O zagueiro Fernando foi contratado há um mês pelo Vasco para resolver os problemas no setor defensivo da equipe comandada pelo técnico Tita. Em pouco tempo, o jogador conquistou os companheiros e membros da comissão técnica. Alguns que já conhecia desde os tempos em que iniciou no futebol.
Sempre atencioso, o atleta, que está em Teresópolis com a delegação cruzmaltina, atendeu o GLOBOESPORTE.COM para um bate-papo no hotel onde o grupo está hospedado, na Região Serrana do Rio de Janeiro.
Na conversa, Fernando lembrou a infância e a perda de entes queridos, como a mãe e o irmão (Alessandro), que foi jogador do próprio Vasco, mas teve um envolvimento com drogas. Os percalços da vida fizeram o jogador amadurecer mais cedo do que o normal. Na entrevista, o zagueiro diz que as organizadas do Flamengo não gostavam do seu estilo, fala de sua provável estréia na partida de domingo, contra o Náutico , em São Januário, e de sua liderança natural e ascendência sobre um grupo de jogadores, como ocorria na Gávea. Abaixo, a íntegra do bate-papo com o atleta cruzmaltino.
GLOBOESPORTE.COM: Você tem uma história de vida com algumas dificuldades, principalmente por algumas coisas que aconteceram com a sua família. Você poderia falar um pouco da sua trajetória no início da carreira?
FERNANDO: Tive irmãos por parte de mãe, éramos cinco, contando comigo. Tive um irmão que jogou futebol, oito anos mais velho do que eu, e jogou no próprio Vasco no juvenil e nos juniores. Ele não continuou por envolvimento com drogas. Hoje, ele não está nem mais entre nós, e foi aí que começou a minha vida no futebol, comecei a jogar em uma escolinha lá em Bangu. Até que a minha mãe me levou para fazer um teste no Flamengo, passei e fiquei. Nesse tempo que eu fiquei lá, muitas coisas aconteceram na minha vida. Perdi a minha mãe, o meu pai eu já tinha perdido há muito tempo. E o futebol me deu um suporte psicológico e financeiro, até porque nos clubes existiam psicólogos. Quando a minha mãe morreu, eu tinha 17 anos, a gente quer fazer loucuras, não quer ir... Eu tinha um mundial juvenil para jogar pela seleção brasileira e eu não queria ir. O próprio Emílio (Faro), que hoje é preparador físico nosso aqui (no Vasco), conversou comigo por muitas vezes e disse que eu tinha que ir. Acabei sendo campeão do mundo, e de lá para cá, Deus não faz nada sem pensar no amanhã. Minha mãe foi embora, mas eu estava preparado para viver, preparado para dar continuidade na minha carreira, para não seguir os passos dos meus irmãos, algumas coisas ruins aconteceram, e Graças a Deus eu consegui ser um vitorioso, nem digo profissionalmente e financeiramente, mas na vida consegui ser vitorioso e isso graças a minha mãe e a Deus.
E quais pessoas foram fundamentais para que você continuasse atuando?
O Emílio (Faro) era preparador físico do infantil do Flamengo, ou do juvenil, não me recordo. Eu já era juvenil. Sempre tive um contato muito estreito com o Emílio. Ele gosta de mim e eu gosto dele, a gente se conhece há algum tempo. Me recordo porque conversamos sobre isso aqui (na Granja). A própria Maria Helena, que é psicóloga do Vasco, me ajudou muito na seleção, a gente conversou bastante. É uma pessoa que eu não tenho um contato constante, mas estreito. E várias outras pessoas, meus irmãos da parte do meu pai, pessoas que me cercavam. Fico muito feliz por ter conhecido, me infiltrado nesse meio de pessoas positivas que conseguiram me ajudar na minha trajetória.
A morte da sua mãe e do seu irmão acabaram te transformando em um paizão para os seus outros irmãos?
Sempre fui o caçula. Da parte do meu pai, os meus irmãos são mais velhos, são resolvidos financeiramente. Eles têm as suas famílias e nunca precisariam de mim financeiramente para nada, entendeu? Da parte da minha mãe, eu sempre procuro ajudar. Mas, a vida na minha casa sempre foi eu, a minha mãe e esse meu irmão, que jogou no Vasco, e conhece algumas pessoas que lá estão. Éramos mais nós três, porque os outros eram mais velhos também e já tinham as suas vidas. A nossa família em si, eram só nós três mesmo, e eu perdi os dois.
E a sua ida para o Vasco? Você tem recordações dos tempos em que freqüentava o clube com o seu irmão?
Claro que sim. O próprio Pimentel, que jogou no Vasco por muitos anos, foi amigo do meu irmão até depois dele ter saído do Vasco. Os primeiros jogos que eu fui ver de futebol foram do Vasco, o meu irmão jogava, torcia. Até me dar vontade de jogar. O meu irmão era atacante e eu comecei no futebol no Flamengo de atacante. Até o treinador que trabalhava com o Emílio, o Itamar, me colocou de zagueiro no final de 95. É uma coisa tão... Eu sou um cara tão iluminado, foi uma coisa tão rápida que no final de 96 eu já estava convocado para a seleção brasileira. E foi isso. Resumindo, foi isso. Fiquei um cara muito forte, a vida me fez ser um cara muito forte, consciente dos meus objetivos, do que eu quero. Às vezes até muito singular porque tive que ser assim uma parte da minha vida. Mas hoje eu tenho a minha família, tenho os meus filhos e a minha esposa, e tenho o futebol, que é a minha alegria.
Essa sua liderança surgiu por causa de todos os problemas que você passou no início?
Uma faixa de capitão não te dá a liderança, você nasce com isso. Não sei se eu nasci com isso ou se isso foi implantado em mim a partir das dificuldades que eu passei. Até porque nenhuma das dificuldades que eu passei vieram sozinhas, veio uma dificuldade grande, mas depois uma coisa muito boa. Não que uma coisa substitua a outra, não estou dizendo isso. São coisas que te alegram, que te completam. Você pode sentir falta de algo, mas uma coisa que você queria muito aparece. Não que você vai esquecer o que te falta, até hoje eu não esqueço, mas você sabe que tudo o que aquela pessoa fez por você não foi em vão. Você vai aprendendo, e eu muito novo tive que aprender coisas que as pessoas aprendem quando estão mais velhas. Isso me tornou um cara mais experiente. A personalidade acabou vindo com isso. Sou um cara que até me prejudico um pouco com isso, sou um cara que não tenho que fazer média com ninguém. Tenho que tratar bem quem eu gosto e retribuir o tratamento que as pessoas me dão. Não vou tratar bem a pessoa que me trata mal. Sou um cara que é querido por todos, estou sorrindo para todos, para os mais novos e para os mais velhos. Estou aqui há um mês e todo mundo gosta de mim, tenho um bom relacionamento com todos, com os da minha posição, com os de outra posição, com os mais novos. Dou até liberdade para as brincadeiras, acho que tem que ter, a gente vive junto muito tempo, e tem que ter essa liberdade para brincar, de colocar um apelido. Estou muito feliz aqui. Falei uma coisa na minha apresentação que as pessoas esquecem. Vou tentar fazer aqui a minha melhor história no futebol. Isso não é da boca para fora e não é média com a torcida porque eu nunca fiz. A torcida do Flamengo nunca gostou de mim, nunca fui querido pelas organizadas. O povo sempre me admirou, mas a organizada nunca gostou de mim. Não sou perfeito. O jogador tem a obrigação de acertar por ser profissional, mas o direito de errar por ser um ser humano.
Poucos sabem então, mas você tinha uma ligação com o Vasco antes mesmo de jogar no Flamengo, não é?
Nem chamaria de ligação. Chamaria de início até porque eu era muito jovem. Lembro mais porque eu tenho um quadro lá em casa do meu irmão, de oitenta e alguma coisa. Tem a Maria Helena, o Pimentel, alguns jogadores que tiveram contato com o meu irmão até depois de sua saída e o envolvimento dele nesse meio ruim. Combinei com a Maria Helena dela levar fotos, e eu levar o quadro. A gente relembrar um pouco essa coisa, que é boa, e relembrar do meu irmão de uma forma positiva, não só lembrar daquela forma ruim como aconteceu tudo. Eu queria que ele estivesse aqui agora conosco, mas eu tenho certeza que isso não aconteceu em vão.
Você está ansioso para a sua estréia com a camisa do Vasco? O que espera do torcedor vascaíno?
Eu espero conseguir jogar bem, mas é muito difícil. Tem três meses ou mais que eu não jogo uma partida inteira, a adaptação ao campo, todo mundo já joga ali há muito tempo. Eu ainda preciso me adaptar um pouco, conhecer melhor os companheiros. Minha vontade é grande, mas sei que vai ser muito difícil. A recepção da torcida, alguns dizem que não importa, mas é bom você ser apoiado, sentir motivação de fora. Mas a gente precisa estar preparado também para se não vier fazer o mesmo trabalho, manter a qualidade da mesma forma. Não quero fazer prognósticos, dizer que vou fazer isso, vão dizer isso. Quero estar preparado, esperar a opinião do treinador, até porque existem outros jogadores preparados da posição. Se eu jogar, vou tentar fazer o meu melhor. Vou deixar para pensar se vão apoiar, aplaudir ou xingar para o dia, e não ficar me martirizando por isso.