Uma série de fatores gerou a oportunidade. Certamente, uma delas, foi o empenho durante os quase três meses que os jogadores permaneceram em casa. Ciente que estava atrás dos demais, por ter demorado a renovar e iniciado os treinos somente em fevereiro, Fellipe correu atrás. Ao lado de Castan, treinou pesado durante a quarentena, se apresentou melhor fisicamente do que a média do elenco e recuperou o tempo perdido no início do ano.
Pesa contra, no entanto, a falta de ritmo de jogo. Já são mais de seis meses desde o último jogo, em dezembro, contra a Chapecoense, pelo Brasileiro de 2019. Inatividade que faz Fellipe se sentir “como um menino estreando no profissional”.
Em bate papo com GloboEsporte.com, Fellipe Bastos falou sobre o longo período de inatividade, exaltou o início de trabalho de Ramon, elogiou outras “caras novas”, como Bruno César e Benítez, admitiu viver uma relação de amor e ódio com o torcedor, mas quer reverter isso. Disse repetidas vezes: quer construir uma nova história do Vasco.
Você não joga há mais de seis meses. Como é para um profissional ficar tanto tempo sem entrar em campo. E a ansiedade para voltar a jogar?
O último jogo foi contra a Chape (dezembro). É difícil, momento complicado que vivemos na humanidade. Ainda teve aquele imbróglio na renovação. Fiz minha pré-temporada sozinho, e quando voltei teve a paralisação. Comentei com Bruno César que estamos há muito tempo sem jogar. Estamos ansiosos. Sabemos que essa volta será muito importante para nós. Estou realmente muito ansioso, como um menino estreando no profissional. Vejo como uma grande oportunidade.
Você citou o Bruno César, que vive uma situação semelhante. As circunstâncias são diferentes, mas ele também não joga há muito tempo e vem sendo testado pelo Ramon.
Ele está muito animado. É um cara que vai nos ajudar muito, pela experiência e qualidade. Sabemos que o Vasco tem carências, e uma delas é na posição do Bruno. Ele está muito consciente do que pode fazer e vai nos ajudar muito nesse ano.
Conversamos muito. Eu não estava afastado, mas vivi quase a mesma coisa que ele. Não jogamos muito no ano passado. Estamos vendo esse ano como uma grande oportunidade de mudar nossa história dentro do clube.
Nota: Bruno César estava afastado desde janeiro, renovou durante a quarentena, foi reintegrado e também deve ser titular contra o Macaé.
Por conta da demora na renovação, você começou depois a pré-temporada. Chegou a ser relacionado, mas não foi aproveitado pelo Abel. Claro que as circunstâncias não foram ideais, mas essa parada e a volta aos treinos vêm sendo uma espécie de pré-temporada para você. Como se sente fisicamente?
É lógico que não queríamos parar, mas foi muito importante para mim. Eu praticamente não parei. Durante esses três meses, trabalhei todos os dias de segunda a sábado, empenhado, tentando melhorar a parte física. Sabia que estava atrás de todo mundo por não ter jogado nesse ano. É claro que faltam algumas coisas, como ritmo de jogo, ritmo de treinamento com a equipe. Mas tentei igualar o treinamento em casa. Fui para campo, consegui um campo que só eu e Castan conseguíamos treinar. Isso foi importante.
A competitividade com Castan também fez com que eu melhorasse o meu nível e fez com que eu voltasse em um nível que o Ramon (Menezes) pudesse me aproveitar logo de cara. Me cuidei muito para não contrair Covid-19 e ficar 15 dias sem treinar. Criei essa oportunidade. Foi muito importante essa parada para que eu melhorasse a minha parte física e voltasse melhor do que quando voltei no início do ano.
Você falou do Castan. Pelas redes sociais acompanhamos que vocês treinaram muito juntos, não se desgrudaram. Onde foi esse treinamento?
Treinávamos na areia na casa dele, ele tem uma caixa de areia. Na minha casa treinávamos no campo. Diversificamos o treinamento, seguindo a planilha que o Vasco deixou, com ajuda do meu preparador físico particular (Marlon Muniz) e do meu fisioterapeuta (Marcelo Coutinho, o Rato).
Eles fizeram um trabalho em conjunto com o Vasco e fizeram com que eu e Castan voltássemos em um nível acima, até porque nem todos jogadores tinham esse espaço para treinar. O Ramon nos elogiou bastante pela nossa parte física, fomos um dos melhores nos testes realizados. Foi muito importante.
E como é essa competitividade com Castan?
(Risos). Treinamos muito juntos. O atleta tem muito disso, eu e Castan temos essa competitividade muito aflorada, e ninguém quer perder para o outro nem no videogame. Isso elevou o nível dos treinos. Fazíamos confrontos um contra um. E pegar um zagueiro renomado, um cara muito forte, como é o nosso capitão, fez com que elevasse meu nível. O Castan me ajudou muito e, consequentemente, eu o ajudei. Voltamos em um nível muito bom. Não paramos durante a quarentena.
Esse trabalho foi importante para você ganhar espaço no time?
Sim. Além disso, alguns jogadores não puderam treinar por causa do Covid-19. Ganhei a oportunidade, mas é lógico que tenho que mostrar dentro de campo que sou capaz e consigo. Voltei bem fisicamente, e estamos trabalhando bem com Ramon a parte técnica e a parte tática. Isso tem me deixado muito tranquilo e tem me dado muita confiança
Você não chegou a jogar, mas trabalhou com Abel. Como avalia o início de trabalho da comissão do Ramon? O que mudou?
São estilos diferentes. O Ramon é da nova geração do futebol, aprendemos muito com ele. É um cara que está conosco desde o ano passado, muito dedicado, muito inteligente. Ele passa com clareza aquilo que quer de nós em campo. Dentro do treinamento conseguimos vislumbrar o que temos que fazer no jogo.
Estamos controlando mais o jogo, ficamos mais com a bola, temos mais posse, conseguimos atrair o adversário para contra-atacar. Esperamos levar isso para os jogos para buscarmos vitórias e títulos. Isso que queremos e será importante. Quero construir uma nova história no Vasco. O Ramon também, agora como treinador.
Você falou em construir uma nova história dentro do Vasco. Você tem mais de 160 jogos pelo clube, está em sua terceira passagem e, ao lado do Ramon (lateral), é dos poucos do atual elenco que participaram do último título nacional do Vasco. O atual time sofreu muito no início do ano. Acha que tem potencial para brigar por grandes conquistas?
Tem. Vejo muito trabalho nesse time. O time de 2011 (campeão da Copa do Brasil) tinha muita qualidade técnica. No atual vejo muito trabalho e dedicação. Sabemos de nossas limitações, o que é importante.
Queremos marcar nosso nome na história, queremos títulos. Sabemos da dificuldade que será o Brasileiro, ainda mais nesse ano, por conta do calendário. Mas temos condições de fazer boas campanhas na Sul-Americana, na Copa do Brasil. Se vamos ganhar o título ou não, eu não sei. Ainda precisamos trabalhar muito. O time de 2011 era muito bom tecnicamente e era competitivo. Atualmente, sabemos de nossas limitações, mas também somos muito competitivos.
Vejo com bons olhos essa molecada que está chegando, como Talles e Vinícius. Tem o Cano que está com muita vontade, tem Benítez, Bruno César querendo marcar sua história. Marcos Júnior, Andrey, o Castan quer muito ganhar um título no Vasco. Para ele é muito importante levantar uma taça, e ele merece muito. São jogadores com vontade, que querem marcar história no clube e mudar a história do Vasco nos últimos anos.
O clima na volta aos treinos está melhor? Vasco e Abel sofriam muita pressão antes da paralisação.
Essa parada foi benéfica para nós. Estudamos muito o que fizemos errado no início do ano. Sabemos que precisamos melhorar muito. Foi uma surpresa, mas aproveitamos esse tempo com Ramon. Ele fez um trabalho de vídeo posição por posição, com zagueiros, meias, volantes... Explicou o que queria.
Já voltamos sabendo o que precisávamos fazer para melhorar. Agora queremos confirmar isso nos jogos. Os treinos têm sido muito bons e sentimos a diferença. Sabemos o que precisamos fazer. Os treinos com Abel também eram muito bons, mas não conseguimos levar isso para os jogos.
Como você vê sua relação com a torcida? Quando renovou, vimos reações positivas, mas também houve rejeição.
Sempre falo do meu caso de amor e ódio com a torcida. Ou o torcedor me ama muito ou não gosta de mim. Isso é normal, a gente mexe com paixão. O torcedor espera o Fellipe Bastos de 2011 e cobra isso de mim. É o que eu quero também.
No ano passado joguei pouco e não mostrei muito. Fica aquela desconfiança. O que posso falar é que estou trabalhando forte e me dedicando muito. Eu quero fazer uma história nova no clube. Aqui, já ganhei títulos, já perdi, já joguei mal, já joguei bem. Mas quero uma nova história. Quero que o torcedor veja um novo Fellipe, até porque já não tenho mais cabelo (risos). Um Fellipe de 30 anos, mas experiente e mais consciente em campo.
Você passou por vários clubes no Brasil, na Europa, no futebol árabe, mas já são três passagens pelo Vasco. É o clube com que tem maior identificação?
Com certeza. É um clube que está no meu coração, foi onde conquistei meu primeiro título nacional. Foi o clube que me abriu as portas e me deu visibilidade. Tenho muito carinho pelo Vasco. O Vasco tem um papel muito importante na minha carreira e pretendo fazer uma nova história, com títulos, no clube que amo.
O torcedor do Vasco está muito curioso para ver o Benítez, que pouco jogou antes da paralisação. O argentino joga bola mesmo?
Joga muito. É um verdadeiro argentino, esconde a bola. Vai nos ajudar muito. Precisamos de todos e de jogadores com muita qualidade como Benítez, Cano, Bruno César e jogam mais perto do gol, como Talles, Vinícius e Lucas Santos.
O Benítez tem algo diferente, ele segura muito a bola, esconde a bola, coloca o atacante na condição de fazer gols. Ele tem se mostrado diferenciado nos treinamentos.
Ele tem treinado mais aberto pela direita do ataque ou mais centralizado?
Se eu der o time o Ramon vai brigar comigo (risos). Ele tem diversificado, tem jogado por dentro e por fora. É um cara de muita movimentação. É um argentino, esconde a bola. Joguei contra o Riquelme e ao lado do Aimar, no Benfica. O estilo do Benítez parece muito com eles. É difícil tirar a bola dele. É um argentino de sangue quente.
Durante a quarentena você foi notícia algumas vezes por conta de suas doações. Teve uma senhora que o sensibilizou em uma reportagem no Fantástico, além alimentos doados para comunidades.
É uma coisa que eu faço sempre, gosto de ajudar. Sou nascido e criado em um lugar onde nos ajudamos. Precisávamos disso para sobreviver. Carreguei isso na minha vida. Hoje eu tenho uma condição melhor e não deixo de ajudar os meus amigos, que moram na Penha, onde algumas pessoas necessitam mais.
É algo que faço de coração e não quero me vangloriar. Se todos fizessem, o mundo estaria muito melhor. Doei 12 toneladas de alimentos durante a pandemia, e é algo que me faz muito bem. Fico muito feliz por ter ajudado.