Sócio-fundador da corretora Ativa, uma das mais tradicionais do Rio, Jorge Salgado chegou aos 73 anos com a vida tranquila. Mas sentiu que faltava algo. E essa lacuna pode ser preenchida a partir de 7 de novembro, quando ele vai concorrer na disputa eleitoral para a presidência do Club de Regatas Vasco da Gama, trazendo para a agremiação carioca uma proposta de administração profissional, algo que vem se buscando cada vez mais no futebol brasileiro.
Salgado concorrerá com o atual presidente, Alexandre Campello, e outros 6 candidatos. As propostas de Salgado e a situação financeira do Vasco lembram um movimento feito pelo maior rival, o Flamengo, comandado desde 2013 por profissionais oriundos do mercado que transformaram o clube, até então o de maior endividamento do país, naquele hoje apontado como o de maior poderio financeiro do Brasil, embora não alheio a tragédias como a morte de dez atletas da base em um incêndio em 2019 ou a polêmicas como o questionamento, pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, do contrato de patrocínio de R$ 32 milhões por ano com o Banco de Brasília. Outros clubes, entre os quais Bahia e Fortaleza, também contam com estruturas profissionais de administração e, no Rio, o Botafogo segue os passos para tentar montar uma S.A. no futebol profissional.
Com a autoridade de quem trabalha no setor financeiro desde os 18 anos – quando teve o jovem Jorge Paulo Lemann como chefe –, Salgado deixa claro que pretende profissionalizar a gestão do clube. No ano passado, o Vasco gerou R$ 208 milhões em receitas, 14,4% a menos que em 2018. No sentido oposto, o endividamento subiu 10,8%, para R$ 645 milhões. "Pelo nosso plano de trabalho, vamos chegar ao fim de três anos equilibrados, com receita e dívida ambas na casa de R$ 400 milhões. Projetamos receitas e despesas com os pés no chão e achamos que podemos ter esse resultado. Aí [o clube entra] em um círculo virtuoso, do ponto de vista de gerar caixa para investir no futebol", afirma Salgado, que conversou com o Valor na sede da Ativa, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio .
Para chegar a esses números, o candidato ressalta que conta com uma equipe de 80 pessoas, divididas em 19 grupos de trabalho, cada um deles imbuído de analisar um ponto específico do clube, como o estatuto, e ele pretende modernizar. "Ninguém faz nada sozinho".
Salgado afirma que uma das primeiras medidas será a busca por recursos de curto prazo para o clube. "Pretendo fazer uma captação em mercado. Quero testar o mercado, quero ver qual vai ser a reação do mercado, se o investidor vai ter apetite de risco de comprar um título do Vasco", diz. E acrescenta que a primeira ação estudada, para garantir capital de giro, é o lançamento de uma cédula de Crédito Bancário (CCB), que poderá aportar garantia ou não. Segundo ele, será estipulada uma remuneração para os compradores dos títulos, que podem ter dois anos de carência e a partir daí amortização mensal, num total de quatro anos de prazo. A ideia é captar entre R$ 70 milhões e R$ 80 milhões.
O segundo passo seria um fundo de investimento em Direitos Creditórios (FIDC), que teria como garantia receitas de TV e recebíveis do programa de sócio-torcedor, entre outras. Salgado não detalhou como seria montado o FIDC ou quanto ele espera levantar com a iniciativa. Em ambos os casos, já houve conversas com bancos sobre a possibilidade de implementação de tais instrumentos.
"O mundo do futebol está mudando numa velocidade razoável. Primeiro tem que fortalecer o clube para depois fortalecer o time, não pode inverter essa lógica", diz o empresário, que fundou a Ativa em 1983. A corretora nasceu depois que ele e o irmão, Pedro, compraram a corretora Marka de Salvatore Alberto Cacciola e a rebatizaram. De lá para cá, Pedro deixou a sociedade e o empresário tem como principal sócio Augusto Teixeira de Freitas, quem entrou na companhia a 27 anos. Além deles, há mais de uma dezena de outros sócios minoritários.
As mudanças no mundo do futebol não parecem tão diferentes para ele daquelas que foram necessárias nesses 37 anos de existência da corretora, como no caso dos Investimentos em plataformas digitais de negociação. "Fomos acompanhando as mudanças. Sempre observamos o que acontecia para tentar surfar na última onda. Tivemos que nos reorganizar internamente", diz Salgado. A Ativa trabalha com clientes nas áreas institucional, de varejo, renda fixa e administração de recursos.
O empresário diz que, apesar da longa vivência de mercado, também tem experiência no mundo do futebol. Ele foi vice-presidente de finanças do Vasco entre 1987 e 1989, período em que não encontrou vida fácil, uma vez que o clube também na época passava por uma crise financeira. Para organizar as contas do Vasco, levou seis meses para "entender" a situação e recorreu a empréstimos bancários para conseguir tocar o dia-a-dia. "Apareceu o Romário, apareceu o Geovani [ex–meio-campista], a gente conseguiu vender, paguei aos bancos, sobrou dinheiro, compramos o Bebeto do Flamengo. Não devia um centavo. Se você faz as coisas direito, você acaba chegando no resultado. Fomos bicampeões cariocas, campeões brasileiros", relembra ele, que também trabalhou por três anos na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), até 1992.
Capaz de escalar o time supercampeão carioca de 1958 que tinha entre outros Vavá e Bellini – "enlouquecia com esse time" – , Salgado diz que Roberto foi o melhor jogador que viu com a camisa cruzmaltina. Agora, quando já desacelerava na vida diária de trabalho na corretora, permitindo-se mais viagens e tempo livre, decidiu virar a atenção para o clube do coração. "Assumi a candidatura no Vasco porque estou em momento da minha vida em que tenho disponibilidade de tempo e tenho experiência acumulada muito grande no futebol tanto do ponto de vista do Vasco, quanto da Seleção."