não davam brecha pra gente, que estava na reserva, jogar. Mas eu aprendi muito com a diretoria, principalmente com o Eurico Miranda, que era um cara que, quando eu cheguei no Vasco, tinha até medo dele na época. Que todo mundo falava: “Eurico é fogo, não sei o quê”. E eu tive a felicidade e a honra, talvez por fazer amizade com Bebeto muito cedo, de ser muito bem tratado pelo Eurico e pela diretoria. Mas foi uma passagem fantástica. Fomos campeões da Copa Rio, que o Vasco tinha um elenco muito forte. Tinha o titular que disputava o campeonato e o reserva que era muito forte. Foi muito satisfatório, bom, espetacular e um aprendizado. Tanto é que eu voltei depois, mas aí quando eu voltei em 96, logo em seguida, já fazendo a preparação para o Brasileiro, tive que ir pro México. Fui jogar no Atlante e eu não aproveitei o Brasileiro. Mas muito feliz e satisfeito por essa minha passagem pelo Vasco. Tenho grandes amigos. Tenho uma recordação muito boa do Vasco e um carinho imenso por essa nação. Muito grande.

No Vasco, você iniciou uma grande amizade com Edmundo, chegando ajudá-lo no começo de carreira. No Palmeiras, as coisas se inverteram e foi ele quem o ajudou por lá. Fale pra gente um pouco sobre essa bonita relação do futebol.

Macula: Quando eu cheguei no Vasco, fiz uma amizade muito grande com o Edmundo. Eu era jogador do Pedrinho Vicençote, que era o empresário nosso na época, e ele estava começando a empresariar o Edmundo. Edmundo começou a despontar no juniores do Vasco, começou a ficar esse monstro que foi, fantástico, habilidosissimo, jogadoraço e eu acolhi o Edmundo pra mim. Falei: “esse é o meu parceiro”. Dei chuteira para o Edmundo. Ficava com o meu carro, quando eu estava na concentração. E não tinha só o Edmundo. Tinham outros. Tinha o Alê, tinha uma garotada que eu sempre gostei. Sempre fui um cara muito amigo do pessoal que estava começando. Sempre valorizei muito isso. E o Edmundo ficou um amigo meu de muita coisa. De frequentar casa, da gente se dar bem. E depois, quando a coisa reverteu, que o Edmundo já era o Edmundo, aquele fenômeno, monstro, campeão de tudo, jogador já de nível A, eu fui pro Palmeiras. O que o Edmundo fez por mim no Palmeiras, foi coisa de louco! Na minha chegada, ele foi me pegar no aeroporto. Me levou pra casa dele e me deu todo o suporte. A ponto de chegar uma vez no treino do Palmeiras, eu era recém-contratado e o Edmundo geralmente chegava atrasado, e os jogadores do Palmeiras, todos vestidos de branco no campo já reunidos. E eu como era recém-contratado e estava fazendo exame, quando fui entrar em campo, o Edmundo olhou todo mundo de branco e eu de verde. Aí o que o Edmundo fez? Trocou a camisa da cestinha dele, pegou uma camisa verde e entrou comigo dentro de campo. O Vanderlei chegou e falou: “Edmundo, o material é branco”. Aí o Edmundo: “não, o Macula está de verde. Ele não é contratado do Palmeiras? Não é jogador do Palmeiras? Por que tem que estar diferente dos outros?” Aí, na hora, lá dentro do campo, o Vanderlei mandou chamar o roupeiro e falou: “Chiquinho, por que o Macula está de verde e o Edmundo está de verde? Aí o Chiquinho: “não, Vanderlei, é que não conseguimos marcar a numeração da camisa dele e a camisa branca não tinha chegado ainda”. Vanderlei então falou: “faz o seguinte: o Macula é contratado do Palmeiras. Você vai lá e traz camisa verde pra todo o elenco”. O Edmundo fez os caras mudarem! Mudou todo mundo. Botou camisa verde, tirou a camisa e o Chiquinho foi lá e pegou camisa pra todo mundo e vestiu todo mundo de verde. O Edmundo me apadrinhou. Me botou debaixo do braço e “irmão, contigo, ninguém vai mexer!” 

Após se aposentar, você chegou a trabalhar como corretor de imóveis, mas tinha o sonho de seguir trabalhando no futebol. Tanto que estudou para virar técnico e em 2015 chegou a assumir o comando do Esporte Clube Rio São Paulo tendo Bebeto como um dos maiores incentivadores nesta sua trajetória. Conte para seus próximos planos.

Macula: É verdade. Depois que eu encerrei a minha carreira, eu fui pra Nova Iguaçu trabalhar numa imobiliária de um amigo meu, que me chamou e sabia que eu tinha muita lábia, muito contato. Ele falou: “você dá um bom corretor. Vamos fazer uma experiência?” Nessa brincadeira, fiquei quase 8 anos lá. Foi um aprendizado de vida, totalmente fora do meu ramo. Mas o que eu queria mesmo era voltar ao futebol como treinador. Fiz os cursos, Bebeto fez um curso, me incentivou a fazer o curso. Bebeto falou: “Macula, vamos, segue, segue cara”. E eu era muito amigo do Bebeto, desde a época do Vasco. Bebeto inclusive já tinha uma experiência, que ele foi treinador do América e eu assumi o Rio São Paulo. Fizemos uma campanha até boa. Pela primeira vez como treinador, acho que nós nos destacamos com uma boa campanha na Copa Rio. Fizemos uma boa campanha no campeonato da série B2. Só que é aquilo. Num time pequeno, você faz a primeira temporada, porque você quer investir em você mesmo e depois quando você começa a tirar do seu bolso, fica mais difícil, né? Você começa a pagar passagem, a ajudar os garotos que não tem pra passagem. As vezes o garoto vem de manhã e está cheio de fome. Aí você pega do seu bolso e dá mais um pedaço. Aí o outro geme e dá mais um pedaço. Aí fica difícil. Eu falando com o presidente que não tinha condição. Falei: “quer saber? Vou dar um tempo!” Foi quando eu parei como treinador e o Bebeto veio como deputado estadual, em 2010 mais ou menos. Aí o Bebeto falou: “meu irmão, vem trabalhar comigo”. E até hoje eu tô com o Bebeto trabalhando com ele. Ele está no terceiro mandato e eu tô junto com ele desde essa época. E toda vez que eu falo: “Bebeto, acho que vou seguir minha carreira como treinador”. Ele fala: “não, não, fica aqui do meu lado. Eu quero que você fique aqui do meu lado. Não vai não”. Aí, foi isso. Mas, muito feliz também. Sem problema nenhum. O Bebeto me incentivou em muita coisa e eu no final, acabei trabalhando com ele. 

Você superou uma infância difícil, chegou a ser gandula no Bangu e lavar carros para driblar a pobreza antes de realizar o sonho de se tornar jogador. Pra esse garotada que está começando agora, qual recado que você deixa, baseado em tudo que vivenciou até aqui.

Macula: Eu fiz, inclusive, uma palestra sobre essa situação. Muitos jogadores passaram dificuldades no começo da carreira. Eu falo por mim, que fui gandula, lavador de carro e ajudante de roupeiro. Eu fui nascido e criado dentro do Bangu. Toda a minha infância e adolescência, a minha educação foi feita pelo Bangu. Poderia ir pro caminho errado e, graças a Deus como estava muito focado que queria ser jogador de futebol, então eu tive grandes conselheiros, grandes jogadores, como Mário, o próprio Arturzinho, Cláudio Adão, Márcio Rossini, o Marinho. Essas pessoas sempre me apoiaram pra eu ir pro caminho do bem e pra ser jogador. O que acontece com essa garotada hoje de 13, 14 ou 15 anos, é que esses moleques muito novos já tem empresário, assessor de imprensa, tem isso ou tem aquilo. Os moleques vão com 15, 16 ou 17 anos pra fora do país e já estão ganhando tipo 50 mil dólares, 100 mil dólares...Por isso, que eu falo: se você parar pra acompanhar, se pegar nosso Sub 15 ou Sub-20, a gente não ganha mais nada, porque os moleques não tem mais aquela motivação. Porque o moleque está fora do país, os que não jogam fora do país, jogam nos clubes grandes e ganham tipo 60 mil. Um moleque de 15 anos ganhando 50 mil ou 60 mil. Pra mim não existe isso. Os moleques não passam perrengue. Eles já chegam com 14 anos, o pai vai lá bota não sei o quê, o empresário vai lá compra, o clube, por causa dessa nova Lei Pelé, pra não deixar o moleque sair,dá um salário pro moleque, dá um apartamento na Barra, dá isso, dá aquilo e você perde a noção da dificuldade que o moleque tem que passar. Tem moleque de 14 anos, que não fez nem trabalho de base. Moleque joga no time, já foi pra seleção, da seleção foi vendido e já tá prometido, igual a esse moleque do Botafogo. Moleque novinho, já é uma promessa, já vale milhões, então o moleque perde a noção do que é você seguir etapa por etapa. Mas os moleques não são os culpados. Os culpados são as pessoas que assessoram eles. O moleque perde a etapa de jogar um campeonato de junior, de jogar um campeonato de juvenil, de estar no dia a dia, de conviver no clube. Um moleque hoje de 14 anos ou de 15 anos, que se destaca, não tem identidade com o clube, porque o moleque vai embora. O moleque não tem noção o que que é você passar por etapas, disputar um campeonato de junior, de juvenil, aquele sufoco que é, não tem água, o material é ruim, você recebe pouco, pega um ônibus, pega o trem, essa coisa que você lá na frente, fala: “caramba, lutei muito pra chegar aqui”. Hoje tem moleque aí que não luta nada. Moleque de 14 anos , tem uma qualidade boa, empresário vai lá compra, vai na casa da mãe e já dá uma casa na Barra pra ela, já dá um trabalho pro pai, dá um salário de 30 mil ao moleque, aí o moleque se perde. Eu digo moleque se perde, ele perde a noção dos valores que ele tem que dar pra ser esse cara. Um jogador de futebol de 15 anos. 15 anos ganhando salário de 50 mil? É muito dinheiro. O pai já mora na Barra e o moleque já perde a noção. Quem garante que esse moleque quando tiver com 17 anos, vai ser esse grande jogador? Aí o moleque pulou etapa. Essa é a dificuldade que eu acho. Tem que começar devagar. O moleque tem que ter prazer de ir pra seleção. Hoje eu vejo um moleque sub-15, sub-17 ou sub-20, ninguém tem prazer mais de jogar na seleção. Não tem aquele tesão. Perdeu, perdeu. Normal. Os moleques não se motivam! Eu acompanhei o Mundial do Sub-20 e os moleques todos da Europa. A maioria deles ganhando salários enormes, de Nike e os moleques: “ah, perdemos. Não classificamos pro Mundial”. Sabe, os caras acham normal! Você não vê ambição, não vê tesão nesses moleques. “Cheguei na Seleção, aqui que vou ser o cara”. Não, não vejo! Não tem mais. É isso que me chateia um pouco.

Fonte: Marcus Jacobson - Detetives vascaínos
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