O que há de tão sobrenatural na história de um Clube covardemente apunhalado pela guerra política, mas salvo pelas mãos previdentes da grandeza?
O que há de tão extraordinário na imaginação coletiva de uma torcida que a torna capaz de manter viva uma paixão tão dolorosamente castigada pela ação de homens de verdade e de mentira?
O que há de tão escandalosamente memorável na heráldica de um escudo cujas curvas e traçados parecem domesticar corajosamente as linhas impiedosas da história?
Digo-lhes o que há.
Antes de ter sua grandeza quase mortalmente alvejada pelos disparos da política, o sócio há de se lembrar de que é feito o Vasco. Antes que o mais infeliz jornalista escreva sobre nossa morte, a torcida há de se recordar de que fez o Vasco no passado; há de vencer o que desfaz no presente; e há de garantir que haja um futuro.
Pois não faltam pessoas querendo-lhes na palma da mão: o Vasco e sua consciência. Essa guerra seria mais fácil se os inimigos estivessem todos entricheirados no front oposto, mas não estão. Muitos apunhalam de dentro, rasgando a carne que reveste o avesso das colunas de São Januário. Outros castigam de fora, cuspindo-lhe tantas e inconvenientes verdades que tudo parecerá encerrado.
Mas não é o fim.
Dirão que o Vasco não vence mais como no passado. Dirão que o Vasco não produz mais tantos talentos. Dirão que o Vasco não paga mais gente. Dirão que falta-lhe água, luz e o que for...
Dirão muitas coisas, mas não lhe tirarão nada, pois é justamente quando tudo se acaba que o Vasco vence. É quando tudo se acaba que tiramos força da torcida para, uma vez mais, reerguer nossa pesada Cruz.
Vencemos quando tentaram nos tirar a brasilidade.
Vencemos quando tentaram nos tirar a grandeza.
Vencemos quando tentaram nos tirar a coragem.
E vamos vencer porque hoje nos querem subtrair a história.
Em sites e jornais, há um exército de detratores sedentos de uma revisão que chamarão de crítica, mas que é apenas vergonha ressentida. Orgulham-se de um passado cosmético, frio e sem cor; de uma história contada nos escritórios pálidos de uma emissora engajada; de umas conquistas inglórias assinaladas no golaço de um apito amigo e cúmplice.
Na tentativa de reescrever um mundo sem o Vasco, lançam mão de outros sujeitos, até que percebem-se sem predicados. Acham nossa história complexa demais; nossa Cruz pesada demais; nossas conquistas difíceis demais.
Ocorre que essa é a lição mais simples desta Carta; simples demais para ser aprendida por quem não é Vasco.
Não haveria Rio sem o Vasco e sua Cruz de Malta; não haveria Pelé sem o Vasco e sua Carta Histórica; nem democracia sem o Vasco dos negros e operários; ou futebol sem Barbosa e Romário; caldeirão sem São Januário; nem Brasis bem felizes norte-e-sul, norte-e-sul.
A mensagem desta Carta é bastante clara: o Vasco prevalecerá, mas saibam que não há solução que não passe pelos sócios; não há diálogo numa mesa sem torcida; não há projeto enquanto houver heróis; e não haverá Vasco se não houver resgate.
Para muito além da retomada financeira e esportiva, o Vasco precisa mesmo é de um reencontro consigo. Deixar de ser acossado pelo mundo e reaprender a movê-lo. Deixar de aprender com o futebol e voltar a ensiná-lo.
Contra tudo, contra todos e, ocasionalmente, contra nós mesmos.
Ainda que plantem aqui os piores políticos, ou que colham lá as maiores mentiras, o Vasco vencerá! Muito mais que o compromisso solitário de um grupo político, esse precisa ser o propósito permanente de todo sócio.
Não deixemos que o Vasco adorne as prateleiras empoeiradas da história. É hora de içar velas e navegar! Coragem!
O Vasco precisa de menos cizânia e mais cordialidade, na mesma medida em que precisamos de menos Lagoa e mais São Cristóvão. Os caminhos da política precisam se voltar novamente para Zona Norte, sentir de novo a benção arrebatadora de São Januário.
A torcida recorda o batismo insistentemente para que nunca o esqueçamos; uns até o equilibram sobre o pescoço na unidade de duas letras e uma única sílaba: Fé! E não haverá unidade enquanto não houver fé! Podemos, devemos e vamos mudar; reordenar a rota e acertar o timão no curso certo da história, com independência e respeito.
Que este ano seja lembrado pelas conquistas pequenas, mas tremendas!, proporcionadas pelo voto; e em 2020, que morra o velho novo-Vasco, para que em 2021 possa renascer o novo velho-Vasco!
Saudações Vascaínas.