Futebol

Gesto do Vasco em causa LGBTQIA+ atrai atenção internacional

Em meio às postagens comemorativas das equipes brasileiras, Vasco chama a atenção ao lançar manifesto contra a LGBTfobia, enquanto Premier League incentiva inclusão de forma contínua. 

Ao longo dos últimos 30 dias, dezenas de clubes brasileiros utilizaram as redes sociais - e a rodada do Campeonato Brasileiro - para homenagear o Mês do Orgulho LGBTQIA+. Foram desde postagens comemorativas, até parcerias com ONGs e leilão de camisas personalizadas em apoio à causa. Mas o que os clubes fazem para ir além do marketing?

É diante deste cenário que o manifesto lançado pelo Vasco, contra a homofobia e a transfobia no esporte brasileiro, representa um gesto histórico. Afinal, indica, enfim, uma postura de compromisso com a luta pela diversidade de forma estrutural - e não apenas de forma isolada.

O futebol inglês, por exemplo, tornou-se referência neste aspecto e inspirou um estudo comparativo com o Brasil em relação à diversidade no esporte. É o que explica o cientista político e autor do trabalho, Egerton Neto - também coordenador da Área Internacional da Aliança Nacional LGBTI.

Ele faz um levantamento de casos, cita exemplos e mostra a diferença nas ações realizadas por clubes - e instituições - em ambos os países.

"No Brasil, há um foco muito grande no marketing. Enquanto na Inglaterra existe uma preocupação diária e permanente de entender a diversidade não como algo da comunicação, mas como pressuposto ético para que as pessoas se sintam acolhidas, e também para boa gestão."

A Premier League instituiu o "Padrão de Igualdade, Diversidade e Inclusão da Premier League": a PLEDIS. Ela cria um modelo de estrutura interna e avalia os clubes entre os níveis Preliminar, Intermediário e Avançado em relação à inclusão. Os critérios levam em conta uma série de aspectos, como gênero, religião, etnia e orientação sexual.

- É uma parametrização das ações, e uma estrutura de incentivo para que os clubes se movam. Porque há interesse, não só como pressuposto moral e ético. Do ponto de vista mercadológico e financeiro, a diversidade tende a gerar melhores resultados - explica Egerton.

Empresas preocupadas com diversidade têm lucros entre 5% e 20% maiores que as concorrentes, segundo a Organização Internacional do Trabalho.

Sob o incentivo da Liga, o Liverpool criou o programa "Red Together". Assim, promove diversidade na contratação dos funcionários, treinamentos contínuos e centrais de denúncia para casos de discriminação.

Mas os exemplos não estão restritos à Europa. Até porque o próprio continente ainda vive problemas recentes, como o caso em que a UEFA rejeitou o pedido da cidade de Munique para iluminar a Allianz Arena com as cores da diversidade.

No Brasil, o Bahia destacou-se ao criar o Núcleo de Ações Afirmativas para promover a inclusão de forma estrutural. Além de que, na última segunda-feira, anunciou a venda de camisas da Torcida LGBTricolor - e diz que reverterá o lucro para o projeto Canarinhos Arco-Íris.

Os uniformes também foram a aposta de Flamengo e Fluminense. As equipes utilizaram as peças em homenagem ao Dia do Orgulho LGBTQIA+ e prometeram doar a renda arrecadada para instituições de apoio à causa. Só que, neste caso, as ações não preveem uma atuação contínua dentro dos clubes.

É neste ponto que o gesto do Vasco se difere. Muito além do uniforme, e da imagem de Germán Cano levantando a bandeira do arco-íris, o Cruz-Maltino declara um compromisso permanente com a inclusão. Ainda que o texto do manifesto careça de mais detalhes sobre como isso será feito, afirma Egerton.

- O que considerei mais importante foi o manifesto. O conteúdo é meio aberto, não falam propostas específicas, mas estão convidando outros clubes e instituições ao combate. Isso sugere que estão chegando nesse momento de amadurecimento e que a LGBTfobia vai ser combatida de forma estrutural e não pontual.

A ideia de um combate contínuo existe para que os clubes se tornem de fato espaços inclusivos e acolhedores para todos.

Egerton Neto, por exemplo, muito além de cientista político, é também torcedor do Sport. Ativista enquanto LGBTQIA+, ele chegou a deixar de frequentar a Ilha do Retiro e só voltou ao estádio dois anos atrás, quando o clube se posicionou a favor da causa nas redes sociais. Mas o que mostrava inclusão naquela época, agora não é mais o suficiente.

- O tweet foi representativo para mim, mas depois eu continuei ouvindo gritos homofóbicos. Se fosse com um companheiro, teria medo de estar ali e de ser atacado. São coisas que só mudanças estruturais são capazes de reduzir.

No último mês, com a promessa de intensificar o trabalho pela inclusão, o Sport anunciou uma parceria contínua para projetos, divulgação e apoio, com o Instituto Boa Vista - uma ONG de pautas LGBTQIA +.

Ao mesmo tempo, no entanto, o clube está há quase dois meses sem definir o futuro do conselheiro Flávio Koury, que gravou áudios de conteúdo homofóbico sobre o ex-BBB e torcedor do Leão, Gil do Vigor.

O caso aconteceu no dia 14 de maio. Desde então, o Conselho Deliberativo formou uma comissão de ética para apurar a história e protocolou o pedido de expulsão do conselheiro, mas não houve mais avanços até o momento.

Do ponto de vista da análise, Egerton opta por separar a postura do Conselho - com o caso de Koury - e a da Diretoria - que promove as ações divulgadas. Mas, no final das contas, a diferença entre o que o Sport promete e o que entrega existe justamente por conta da falta de inclusão de forma estrutural.

- A diretoria é mais dinâmica, traz agora as instituições para dentro do clube. Enquanto o Conselho é complexo de se mudar. Mas qual a composição? Qual a idade dos conselheiros? Quantas mulheres são representadas? Tudo depende de mudanças de estatuto, processo educativo, composição de staff.

Atualmente, o Sport tem 150 membros titulares no Conselho Deliberativo. Duas são mulheres: Maria de Fátima de Morais e Maria Tereza Aureliano.

“Se mudanças estruturais não acontecem, casos como os de Flávio Koury acontecem.”

Fonte: Globo Esporte
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