Se este encontro for possível em outro plano, Maradona, agora no time dos imortais, e Dener certamente vão lembrar do único duelo entre "D10s" e o Vasco. Aconteceu em Rosario, na Argentina, em janeiro de 1994. Don Diego entrava em campo para fazer sua última partida com a camisa 10 do Newell's Old Boys. Já o ensaboado 10 vascaíno usava a Cruz de Malta pela primeira vez em campo.
Apesar de ter sido amistoso e do empate sem gols, aquele jogo disputado no Estádio Parque Independência, em Rosario, é cheio de fatos interessantes. Já que não podemos conversar mais com os principais astros daquele duelo, recorremos a outra figura que posteriormente se tornou grande no futebol mundial: o centroavante Jardel, então com 20 anos, e reserva do conjunto dirigido por Jair Pereira.
Como o placar não saiu do zero, Jardel não ficou marcado pelo faro de gol que lhe acompanhou na Europa ou pelas inconfundíveis cabeçadas. A cena dele sacando uma máquina preta de uma bolsinha azul e na sequência pedindo uma foto a Maradona no intervalo, sim, chama muita atenção.
Hoje aos 47 anos, Jardel dimensiona o quanto aquela foto representa e pede respeito à vida pessoal de Maradona, que morreu nesta quinta-feira em decorrência de uma parada cardiorrespiratória. O ex-centroavante, ídolo do Grêmio e em Portugal, lembra que também enfrentou a dependência química.
- Aquela foto para mim é como se fosse a data do meu nascimento, é inesquecível. É muito especial, até porque eu estava com meu amigo Ricardo Rocha, com quem falo até hoje. Tenho muito carinho pelo pessoal do Vasco até hoje. Nunca imaginava que ia ser tão meteórica a minha carreira, fiquei 10 anos no "top" do futebol mundial, e passei pelos mesmos problemas que o Maradona passou. Estou aqui para estender a minha mão, dar os parabéns, e prestar minha solidariedade à família dele - afirmou Jardel, que brilhou no Grêmio e com as camisas de Porto, Sporting e Galatasaray.
A foto com Maradona está no arquivo que Jardel tem em Fortaleza, onde nasceu e mora até hoje. Ela não estava acessível no momento da reportagem, mas o goleador garantiu que ela está em uma das gavetas da sala de troféus, prometeu procurá-la e enviar ao ge tão logo que encontrá-la.
- Todo mundo que entra na minha sala de troféus, no meu acervo, fala: "Pô, você jogou contra o Maradona?" Poucos tiveram esse privilégio. Me considero um privilegiado ter estado ao lado de uma pessoa que foi um fenômeno. Não importa o que ele fez fora de campo, importa é a história que fez dentro de campo, os gols que fez e o carinho que todos os argentinos têm por ele. É como se estivéssemos perdendo o nosso grande ídolo Pelé, que, graças a Deus, está vivo.
Show de Dener
Em seu primeiro jogo de olho na disputa da Copa dos Estados Unidos em 1994, Maradona, embora tenha realizado inúmeras jogadas de efeito, foi ofuscado pelo estreante Dener. Há relatos, inclusive, de que Don Diego foi ao vestiário vascaíno para elogiar o garoto - à época aos 23 anos -, que morreria três meses depois em acidente de carro.
Outro estreante da noite, o volante Luisinho Quintanilha, que voltava ao Vasco após passagem pelo espanhol Celta e exerceu forte marcação sobre Maradona, lembra jogada de Dener que quase terminou em gol logo aos três minutos. Deixou Pochettino e Siviero no chão, limpou outros três, mas parou no goleiro Scoponi.
- Foi meu primeiro jogo após o retorno do Celta, por empréstimo, e a estreia do Dener também e do Ricardo (Rocha). O Dener se destacou muito, e o Maradona ficou encantado com o Dener, que arrebentou com o jogo. Foi uma estreia brilhante, faltou só aquele golzinho do Dener, embora o Dener não se importasse tanto com os gols (risos). E o Maradona também fez jogadas maravilhosas, com cada toque na bola. Ele era muito diferente e muito especial.
Jardel endossou os elogios de Luisinho e lembrou que dedicou o tricampeonato estadual, conquistado em maio de 1994, a Dener.
- Ele arrebentou, jogou desde o início (contra o Newell's). Dener foi outra fatalidade. Sempre falo que entrei no lugar dele na final de 94 com o Fluminense, uma semana antes ele morreu. Entrei, fiz os dois gols do tri e fui lá na Lagoa para dedicar para ele.
Durante invasão de Eurico Miranda, Maradona abraça Pai Santana, ouve elogio de Jair Pereira e separa briga (veja a 1hora 17minutos e 17 segundos do vídeo colocado no topo da matéria)
Como dito no início do texto, de amistoso aquele duelo não teve nada. O volante vascaíno Leandro Ávila vinha se estranhando com dois jogadores de destaque na época e que hoje se transformaram em treinadores importantes dentro do futebol: o zagueiro Maurício Pochettino e o meio-campista Tata Martino.
No segundo tempo, o caldo entornou. Leandro entrou forte em Tata, e Pochettino tomou as dores do companheiro. Formou-se uma enorme confusão. Integrantes das duas delegações invadiram o campo, entre eles o vice de futebol Eurico Miranda, o técnico Jair Pereira e o histórico massagista Pai Santana.
Maradona, acreditem, foi o pacificador da bulha. Tirou Ávila do tumulto, abraçou e trocou sorrisos com Pai Santana. Também foi cumprimentado por Jair, que o elogiou: "Você é internacional, você é f...". Eurico, por sua vez, discutia com árbitros e jogadores rivais.
Confusão encerrada, Maradona deixou o campo, Dener também foi substituído, e o placar, inalterado. Nada que diminuísse o peso daquele duelo.
E as histórias não param por aí...
Marcador implacável do 10, Luisinho batizou filho com nome de Diego
Dos grandes volantes do anos 80 e 90 pela qualidade técnica mas também por chegar duro, Luisinho marcou Maradona de perto e deu uma pregada forte no craque (vá aos 28 minutos e 58 segundos do vídeo colocado no topo da matéria). O "carinho" foi retribuído com palavras nada amistosas. Apesar do enfrentamento, o ex-jogador é grande fã do argentino e batizou o filho com o nome da grande figura da Copa do Mundo de 1986, conquistada pela Argentina, no México.
- Foi uma homenagem, o meu Diego nasceu em 1986, justamente no ano em que o Maradona fez toda a diferença na Copa do México. E ele já vinha brilhando há muito tempo no futebol mundial. Meu Diego vem muita dessa influência, daquele momento do Maradona, e por eu também achar o nome muito bonito. Don Dieguito, o meu (risos). E o eterno Diego Maradona, que infelizmente hoje (quinta) partiu e deixa saudades pelo seu futebol e pelo carisma, apesar de todas as controvérsias como cidadão. Todos nós gostávamos muito dele e o queríamos bem.
Luisinho, campeão da Libertadores, do Brasileiro e de praticamente tudo possível pelo Vasco, lembra com carinho de que este não foi o único duelo com Maradona e cita o quão complicado era marcá-lo.
- Difícil, a gente tentava, mas era impossível parar o cara. Você ficava ali pelo lado profissional, mas dava para apreciar algumas jogadas e de estar ao lado de um fenômeno. O cara era extraordinário, acompanhei desde garoto. Tive o prazer de confrontá-lo. Uma foi em Nápoles, com o Botafogo, em 1986 naquele auge dele. E esse jogo do Vasco já em 1994. Foi fantástico atuar contra um atleta como ele.
Portunhol de Ricardo Rocha é destacado
Apesar de ter pedido respeito a Maradona, Jardel também se divertiu muito muito ao falar do amistoso. Lembra do modelo da máquina que sacou no intervalo e de sorrisos do craque para ele antes de o colega Vítor bater a foto.
Outra coisa que arrancou gargalhadas de Jardel foram as entrevistas do amigo Ricardo Rocha, concedidas antes da partida e durante o segundo tempo, quando o zagueiro foi substituído.
- Kodak, era pretinha (risos)! A máquina era minha (risos)! Eu era bonito pra caramba, velho. Ainda sou, por isso ele tava sorrindo (risos). Eu cheguei e falei: "Maradona, una foto. Una foto!". Eu não sabia nem falar português direito. Gostei muito da entrevista do Ricardo Rocha, que estava com o espanhol desenrolado. Vou mandar esse vídeo para o Ricardo, cabeça de caranguejo. Era o pernambucano com o espanhol (risos).
Risadas à parte, Jardel encerrou o papo com o ge insistindo no pedido de que o futebol de Maradona deve ser sempre colocado em primeiro plano.
- Há coisas marcantes na nossa vida: primeiro gol, primeira convocação, primeiro filho, primeiro contato com um ícone... Então é muito difícil esquecer esse dia. Sou muito grato a Deus por ter jogado contra o Maradona e por ter sido humilde de pedir a foto ao Maradona porque humildade e caráter não se compra. O mundo hoje está muito materialista, a gente tem que dar valor para a família e ter uma vida saudável. Espero que essa entrevista seja muito importante para as pessoas absorverem o que estou falando.
Amistoso? Que nada! Essa partida é riquíssima e deixa lições para todos os torcedores. Sejam eles vascaínos, "Neweel's", que não tiveram a oportunidade de acompanhar, ou "Old boys", que foram brindados com o futebol do gênio Diego Armando Maradona. Obrigado, D10s Diego Maradona! Obrigado, Dener! E obrigado, Jardel!