‘Senador’ era o apelido do Eurico Miranda entre amigos e aliados.
“Para que contrato?”, costumava perguntar. “Já rasguei vários.”
Eurico era de palavra. Foi o mais conhecido, influente, atrevido e temido dirigente brasileiro, por quase 40 anos.
“Doutor”, o supervisor Isaías Tinoco pediu atenção para avisá-lo. “Odvan sentiu e não joga.”
“Mande-o concentrar”, foi a resposta.
Eurico tinha verdadeira adoração por Romário. O então deputado estava no avião do Flamengo, que jogaria em Brasília, quando o ‘Baixinho’ o provocou:
“Vai ao show amanhã?”
“Você é o show”, Eurico retrucou, quebrando o camisa 11.
Na briga com a mais forte emissora de televisão do país, que havia feito um Globo Repórter para difamar o cartola, sua resposta foi mais rápida que tiro. Nem Sílvio Santos sabia que o Vasco entraria com o logotipo do SBT em plena decisão de Brasileiro.
Centralizador, seus métodos eram extremos. Em 2002, expulsou o maior ídolo do clube da tribuna de honra de São Januário. Roberto Dinamite estava na oposição, articulando para tentar a Presidência do Vasco.
Na época de Eurico, arbitral na Federação não demorava. Quando muito, durava poucos minutos. Na realidade, as decisões eram tomadas antes mesmo da reunião.
“Tabela, regulamento, cota de televisão generosa para os clubes de menor investimento…”
O Flamengo se revoltou por receber cota igual à do Vasco. Eurico fez pouco caso:
“Ata Assinada: 15 a 1!”
Eu ancorava, na Rádio Globo do Rio de Janeiro, o ‘Pré-Jogo’, o intervalo e o final das jornadas esportivas. De repente, o telefone tocou. Do outro lado da linha, ouviu-se a voz irritada do Governador:
“Me bota no ar! Acabou o jogo!”
Vasco x São Caetano decidiam a Taça João Havelange. São Januário entupido, com quase 40 mil presentes. Corre-corre, brigas, cenário de suspense. Até que o alambrado cedeu e duzentos feridos precisaram ser atendidos no campo. O dirigente tinha pressa, queria ver a bola rolando. Tratou, pessoalmente, de retirar as vítimas.
“TÁ NO AR!”
Anthony Gatotinho entrou e anunciou:
“Não tem mais jogo!”
Eurico reagiu:
“Frouxo e incompetente… Esse Governador é viad…”
A Justiça determinou o pagamento de meio milhão de reais ao político.
Em 1989, Eurico chefiou a delegação da seleção que conquistou a Copa América, título que o Brasil não celebrava havia quatro décadas. Do cargo Eurico saiu por vontade própria, após contratar Bebeto para o Vasco. De fora, previu:
“O Brasil não passa das oitavas de final, na Copa do Mundo da Itália.”
Não deu outra. Caniggia fez o gol da Argentina, após receber passe açucarado de Maradona no Estádio Delle Alpi.
Eurico Miranda, que trocou os cigarros pelas baforadas do Cohiba Siglo II, tinha inimigos, sim. Mas também muitos fãs e amizades que o defendiam e brigavam por ele.
Com o Bank Of America, foi claro:
“Vocês entendem de dinheiro, mas não de futebol.”
A parceria de três anos fortaleceu o esporte amador e olímpico do Vasco. Ainda rendeu títulos no futebol, como Brasileirão e Libertadores. Mas também trouxe dívidas e processos na Justiça.
Eurico se insurgia contra o maior rival:
“Eles não têm estádio. Que papo é esse que o estádio do Flamengo é o Maracanã?”
O Vasco vencia o Internacional, em Porto Alegre, por 3 a 0, mas acabou cedendo o empate. Na sequência, jogando em casa, em um sábado à tarde, fez 2 a 0 no Cruzeiro, mas novamente levou dois gols.
“Isaías… reapresentação na terça à tarde, OK?”, inquiriu Eurico.
Oswaldo de Oliveira, que estava próximo, alertou o dirigente que essa decisão não lhe competia. Eurico sequer ouviu:
“Muda para segunda de manhã, Isaías”, ordenou, de bate-pronto.
“Não! Eu sou o técnico”, arguiu Oswaldo.
“Então, tá demitido! Fora!!!”
Imagina a reação dele hoje, ouvindo Barbieri depois da derrota de 1 a 0 para o Santos, em São Januário:
“Santos é time grande. Nunca caiu!”
Aos domingos, Eurico reunia a família num churrasco. Sempre que se lembrava da mãe, emocionava-se na cobertura da rua Coelho Neto, em Laranjeiras. Nesse endereço, foi assaltado certa vez, na entrada da garagem, após vitória sobre o Flamengo por 1 a 0. Levaram a parte da renda que cabia ao Vasco – na época, cerca de 75mil reais.
O mais polêmico dirigente de futebol do país faleceu em março de 2019, aos 74 anos, em razão de um tumor no cérebro. Sua história será contada em breve, na Plataforma Globoplay.