A diferença entre o Vasco da Gama do Rio de Janeiro e o do Acre é mais do que os cerca de quatro mil quilômetros que separam os dois estados. Longe da mídia e do eixo milionário do futebol nacional, o time acreano tenta se reerguer. Três vezes campeã estadual (1965, 1999 e 2001), a equipe começa a campanha para voltar à elite do futebol local apostando em jogadores que lutam para ganhar a vida também fora dos gramados. No elenco, que conta com 20 atletas, tem mecânico, motoboy, vigilante e até um reforço da França.
A rotina é a mesma há pouco mais de um mês. Todos os dias, de segunda à sexta-feira, às 16h, lá estão os guerreiros vascaínos, no campo conhecido por Fazendinha, localizado no bairro do Bosque, em Rio Branco. A estrutura do clube é longe do que deveria ser e precária. O vestiário é um local sem ventilação, com troféus antigos e desorganizados, caixas e armários velhos. Uma realidade do futebol mais \"pobre\".
O acreano Marlon Cristian, 21 anos, trabalha como mecânico até às 15h30. Depois disso, ele se dirige ao treino e se dedica para buscar espaço no time titular. O jovem já atuou no profissional, em 2010, quando defendeu as cores do São Francisco. De lá pra cá, jogou apenas em partidas no tradicional Campeonato de Férias, competição amadora da capital.
- Já trabalho há quatro anos na oficina, que é do meu pai. Tenho que ajudar no sustento da família e não dá de sobreviver só do futebol. Aqui no Acre o cara tem que ser jogador, mas precisa ter outra profissão - disse o lateral-esquerdo, que é chamado de Ganso pelos colegas do time, referência ao meio-campo do São Paulo, Paulo Henrique Ganso.
Quem também está de olho em uma vaga entre os titulares é o atacante Lelão. Lembra dele? Lelão, que nasceu em Viçosa, interior de Minas Gerais, atua no futebol acreano há três anos. Ele chegou para vestir a camisa da Adesg, do município de Senador Guiomard. Passou por Atlético-AC e Juventus. Para se sustentar, o centroavante trabalha como motoboy em uma farmácia de Rio Branco, de 8h às 16h. Agora tem a missão de ser o artilheiro do Vasco e levar o time de volta à primeira divisão.
Mecânico, motoboy, vigilante... Não são apenas jogadores com dupla jornada de trabalho que compõem o elenco cruz-maltino. O clube tem um reforço de fora. Não só do estado, mas de fora do Brasil. Trata-se do zagueiro francês Batista Coupard, 28 anos, que nasceu em Normandia. Ele se mudou para o Acre há mês com a namorada, que é da terra de Chico Mendes. Chegou a fazer teste no Rio Branco, que disputa o Brasileiro da Série C, mas não conseguiu se firmar no time e foi convidado pelo Vasco para disputar a Segundona.
Com visto para permanecer no Brasil até setembro, ele ainda não conseguiu a liberação para firmar contrato como jogador e tem a chance de atuar no futebol canarinho ameaçada pela falta de documentação. O \"xerife\" francês atuava em times semi-profissionais do país de origem e da Espanha.
- Lá uma equipe semi-profissional chega a ser até melhor que alguns times profissionais daqui. Um time como o Rio Branco não é profissional lá. Eu jogava e trabalhava como vendedor na França. Aqui estou tentando jogar e ajudo meu sogro em um bar. Apesar das dificuldades em conseguir os documentos, quero ficar aqui e entrar em campo - comentou.
Apagar o passado recente
Depois do último título estadual, em 2001, o Vasco da Gama do Acre foi esquecido. Abandonado. Administrações que não conseguiram manter o clube levaram o time à falência. Para apagar o passado recente, o desportista Wendel Sampaio, o Pixilinga, assumiu a presidência do clube em eleição realizada em junho deste ano.
Sem apoio do Governo do Estado para disputar a Segundona, o dirigente explicou que o clube vai manter o elenco de 20 jogadores com contratos. A solução: ajuda de torcedores assíduos e empresários locais.
\"Decadência total\"
Para voltar à brigar pelos principais títulos do futebol acreano, o Vasco tem como técnico o experiente e irreverente Illimani Suares, 61 anos. O ex-goleiro do Independência e do Rio Branco, que nasceu no município de Brasiléia, fronteira com a Bolívia, tem um histórico respeitável. Trabalhou durante 30 anos no Estrelão - 16 como jogador e 14 como coordenador da categoria de base. Suares não se conforma com os \"rumos\" que o esporte toma no estado.
- O futebol do Acre hoje está em decadência total. Falta seriedade aos dirigentes e às pessoas envolvidas. Tem gente que só entra no meio para ganhar dinheiro. Para você trabalhar com futebol precisa ter duas coisas: gostar e administrar. Essa é a fórmula para conseguir algo - detalhou.