O ex-zagueiro Jean Elias já perdeu as contas de quantas vezes ouviu essa frase nos últimos 14 anos:
- Esse é o cara que quebrou o Pedrinho.
Seja ao chegar em uma pelada ou ao ser reconhecido por algum torcedor, a lembrança que se tem dele é sempre do trágico episódio que mudou sua carreira. No dia 6 de setembro de 1998, no Estádio de São Januário, o jogo entre Vasco e Cruzeiro transcorria normalmente, quando o meia Pedrinho, ao tentar arrancar com a bola, recebeu um carrinho do defensor (veja o vídeo do lance ao lado). Ele jura ter tocado a bola, mas o então menino-prodígio vascaíno, que havia acabado de ser convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira e se apresentaria dois dias aós o jogo, rompeu o ligamento cruzado do joelho direito no lance.
Para piorar, o canhotinho jamais conseguiu jogar no mesmo nível depois que retornou da lesão. A partir daquele momento, Jean Elias entrava para o rol dos \"jogadores maldosos\" do futebol. Rótulo, aliás, do qual jamais conseguiria se livrar até o fim da carreira.
Lá se foi mais de uma década e, acredite, em todo esse tempo os dois jogadores nunca se falaram. Não foi por falta de oportunidade. Os dois chegaram a se enfrentar no início dos anos 2000. No entanto, o ex-zagueiro explica o porquê de nunca ter conversado com o meia depois do lance. Segundo o capixaba, que classificou a jogada como um acidente de trabalho, em todos os encontros com Pedrinho dentro de campo ficou constrangido em pedir desculpas ao meia.
- Eu joguei contra ele em um América Mineiro x Palmeiras e depois em um Bahia x Vasco. Não falei com ele, oportunidade eu tive, mas não tive cara de ir pedir desculpa, fiquei com vergonha. Vou falar o quê? O cara ia para a Seleção. Até comentei com o Odvan já em algumas peladas em que o encontrei: \"Pô, o Pedrinho não foi para a Seleção.\" Depois ele não foi mais, vivia um grande momento, é complicado - afirmou, por telefone.
Surpreso com vergonha de Jean, Pedrinho perdoa o zagueiro
Ao tomar conhecimento do constrangimento de Jean Elias, Pedrinho se surpreendeu. Uma surpresa boa, diga-se de passagem. Surgiu para quebrar de vez qualquer imagem ruim que o meia possa ter feito do jogador aós o lance. Com um sorriso tímido no rosto, que deixava transparecer a satisfação em saber da história mesmo tanto tempo depois, o canhotinho, hoje no Olaria, time do subúrbio carioca, relembrou um dos momentos contra o ex-jogador e até imaginou um encontro entre os dois.
- Eu lembro de um jogo quando eu estava no Palmeiras, ele pelo América Mineiro, e nos cruzamos no campo. Esperava que ele falasse comigo. Tanto que fiquei olhando para ele. Mas passou batido. Achei até estranho, e pensei: \"Pô, será que esse cara é ruim?...\". Acabei pensando uma coisa errada sobre ele, mas não sabia que tinha vergonha. Acho que não tem que ter vergonha, se tivermos a oportunidade de nos encontrarmos vai ser bem tranquilo. É lógico: existe uma emoção toda vez que se toca nesse assunto porque muitas coisas aconteceram por causa desse acidente, então pode haver uma emoção da minha parte, ou da parte dele. É natural. Mas mágoa, não ficou nenhuma - garantiu.
E este encontro, 14 anos depois, pode estar mais perto de acontecer do que se imagina. Jean Elias confessou. O dia de espantar a timidez e, enfim, conversar com o meia Pedrinho, está chegando. Para isso, conta até com a ajuda de um bom meia do passado para fazer a ligação.
- Até o Sérgio Manoel (meia campeão brasileiro pelo Botafogo em 1995) me passou o e-mail dele. Mas pedi o telefone, que ele ainda não me deu. Ainda vou falar com o Pedrinho - revelou.
Rótulos pesados permanecem até hoje
Depois do \"acidente de trabalho\" com Pedrinho, o simples fato de entrar em campo para jogar a sequência do Campeonato Brasileiro de 1998 pela Raposa foi um sacrifício para Jean Elias. Ele contou que as consequências do lance começaram já no próprio jogo. Toda vez que pegava na bola no decorrer da partida, ouvia a torcida do Vasco se manifestar em tom raivoso das arquibancadas: \"É esse, é esse.\"
No fim daquele ano, o ex-defensor deixou o Cruzeiro e se transferiu para o Bahia em busca de novos ares. Ficou por três anos na Boa Terra e depois passou por diversos clubes brasileiros, entre eles Avaí e América-MG, até se aposentar, em 2006, no Estrela do Norte, de Cachoeiro de Itapemirim, Sul do Espírito Santo. Porém, em nenhum dos lugares por onde esteve foi \"perdoado\". Com tristeza, Jean Elias se recorda de como era recebido em cada lugar que chegava para jogar.
- Em todo lugar que eu ia jogar me chamavam de assassino. Fiquei famoso, mas como um jogador maldoso. Até hoje, quando vou atuar no amador, os caras dizem: \"Esse foi o cara que quebrou o Pedrinho.\" Vou ter de carregar isso para a vida toda. Qualquer pelada que eu vá, falam disso.
Nem mesmo os amigos deixam o ex-zagueiro esquecer do fato.
- Esses dias mesmo eu estava na praia, meu amigo foi me apresentar e falou: \"Esse é o Jean, que quebrou o Pedrinho.\" Não adianta brigar, a gente vai levando - explicou.
Jean Elias admite que recordação ainda o perturba
Mais de uma década depois, o peso de ser apontado como o responsável por ter prejudicado a carreira de uma das principais promessas do futebol brasileiro no fim da década de 1990 ainda chateia Jean Elias. Sempre que se pega pensando no lance, confessa não conseguir compreender como Pedrinho se lesionou de maneira tão grave no lance.
- Eu já vi e revi aquele lance várias vezes pela TV, e até hoje não consigo entender como ele quebrou a perna. Eu toquei na bola, não consigo entender. Na hora que fui no lance, cheguei um pouco forte, mas na bola. Quando
o vi no chão, até falei com o Sorato (atacante que jogava no Vasco na época): \"Acho que ele se machucou, sim.\" Mas tenho a consciência tranquila de que não fui para machucar - afirmou.
Pedrinho entende as dores de seu algoz.
- É ruim ouvir certas coisas. Eu também ouvi bastante por conta das lesões, com relação ao meu estado físico, e imagino que tenha sido bastante difícil para ele ouvir as coisas que ouviu. Mas o importante é ele estar tranquilo com sua consciência, como estou com a minha. Porque a nossa própria consciência é o maior juiz que existe - explicou.
Ex-zagueiro conta o drama da mulher e \"perseguição vascaína\"
Por muitos anos e pelos vários clubes que passou aós o lance com Pedrinho, Jean Elias sofreu com as duras críticas . No entanto, não era só o ex-zagueiro que ficava perturbado com o que ouvia. Sem poder ir ao estádio em todos os jogos, Adriana, sua esposa, acompanhava as partidas pelo rádio ou pela TV e \"enlouquecia\" com o que era dito nas transmissões sobre o seu marido.
- Ela ficava doida em casa. O pessoal metia o pau mesmo, dizendo que eu era maldoso e outras coisas - recordou.
Jean Elias usa comparação com outro lance polêmico que ocasionou séria lesão no joelho de um grande jogador brasileiro.
- Mas meu lance não foi igual ao do Márcio Nunes no Zico, por exemplo. Você vê que ele foi para pegar o Zico, eu não - explicou, referindo-se ao famoso lance no qual o Galinho teve seu joelho arrebentado aós falta desleal do zagueiro no empate por 0 a 0 entre Flamengo e Bangu, no ano de 1985.
Aposentado do futebol há cinco anos, Jean Elias voltou para sua terra, Alegre, interior do Espírito Santo. Segundo ele, vive tranquilo com seus três filhos (Beatriz, de 7 anos, Lucas, de 2 anos, e Isabela, de 9 meses) e a esposa Adriana, com tempo para administrar alguns imóveis que tem em Vitória, capital capixaba. Porém, admitiu que essa paz acaba quando torcedores cruz-maltinos o reconhecem pelas ruas.
- Hoje fica mais fácil. Eu estou aqui só cuidando das crianças. Por aqui vivo tranquilo. Só quando encontro os vascaínos que aí eles vêm com essa história. Fico triste, mas sei que não fui para machucar - finalizou.