Num momento em que o presente não ajuda, a torcida vascaína pode recorrer ao passado glorioso para criar esperanças na busca pelo acesso à Série A e inspiração de olho no próximo duelo, contra o Guarani, na quinta-feira, às 19h, em Campinas.
A maior goleada do confronto foi conquistada há 20 anos: o Vasco fez 7 a 1 em show de Romário, que iniciava uma queda de braço com Luiz Felipe Scolari, então técnico da Seleção.
Embora o Vasco ainda dispusesse de outros jogadores estrelados como Helton, Gilberto, Jorginho, Juninho Paulista e Euller, o clube também convivia com a cobrança da torcida. Meses antes da goleada sobre o Bugre, perdera a decisão do estadual para o Flamengo e foi eliminado da Libertadores pelo Boca Juniores com duas derrotas (1 a 0 e 3 a 0). Isso depois de fazer uma primeira fase irretocável na competição continental.
Quatro dias antes de Vasco x Guarani - disputado num domingo à tarde, 5 de agosto de 2001- Felipão anunciou a lista dos convocados para o duelo com o Paraguai. Nela, constavam os nomes de Marcelinho Paraíba e Élber, mas o de Romário não. À época, a seleção brasileira estava num preocupante quarto lugar nas eliminatórias da Copa de 2002. Oficialmente, o treinador justificou da seguinte forma a ausência do Baixinho:
- É uma questão de momento. Agora eu acho que esses jogadores convocados estão em melhores condições físicas e técnicas do que ele - disse Felipão à Folha de S. Paulo.
A verdade é que Scolari estava na bronca com Romário porque o craque pedira para não disputar a Copa América alegando que seria submetido a uma cirurgia nos olhos - só foi fazê-la em 24 de agosto, um mês após o término da competição sul-americana. Não se sabia na ocasião, mas a história do Baixinho com a Amarelinha chegava ao fim.
Fim de jejum e show contra o Bugre
Versões oficiais à parte, fato é que o Baixinho precisava dar uma resposta a Felipão. Afinal, vivia um jejum incomum na carreira. Não marcava em jogos oficiais desde 9 de maio de 2001 - o último havia sido anotado na vitória por 3 a 1 sobre o Deportes Concepción-CHI -, quase três meses antes da partida contra o Guarani.
Neste intervalo, no início de julho, fez dois gols em amistosos disputados durante excursão ao México contra os locais León (3 a 1) e Tigres (2 a 2), um em cada jogo. A ida ao país e uma passada por Cancún durante momento em que se recuperava de lesão também gerou discórdia. Além disso, nos dois primeiros compromissos oficiais pós-viagem, passou em branco e jogou mal nos empates contra Boca Juniors (2 a 2), pela Mercosul, e Gama (0 a 0), na estreia vascaína no Brasileiro 2001.
Enfim, o Baixinho estava pressionado. E pressão era com ele mesmo. Em 20 minutos, dos 16 aos 36 do primeiro tempo, fez quatro gols. Dois de pênalti e outros dois de primeira. Some-se a isso que deu um passe de letra para Juninho sofrer uma das penalidades que converteu.
Terminado o jogo, como a queda de braço com Felipão ainda estava no começo, o Baixinho não abriu fogo contra o treinador da Seleção. Até admitiu que estava aquém de suas condições físicas ideais, mas a modéstia passou longe quando abordou a questão técnica.
- Para mim, continuo sendo o melhor no que faço. Fisicamente não estou em condições ideais, mas tenho de respeitar a decisão. Cada um vê o futebol de um ângulo diferente.
Apesar da marra habitual, Romário evitou atrito com Felipão e mostrou-se confiante de que logo voltaria às convocações caso melhorasse fisicamente.
- Não tem isso de resposta. Hoje a Seleção tem um comando, e o comandante acha que os outros estão melhores do que eu. Agora tenho que recuperar a forma para voltar à Seleção. Sem mágoa, sem tristeza, sem nada. Tenho certeza de que vou voltar à Seleção contra a Argentina e estou trabalhando para isso. Se estiver melhor fisicamente, estou certo de que o treinador me chamará.
Em busca do gol 800 e pressão de Bebeto em Felipão
Romário ainda estava longe dos 1002 gols com os quais encerrou a carreira em 2007, mas se aproximava da marca dos 800. Com os quatro gols contra o Guarani, chegava a 795.
- Ainda vivo de fazer gols e estou sempre sob pressão. Quando passo um jogo sem marcar, a cobrança aparece. Tomara que estes cinco gols venham o mais rapidamente possível e, acima de tudo, sejam importantes para conduzir o Vasco às vitórias.
O gol 800 veio dois meses depois, em 6 de outubro de 2001. A marca foi atingida quando Romário fez o primeiro dos três marcados na goleada por 5 a 1 sobre o Flamengo. Naquele Brasileiro, o Baixinho ainda registrou outros dois hat-tricks, contra Cruzeiro (3 a 0) e São Paulo (7 a 1).
Na goleada sobre o Bugre, quem marcou presença na Social de São Januário foi Bebeto, parceiro histórico de Romário na dupla que conquistou o tetra pela Seleção em 1994. O baiano, à época aos 37 anos, havia sido apresentado como novo reforço do Vasco um dia antes do show do Baixinho.
E Bebeto tratou de colocar jogar pressão sobre os ombros de Felipão após os quatro gols de Romário.
- O Felipão já deve estar triste de não ter levado o Romário para a Seleção. Estou certo de que ele vai pensar direito e verá que o Romário é imprescindível. Ele é fundamental para o Brasil chegar à Copa do Mundo. Quando a chance aparece, ele não desperdiça - afirmou Bebeto.
Final da briga: Romário é artilheiro do Brasileiro, mas fica fora do penta
Felipão não quis engolir Romário e se deu bem, já que a seleção conquistou o penta um ano depois. Em 2001, porém, também não dá para dizer que o craque ficou por baixo. Com 21 gols, terminou como artilheiro do Brasileiro.
Em 6 de maio de 2002, quando anunciou os convocados sem Romário, Felipão confirmou que o pedido do Baixinho para não jogar a Copa América teve influência na lista final.
O craque, porém, não aceitou os argumentos do ex-comandado, que acabara de se tornar um eterno desafeto. Três dias após a convocação, em coletiva no Vasco-Barra, soltou o verbo.
- Tenho a consciência limpa pois sei o que combinei com ele, e ele também sabe. Um dia, a verdade vai aparecer. Ele sabe muito o que eu, ele e o Murtosa conversamos no quarto do hotel da seleção. Meu pedido foi para ficar no Vasco jogando e fazendo uma pré-temporada mais forte, já que eu vinha de uma lesão na batata da perna. Eu tive apenas dez dias para me recuperar, estava mal fisicamente e não tinha rendido contra o Uruguai tudo o que eu poderia.
O jogo contra o Uruguai ao qual Romário se referiu, derrota da seleção brasileira por 1 a 0 em 1º de julho de 2001, foi o último dele com a Amarelinha em partidas oficiais.