Ex-comandados e ex-companheiro de equipe destacam discurso direto do português e apostam no sucesso dele no comando do time vascaíno
Ricardo Sá Pinto treina como se fosse jogo. E comanda o time como se estivesse dentro do campo. Suas equipes costumam ser "encurtadas", com posicionamento compacto e, a depender do material humano disponível, variam entre a veia ofensiva e a aposta no contragolpe.
A intensidade e a cobrança são duas marcas do novo treinador do Vasco, conforme o relato ao ge de atletas brasileiros que trabalharam com ele. Por isso, há muito mais certezas do que dúvidas: o elenco terá de se adaptar ao novo estilo, e não o português ao futebol local. E, se os jogadores comprarem a ideia, o sucesso será questão de tempo.
O volante Fransérgio, 29 anos, ex-Internacional e Athletico, está em Portugal desde 2014, quando foi contratado pelo Marítimo. Na última temporada, como capitão do Braga, viveu o que é ser jogador de Sá Pinto. Ele acredita que em 15 dias será possível perceber mudanças no Vasco.
- Sá Pinto não terá muita dificuldade de adaptação. Os jogadores, sim. Entrar no ritmo forte e intenso será difícil, senti isso quando cheguei aqui há seis anos. No Brasil, o futebol é lento. Aqui na Europa é mais dinâmico. No jogo e no treino. Ele é trabalho, trabalho e trabalho. E sempre quer o melhor. Sempre quer ganhar. No meu início, eu dominava, levantava a cabeça e era desarmado. É receber e, no máximo, dois toques na bola. Quando o time pegar a dinâmica, não tenho dúvida do sucesso do Vasco - contextualizou o jogador.
O Braga, com Sá Pinto e companhia, teve a melhor participação da história do clube na fase de grupos da última Liga Europa, com 14 pontos. Bateu o recorde de invencibilidade de times portugueses em competições europeias (13 jogos) - caiu na segunda fase para o Rangers, da Escócia. E, já após a saída do treinador, foi campeão da Taça da Liga de Portugal. Qual foi o segredo, Fransérgio?
- Ele gosta de time compacto, todo mundo junto e apostando no contragolpe. Na Liga Europa, a nossa arma era essa. A gente jogava fechadinho. Ganhamos do Wolverhampton, na Inglaterra, eles eram favoritos. A gente foi assim, esperando uma bola. Sá Pinto não inventa posição para jogador, ele faz o simples. E, no futebol, o simples dá resultado. Ele entra na cabeça do jogador, consegue tirar o máximo. Na preparação para cada jogo, conseguia motivar sempre. Sabe a hora de dar dura e de elogiar. Não é por acaso que conseguiu esses resultados.
O ex-zagueiro Anderson Polga, penta com a Seleção em 2002, conheceu as três faces de Sá Pinto. De 2003 a 2012 no Sporting, conviveu com o agora técnico do Vasco como colega de time, dirigente e treinador. Em três frases, resumiu o que se deve repetir em São Januário.
"Muito vibrante, não gosta de perder nada. Era extremamente competitivo em campo".
"É um cara temperamental. É só pesquisar na internet que vai se ver as polêmicas. Agora, para o grupo e para o clube ele é muito importante. Ele defende a todo o custo as cores que leva no peito".
"Ele procura tirar o máximo de cada jogador. A competição é por 90 minutos, do primeiro ao último minuto. Se não for assim, o jogador não vai atuar com ele. Como treinador, cobra mais do que o Jorge Jesus, por exemplo".
No entender de Polga, jogadores do Vasco vão sentir a mudança nos treinos, o que exigirá um cuidado de Sá Pinto:
- Ele foi campeão português com o Jardel, trabalhou muito com o Cesar Prates, como jogador. Ele conhece o atleta brasileiro. Lá em Portugal, se acha que há brasileiros preguiçosos. Por isso, eu repito: ele é muito intenso e cobra que se jogue sem a bola. Isso era o que ele mais cobrava dos brasileiros, a participação mesmo sem a bola. Na época, alguns brasileiros treinavam em um ritmo menor, ele cobrava. Claro, tem de ter cuidado no trato, afinal, há quem não aceite algumas formas de cobrança. Mas ele é experiente, rodou e, com certeza, vai dar certo.
Polga afirmou ainda que o português prefere jogadores rápidos e o jogo em velocidade pelos lados. Exemplificou como o time deve se portar em campo com Sá Pinto:
- Os times dele são equilibrados. O posicionamento é encurtado, são 35 metros do goleiro ao último atacante. A distância máxima entre jogadores é de cinco metros, então, a compactação é uma marca para manter esse bloco unido.
Aos 37 anos, Igor de Camargo é atacante do Mechelen, da Bélgica. Ele começou a carreira de jogador de futebol, após testes sem sucesso em clubes brasileiros, no exterior. Em 2006, foi colega de Sá Pinto no Standard Liège. A juventude dele contrastou, na época, com a experiência do então astro português. Diferença que ficou de lado e confirma a fama do gajo de gostar de trabalhar com jovens.
- O Michel Preud'homme (ex-goleiro) era o técnico e montou um time com muitos portugueses, tinha o Sergio Conceição, Rogerio Matias e o Sá Pinto. Cheguei e encontrei um monte de medalhão, mas o tratamento foi ótimo. O Sá Pinto me aconselhava sobre o passe, o drible, o posicionamento, como correr. A postura dele em campo, sempre querendo vencer, era o maior exemplo - disse, para completar:
- Ele pode parecer uma coisa por causa da imagem externa, mas é muito gente boa. Antes da pré-temporada, fiquei na casa dele, em Cascais, e pude ver a simplicidade. Ele respeita as pessoas e tem muito conhecimento.
Titular em todos os 10 jogos que disputou sob a orientação de Sá Pinto no Braga, o zagueiro Wallace, de 26 anos, destacou a obsessão por triunfos de seu ex-treinador. "Vitória é que enche barriga" é uma frase que o defensor, hoje no Yeni Malatyaspor (Turquia), escutou com frequência do agora comandante vascaíno.
- Sá Pinto é gente boa demais. Gostei do estilo de treino dele. É um treinador que gosta muito de ganhar. Gostei dele porque ele gosta muito de vencer. Tudo é ganhar, ganhar, ganhar. Se puder ganhar na qualidade, legal. Se não puder, do jeito que ganhar é suficiente. Ele fala que vitória é que enche barriga. Me identifiquei muito com ele. Em primeiro lugar as vitórias e o bem-estar do jogador.
Wallace citou que, apesar de muito "gente boa", o português cobra postura nos treinamentos e, fazendo jus ao temperamento explosivo, não mede palavras para expor seus objetivos.
- O treinamento é sério, ele gosta de tudo com muita vontade e tesão. Tem que mostrar que quer para poder jogar. É um cara que gosta de ver no olho do jogador que ele quer vencer. É estressado também. Não vacila com ele porque não tem medo de ninguém, não. Fala o que tiver de falar, é verdadeiro, direto e autêntico. Me recebeu super bem no Braga, me chamou, conversou e disse o que queria. Sabia de que forma eu poderia ajudá-lo.
Segundo Wallace, é possível que Ricardo Sá Pinto rode bastante o elenco, já que prioriza atletas que estejam 100% fisicamente e, consequentemente, em condição de se doarem ao máximo em campo. O zagueiro encerrou seu depoimento em coro aos outros entrevistados, apostando em um grande trabalho à frente do Vasco em função da clareza que Sá Pinto emprega em seus discursos.
- Cara bom de trabalhar, bem direto. Não tem papinho de curva, é super direto. E trabalha. Mas tem que estar preparado porque o cara é ponta firme. Se tiver que conversar, vai falar o que acha. Bom também que ele dá a liberdade para o jogador explicar e expressar o que acha. Os jogadores se sentem muito confortáveis com ele. Acho que tem tudo para dar certo no Vasco.