O calendário do futebol brasileiro nunca deu refresco aos clubes, mas a temporada de 2022 promete ser ainda mais puxada. Com a Copa do Mundo do Catar no horizonte, os times terão de correr para encerrar o ano no início de novembro.
Com jogo atrás de jogo, tempo para treinar e se recuperar será raro. O Vasco, por exemplo, projeta que em pelo menos cinco meses em 2022 fará oito jogos em 30 dias. Em um ano que não tem o direito de falhar, o clube trata a pré-temporada como definidora para deixar o elenco equilibrado e preparado fisicamente para a maratona. Paralelamente ao trabalho de campo de Zé Ricardo, o foco em janeiro tem sido a saúde dos atletas.
O início é animador. Aparentemente a maioria do elenco se cuidou nas férias, não exagerou no período de festas e se reapresentou em forma, o que queima etapas da preparação. Apesar de ter montado um elenco praticamente novo, todos os reforços foram bem avaliados fisicamente, em primeiro momento. Entre eles, Raniel. O atacante, que conviveu com problemas físicos no Santos e fez apenas 19 jogos em 2021 - a maioria deles entrando no segundo tempo - surpreendeu.
- Logo quando o Raniel chegou, foi ele que nos procurou. Disse que precisava conversar conosco, passar o histórico. Muito legal. Além do programa de grupo, temos programas individualizados de força. E um dos primeiros que passamos foi para o Raniel. Ele cumpre à risca todos os dias, até quando não é para fazer - disse ele, e completou:
"(Raniel) Tem sido surpreendente. Tem tudo para ter uma temporada de reconquista na carreira dele".
O ge conversou com quatro integrantes do Departamento de Saúde e Performance (DESP) do Vasco. O diretor-médico Gustavo Caldeira, o preparador físico Daniel Felix, o coordenador científico Marcos Cézar e o fisioterapeuta Alexandre Barbosa. Eles detalharam os processos realizados na pré-temporada e elogiaram as condições físicas e a saúde do elenco. Entre outras coisas, também responderam sobre jogadores específicos, como Nenê, Raniel e Sarrafiore.
Confira a entrevista completa:
ge: Carlos Brazil e Zé Ricardo falaram em algumas oportunidades sobre a importância de ter um elenco com saúde na Série B. Qual é a importância da pré-temporada nesse processo?
Gustavo Caldeira (diretor-médico): Começamos a montar essa pré-temporada no início de dezembro. Entendemos que ela é definidora para o ano todo. A gente faz exames para o entendimento do perfil do atleta para sabermos até onde podemos chegar com um determinado atleta.
Dividimos o elenco em grupos de oito, com avaliações clinicas, cardiológicas, ortopédicas, da fisioterapia, de força e avaliação nutricional, com a composição corporal de cada atleta. É importante dizer que, no ano passado, criamos processos para que tudo fosse muito bem alinhado. Hoje temos processo para tudo. O atleta sabe cada processo desde o momento em que ele entra no clube. Fomos muito britânicos na questão de processos e dados. Todo mundo conhece a realidade do Vasco hoje, a dificuldade que é. E combatemos essas dificuldades com organização.
Esse processo também vale na avaliação de contratações?
Caldeira: Temos um processo. Temos um questionário para contratação de atletas. Cada questionário gera um score que vai determinar o nível de risco em relação à contratação de um determinado atleta. O Carlos Brazil conversa bastante conosco e avalia o nível de risco de cada contratação. E tudo é verticalizado no Vasco, acontece o mesmo na base.
Mas vocês chegaram a vetar ou não recomendar a contratação de algum jogador nesta janela?
Caldeira: A gente participa diretamente das contratações. Não chegamos a vetar ou não recomendar nenhuma contratação. O pessoal chegou bem.
Como foram as primeiras semanas de treino?
Daniel Felix (preparador físico): Está sendo muito bom. Essa questão de foco na parte física mudou um pouco. A pré-temporada vem mudando. Eu venho de uma época em que a primeira semana era apenas física, e alguns treinadores tinham por praxe nem encostar na bola. Com o tempo, a preparação física foi sendo direcionada com conceitos ainda mais técnicos.
Hoje, o preparador físico precisa entender a manipulação da carga através dos jogos. Ou seja, quando mais você tiver o conteúdo que o treinador precisa inserir em suas atividades, mais rapidamente você terá os ganhos. Você desenvolve ao mesmo tempo a parte física, tática e técnica. A comissão técnica que está aqui se alinha muito bem com esses conceitos. Tanto o Zé Ricardo quanto o Cléber Santos, que são caras que conheço há muitos anos, e principalmente o Fábio Eiras, que é o preparador físico que está junto com o Zé, trabalham dessa forma.
Mário Cezar (coordenador científico): Hoje o atleta tem uma consciência muito maior do que significa o período de férias. Até porque uma pré-temporada de 15, 20 dias é muito curta pensando em um calendário extenso e denso que temos no Brasil. Teremos períodos de oito jogos em 30 dias. Então, no geral, os atletas se reapresentam bem. Alguns muito próximo do que consideramos ideal. Quando eles se apresentam, a gente faz toda uma avaliação da composição corporal para entender o cenário geral do grupo. E posso dizer que o grupo se apresentou praticamente dentro daquilo que consideramos ideal para esse período. Não tivemos nenhum atleta que nos preocupou.
Geralmente, no final da temporada, orientamos os atletas. E hoje em dia eles são muito profissionais. Sabem que precisam de um período de 10 dias para desconectar do futebol e descansar. A partir daí eles começam a trabalhar com personal. Isso facilita no momento da reapresentação. O trabalho flui de uma maneira melhor. Queimamos algumas etapas, que no passado a gente sofria um pouco porque os atletas não tinham essa consciência.
A reapresentação do elenco coincidiu com o aumento do número de casos de Covid. O Vasco teve quase dez casos entre os atletas. Como equilibrar o elenco fisicamente nesse cenário?
Daniel Felix: Está sendo um desafio no sentido de equalizar com o pessoal que estava voltando após ter Covid. Com um protocolo que tivemos que ajustar novamente, junto aos médicos. A pré-temporada é sempre um desafio, especialmente nesse momento de pandemia, em que precisamos ter muito cuidado com a saúde de todos.
Caldeira: É possível falar que, nessa cepa, os sintomas são muito mais brandos. Se eu chutasse um percentual, diria que são 70% mais brandos. Os atletas têm tido menos sintomas. Os órgãos responsáveis anteciparam um pouco o retorno, e a gente fez da mesma forma, seguindo o CDC. Os atletas sintomáticos retornam com sete dias. Os assintomáticos voltam com cinco dias. E dentro do clube respeitamos um protocolo para minimizar riscos de sequelas.
O Vasco, entre os grandes, foi o primeiro a se reapresentar. O clube larga na frente na questão física?
Daniel: Larga na frente na preparação como um todo. Isso não quer dizer que estaremos melhores fisicamente do que os outros nas primeiras rodadas. A gente não sabe qual é a realidade dos outros clubes. Estamos montando um elenco praticamente novo, com atletas em momentos completamente diferentes. Precisamos equalizar, tivemos a questão de Covid na primeira semana. Mas tem sido muito boa a pré-temporada, esse tempo que estamos tendo para trabalhar com os atletas.
A contratação do Raniel gerou questionamentos por parte da torcida por ser um jogador que enfrentou problemas físicos nos últimos anos. O Zé, no entanto, disse que ele se apresentou muito bem. Qual é a situação do Raniel?
Caldeira: Na parte médica, o Raniel está muito bem. Ele teve uma complicação de Covid em 2020, uma trombose, um problema no joelho. Hoje ele não tem problema em relação a isso. É um atleta que nos surpreendeu muito positivamente pela disposição e vontade nos treinos. Ele quer dar a volta por cima do Vasco.
Como vocês planejam a temporada do Nenê, que é um cara fominha, gosta de jogar todas, mas está com 40 anos?
Caldeira: Tirar o Nenê é um problema (risos). Ele quer jogar todas. Ele fez o último jogo, contra o Londrina, e tenho certeza que vai querer jogar o primeiro (contra o Volta Redonda, no dia 26). Mas isso vai da avaliação do dia a dia, do controle de carga.
O Vasco pensou em fazer a pré-temporada em Pinheral, mas decidiu por ficar no CT. Os atletas têm passado a noite em casa. Isso atrapalha de alguma maneira, especialmente no controle da alimentação?
Caldeira: Nosso nutricionista conversa com cada atleta, que tem seu plano alimentar. A alimentação e a suplementação de cada atleta é controlada.
Daniel: Na verdade, eles têm feito apenas uma refeição fora do CT. Quando é período integral, eles fazem o pré-treino e o pós-treino aqui. Os atletas apenas ceiam em casa.
E como prevenir lesões em uma temporada com tantos jogos em um curto espaço de tempo?
Alexandre Barbosa: Criamos processos desde a base ao profissional. Hoje o jogador já chega sabendo o que vai ter que fazer, com toda avaliação pronta. Nosso grupo é muito heterogêneo. Temos atletas de 18 a 40 anos. O meu trabalho é avaliar a qualidade do movimento, como o atleta faz cada movimento. E tentamos dar mais homogeneidade ao grupo.
O trabalho é consertar imperfeições e ver os fatores de risco para que possamos prevenir lesões. O Vasco vem diminuindo a cada ano o número de lesões. Criou-se uma cultura dos atletas em se cuidarem mais. Quando cheguei ao clube, em 2018, encontrei 17 atletas no DM. Hoje trabalhamos muito na prevenção.
Como está a situação do Sarrafiore?
Caldeira: O caso dele é uma situação de pós-operatório. Ele fez uma cirurgia no dia 14 de outubro, no ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo. Ele evoluiu muito bem, foi uma cirurgia bem delicada. A gente suturou o menisco dele para preservar o máximo possível do joelho fisiológico. Por isso o pós-operatório é um pouco mais arrastado. Mas o tempo de recuperação é igual.
Hoje o Sarrafiore está na fase 2 para 3, começando a ganhar força. São sete fases. Não dou previsão. Antigamente os jogadores voltavam precocemente. O risco de uma nova ruptura seria maior. É claro que ele poderia voltar antes, mas aí temos que pesar o custo-benefício.