Futebol

Gesto de Cano no último domingo reforça identificação e encanta rivais

A noite de domingo já se encaminhava para o seu fim quando Vasco e Brusque jogavam pela 7ª rodada da Série B, em São Januário. Os cruz-maltinos vestiam camisa especial, com a tradicional faixa diagonal tingida com as cores do arco-íris, parte da campanha do clube contra o preconceito e pelos direitos LGBTQIAP+, assunto do dia durante a tarde.

Naquele momento, a atenção dos vascaínos se voltava para mais um jogo difícil em um início irregular na Segundona. Foi então que Germán Cano mostrou porque tem lugar especial no coração dos cruz-maltinos: abriu o placar no seu melhor estilo oportunista e balançou a bandeirinha de escanteio, nas cores do arco-íris, em comemoração icônica.

As fotos de Cano com a bandeirinha rodaram a internet, chegaram às páginas de jornais estrangeiros e extrapolaram o público do futebol. Em meio a um tema cercado de polêmicas no futebol brasileiro, o argentino deu de ombros ao erguer o símbolo e posicionar-se para além do goleador em campo. Ontem, trocou sua foto no Twitter para uma colorizada nos tons do arco-íris e republicou artes e fotos retratando o momento em que balançava a bandeira.

“Vem jogar no meu time, Cano”, pediam torcedores das mais variadas agremiações nas respostas às postagens do atacante.

Cruz-maltinos, em especial aqueles pertencentes aos grupos representados nos LGBTQIAP+, emocionavam-se com a atitude e sentiam-se representados. “Obrigada por literalmente levantar uma bandeira dentro de São Januário, a nossa casa”, dizia uma torcedora que se identificava como bissexual.

— O que o Cano fez em São Januário talvez tenha sido o maior gesto já feito por um atleta no futebol brasileiro nos últimos tempos. Isso está na altura do que o LeBron James fez na NBA, do que o Kaepernick fez na NFL — avalia Bruno Maia, especialista em inovação e novos negócios no esporte e ex-vice-presidente de marketing do Vasco, referindo-se aos gestos de repúdio ao racismo nas ligas americanas.

Até mesmo rivais parabenizavam a atitude do atacante. “Sou flamenguista, mas parabéns pela atitude e pela coragem de fazer isso em um país tão homofóbico. Por mais jogadores como você”, escreveu um rubro-negro.

— O gesto dele com a bandeira levantada é importante em várias camadas. Ele entendeu a mensagem do time. O Germán Cano tem noção de para qual time ele se dedica. Ele vestiu a camisa do Vasco em todos os sentidos. É um time desbravador que sempre lutou contra todos os tipos de preconceitos — diz a cantora e compositora vascaína Teresa Cristina.

Conexão especial

Em um futebol tão competitivo e por vezes exacerbado no eixo da emoção, conquistar o respeito e admiração de adversários e rivais é um fato raro. Especialmente quando se trata de um atacante que já marcou pelo menos uma vez em cada clássico carioca, além de ter feito diversas “vítimas” na elite do futebol brasileiro. Cano conseguiu, e a conexão especial com os cruz-maltinos, constituída bem antes do episódio de domingo, explica esse fenômeno.

— O Cano é ídolo pessoal há bastante tempo. Não é de agora que ele vem carregando esse time nas costas. O que faz dele ser tão especial é aliviar o meu sofrimento. Ultimamente, torcer pelo Vasco é um sofrimento. E ele ajuda a aliviar esse sentimento. A importância de tê-lo no time é saber que, em algum momento, ele pode decidir. Ele pode acabar com a nossa angústia — diz Teresa Cristina.

São 35 gols em 70 jogos com a camisa do Vasco, desde o ano passado. O desempenho em campo se alia à fidelidade do artilheiro ao Vasco. O jogador e sua equipe sempre fizeram questão de reforçar a vontade de permanecer em São Januário, mesmo com a queda à Série B. Dirigentes que já sondaram uma possível contratação se surpreenderam com a postura de Cano.

— O Cano não quis sair do Vasco. Fizemos uma sondagem, pois avaliamos que ele se encaixaria dentro do nosso sistema de jogo, além de um profissional exemplar. Ótimo jogador, resolve o jogo num toque só, muito ligado. Nas conversas que tivemos com o clube, era inegociável, pois era uma peça importante dentro do processo de reconstrução do Vasco — diz Marcelo Paz, presidente do Fortaleza.

Muito identificado com o clube, o argentino se engaja em campanhas sociais e apoia as ideias do Vasco, o que não foi diferente neste domingo. No fim do mês passado, distribuiu cestas básicas e atendeu torcedores com simpatia no Morro do Tuiuti, na Zona Norte do Rio. As atitudes, o carisma e os gols são retribuídos com mensagens como “Faça o L imediatamente”, brincadeira dos torcedores nas redes sociais para homenagear o gestual do atacante nas comemorações de gols, em homenagem ao filho Lorenzo.

— Ele entendeu o espírito do Vasco. A resposta histórica, a luta para que operários e negros pudessem jogar futebol, ele teve sensibilidade para fazer uma comemoração histórica. A luta do clube contra o racismo, preconceito e qualquer tipo de discriminação. Está a caminho de ser ídolo do Vasco. Quando ele tiver a torcida no estádio, São Januário cheio, ele continuar fazendo gol e turbinado com o que ele fez com a bandeirinha, vai ser ídolo — diz Lédio Carmona, jornalista e comentarista do Grupo Globo.

Desde que chegou, Cano só atuou dez vezes em frente aos torcedores no Brasil, antes que a presença de público fosse suspensa pela pandemia da Covid-19. Em São Januário, foram apenas quatro oportunidades.Uma conexão que transpassa a proximidade física.

Fonte: Agência O Globo
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