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João Havelange quer perdão para dívidas dos clubes

Toda história de sucesso de João Havelange como dirigente esportivo, primeiro à frente da CBD e depois como presidente da Fifa, que transformou numa entidade bilionária e sem fronteiras, foi, segundo o próprio, extensão de sua vida como administrador. Prestes a completar 95 anos, ele não esconde uma enorme tristeza: a situação financeira dos clubes, em especial do seu Fluminense, do qual era nadador quando participou dos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, e atualmente é o maior devedor do país. Descrente com a capacidade dos dirigentes em sanear as instituições, o homem que há 14 anos criou polêmica ao defender a implosão do Maracan㠗 e, diante das reformas para a Copa de 2014, afirma categoricamente que o tempo lhe deu razão — agora faz um pedido ousado às esferas de governo em nome do que considera ser a salvação do futebol brasileiro:

— No dia que o governo quiser acabar (com os clubes), é só cobrar. A situação é delicada, e por isso faço um apelo aos governos federal, estadual e municipal: que zerem as dívidas com base no fato de que o esporte tranquiliza e é importante na educação das gerações — disse Havelange. — Quem está na presidência dos clubes não tem condições para isso (acabar com as dívidas), nem patrocinadores que arquem com elas. Deve-se pedir ao governo para relevar e exercer taxação zero, não cobrar mais imposto disso ou daquilo.

No último estudo sobre o endividamento dos clubes brasileiros, divulgado em maio do ano passado, referente a 2009, feito pela consultoria BDO/RCS com base em dados financeiros e patrimoniais fornecidos pelas entidades, o total de débitos, entre dívidas fiscais e trabalhistas, foi de R$3,1 bilhões (US$1,937 bi). Fluminense, Vasco, Botafogo e Flamengo, nesta ordem, encabeçavam a lista, seguidos por Atlético MG e Santos. Com exceção de Vasco (2º), Portuguesa de Desportos (10º), Coritiba (16º) e Atlético-PR (19º), todos os outros clubes apresentaram crescimento mínimo da dívida de 3%, caso do Corinthians (11º), e máximo de 229% (São Caetano, 20º) em relação a 2008.

— É muito triste, não só pelas dívidas fiscais. As dívidas trabalhistas são imensas, não deveriam existir. Uma pessoa não pode trabalhar para uma entidade e, por causa de um mau administrador, jamais receber o que tem. É o que ocorre na maioria dos clubes, seja aqui ou em São Paulo — lamenta Havelange, voltando à dívida do Fluminense. — É um oceano para o clube, mas uma gota d’água para a nação.

O Governo Federal trata os clubes de futebol com especial atenção há algum tempo. Em 10 de abril de 2000, portanto há quase 11 anos, a lei 9964 instituiu a criação do REFIS, programa destinado a facilitar a regularização de créditos de pessoas jurídicas — como clubes de futebol — com a União. O REFIS impunha condições para a adesão e o parcelamento dos débitos. Com exceção do Vasco, todos os grandes clubes cariocas aderiram, mas foram excluídos por inadimplência ou descumprimento de regras. Em 2003, por exemplo, o Flamengo, que nos últimos anos tem conseguido reduzir sua dívida, em especial a trabalhista, foi excluído do REFIS 2, uma segunda versão do programa. Em 2007, mais uma proposta de socorro foi criada. Pela polêmica Timemania, uma loteria da CEF que passou a vigorar em fevereiro de 2008, os clubes teriam direito a 22% da arrecadação em troca da cessão do uso da imagem. O percentual arrecadado, obrigatoriamente, seria usado para quitar dívidas fiscais com o governo num prazo de até 240 meses. A expectativa de arrecadação, porém, sempre foi superior à realidade.

Em 2009, os clubes apresentaram os valores referentes às suas dívidas com o Governo Federal. Os dados mostraram, por exemplo, que o Internacional devia R$114,4 milhões à União, o que correspondia a 78% de sua dívida total.

Havelange fala com pesar do caso do Fluminense, cuja dívida atual, segundo o presidente Peter Siemsen, é de R$385 milhões. Ele critica a falta de um estádio, cuja construção, num terreno de 100 mil metros quadrados na Barra, foi-lhe oferecida pelo ex-prefeito César Maia em sua primeira gestão na prefeitura, sem custos, e rejeitada, segundo Havelange, pela diretoria do clube na época. Outro ponto que o dirigente cita como exemplo de seguidas más administrações é a falta de mais de um patrocinador, que, juntamente com um estádio, aumentariam as receitas, hoje dependentes de direitos de televisão e venda de jogadores. Este tema, por sinal, é o que lhe incomoda: ver os jogadores formados em Xerém serem negociados com o clube recebendo um pequeno percentual do dinheiro arrecadado, às vezes nem isso:

— Aí eu me rebelo. O direito tem que ser do Fluminense, não de a, bê ou cê. O agente pode até vender, mas não ser dono do jogador. Você passa a depender dele, e isso é o que mais me dói.

O ex-dirigente diz que o estádio que César Maia um dia ofereceu ao Fluminense se tornou o Engenhão, batizado pelo ex-prefeito com o nome de Havelange, que, na ocasião, pediu-lhe duas coisas: que desapropriasse o entorno para criar vias de acesso e uma grande área de estacionamentos:

— Não foram feitas e olha o pepino que estamos vivendo. Reproduz o que acontece no Maracanã. Há anos, fui a favor de implodi-lo. O local não é bom. Deveriam fazer ali um grande centro aquático para as pessoas que vivem na região e botar o estádio em outro lugar. Me ridicularizaram, mas o tempo foi meu melhor amigo — afirma. — Não puseram Wembley abaixo e construíram outro? Uma coisa é paixão, outra razão.

(Matéria reproduzida diretamente da versão papel do Jornal O Globo)

Fonte: Jornal O Globo
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