Futebol

Juninho analisa sua carreira e lamenta não conquista do Mundial

Com a simplicidade de ídolo que ainda hoje ajuda os funcionários do Vasco a carregar o material de treino e a maturidade adquirida aos 36 anos, 18 deles como profissional, Juninho Pernambucano reconhece erros do passado, frustrações da carreira, como não ter ganhado um Mundial, mas sem lamentações. O meia olha para frente e tenta desvendar seu futuro no futebol: não sabe se no clube carioca ou no Lyon, da França. Por enquanto, quer aproveitar seus últimos momentos em campo

Como é voltar mais ídolo do que antes?


Se dá muito mais valor às conquistas um tempo depois. Essa conquista ficou muito marcada por tudo que veio depois. Nunca fui melhor do que Ramon, Donizete, Pedrinho, Carlos Germano e Luizão, por exemplo. Acontece que o Vasco entrou num período de 10 anos de escassez de conquistas importantes, foi pra Segunda Divisão, depois de ser tão vitorioso. Ainda sou um daqueles jogadores em atividade, acho que o reconhecimento aumentou por causa disso, começaram a pedir minha volta. Não posso nem me comparar a Edmundo e Romário, mas minha geração colaborou muito, marcamos muito e acho que aumentou um pouco porque a torcida sempre olha pra quem foi embora e marcou. E fiz um gol muito importante que ficou na memória.

Por causa do gol contra o River Plate, na Libertadores de 98, você ganhou uma música que só foi feita anos depois da sua saída do Vasco. Como foi escutar pela primeira vez?


Fiquei sabendo através da minha filha Giovanna, que acompanha muito mais do que eu o Vasco. Ela criou esse carinho, independentemente da minha presença, se tornou torcedora do Vasco, em casa sempre me cobrava se ia voltar ou não, e foi ela que me falou que tinha sido feito a música. Mas imaginei na hora que ela falou que tivesse sido coisa de um jogo, alguma rivalidade, acho que por causa da volta do Adriano para o Flamengo, algum coro que a torcida adversária faz com o outro. Alguma coisa de um simples jogo, não imaginava que fosse uma música que ficaria e seria cantada em todos os jogos. Depois que eu vi que foi tudo isso, eu comecei a pensar que realmente tinha um carinho especial e não imaginava que fosse tanto. Foi uma coisa muito especial para mim. Na época me concentrava muito no Lyon, dividi essa felicidade sem falar muita coisa. Mas só vi a dimensão do negócio mesmo quando me apresentei aqui contra o Figueirense.

Seu pai passou o amor pelo Vasco para você. Você conseguiu passar a todas as filhas (são três)?

As escolhas são sempre feitas pelas crianças, lógico que a gente indica e é sempre bom que os filhos sigam um pouco os irmãos e os pais. Mas são muito novas. A segunda sabe que sou jogador do Vasco e que já tinha jogado aqui. Espero que continuem como a Giovanna, mas elas que vão escolher. Também nunca foi uma coisa forçada com a Giovanna. Ela participou do meu início, nasceu quando eu cheguei aqui. Ela entrou algumas vezes comigo no campo. Na final do Rio-SP de 98 fiz uma matéria bacana com o Tino Marcos e ela acabou cantando o hino e gostou. Quando ela ia pra Recife e dizia que era Vasco, minha família dizia que ela tinha que torcer primeiro pelo Sport. Isso acabou instigando e hoje ela só torce pelo Vasco.

Quando você veio para o Vasco, era o segundo nome, o principal era o Leonardo. Como foi o início, a adaptação ao clube?


Viemos numa transferência cara com o mesmo valor, mas lógico que o Leo sempre foi artilheiro, tínhamos vindo de um torneio em Toulon, jogou bem, fez vários gols. Muito difícil chegar jovem ao Vasco, mas vim com objetivo, vim sabendo o que queria, no que precisava melhorar. Para mim, para um jogador jogar bem tem que ficar muito tempo num clube. Entender o clube, ser entendido, receber o carinho de quem trabalha, isso me dá uma força maior. Acabei minha formação no Vasco, nunca tinha feito pré-temporada mesmo com dois anos no Sport. Aqui terminei minha formação. Conseguiu ganhar um Brasileiro e foram quatro anos de conquistas.

\"Juninho


O que você encontrou em São Januário na volta, o que mudou para melhor e o que continua precisando melhorar?

A parte negativa é que desde que comecei a jogar futebol e desde que cheguei aqui, um clube grande precisa de centro de treinamento para passar o dia, se necessário, para trabalhar da melhor forma possível, para se isolar em momentos de pressão, para se sentir mais à vontade. O contato com o torcedor e com a imprensa é importante, mas num momento de reflexão, de solidão de um grupo dá muito mais resultado do que conviver nessa pressão do dia a dia. Senti falta disso. A grande diferença é que o Vasco tem muito mais profissionais qualificados em volta do time profissional, seja na imprensa, na área médica, fisiologia, nutrição, psicologia. Estrutura de trabalho bem melhor, sempre sonhamos com isso naquela época. Permite ao jogador estar sempre em condições. O Vasco é um pouco atípico pelos últimos 10 anos, foram difíceis tanto economicamente como por problemas políticos e a falta de resultados. Tudo isso influiu para que estacionasse, acabou perdendo credibilidade, grandes torcedores. Clube não vive sem torcida, é fundamental essa ligação. Infelizmente coincidiu com a falta de títulos, às vezes os títulos escondem um pouco os problemas. Continua treinando no estádio que joga, desgastando o gramado, é minha opinião e de muita gente, não uma crítica. O marketing hoje é muito bem feito, que demorou muito mas é fundamental. Mas foi mais fácil a volta do que a chegada.

E que mudanças você viu no futebol brasileiro nestes 10 anos?


Os clubes se estruturaram e entenderam a força principalmente do marketing, a ligação com torcedor expandiu muito. Infelizmente no Rio, não tem CTs, isso é triste. Em campo, evoluiu muito na parte física. Os mais jovens estão preparados mais cedo, já têm bom rendimento com 19 anos, e o Brasil continua renovando os talentos. O futebol está muito mais corrido, mas continua criativo, e às vezes pouco obediente taticamente. Mudou o sistema para pontos corridos, que é muito mais justo. Não sei se para o Brasil é o melhor regulamento em relação ao torcedor. É melhor para o time campeão. Sem aquelas finais, sem poder viver aquelas paixões, a presença do torcedor vai muito da campanha do time, e ele escolhe alguns jogos. Para o jogadores também é diferente. Viver esse momento, sabendo que pode recuperar no jogo seguinte, fazer tantos jogos decisivos em estádios lotados, é mais emocionante e apaixonante, ao mesmo tempo não é tão justo.

A sua saída foi conturbada, brigou pelos seus direitos na Justiça. Acha que prejudicou sua relação com a torcida?

Eu saí porque era um plano de vida meu. Independentemente do problema, eu queria sair, meu ciclo tinha se encerrado. Sonhava e achava que era capacitado para jogar na Europa, queria sair do Brasil, queria Espanha na época, queria mostrar meu futebol e conhecer gente nova, disputar outras competições. Do jeito que saí também foi por necessidade, eu não tinha mais contrato, acabou em 20 de janeiro daquele ano (2001), pela Fifa eu já era um jogador livre mesmo sem a Lei Pelé. Sem entrar na Justiça para ganhar minha liberdade, acredito que também ganharia, provavelmente não seria impedido de assinar outro contrato e nem iria me aposentar com aquela idade. Já tinha renovado cinco vezes meu contrato com o Vasco, era de ano em ano. Talvez se fosse hoje, com salários melhores, contratos longos, acho que o jogador pode fazer carreira no Brasil, se inspirar num Rogério Ceni. Na minha época não se fazia isso porque pertencíamos ao clube a vida inteira. Com relação ao Eurico, não foi com ele pessoalmente, na época ele era o vice de futebol, mas era quem mandava no clube e lutou pelos direitos do clube. A solução foi entrar na Justiça do Trabalho pra conseguir minha liberação, 10 dias depois o mercado europeu fechou e fiquei preso. O destino me ajudou muito, apareceu um clube que não era a primeira opção, o Lyon, que conhecia muito pouco. Alguns torcedores talvez não entendam essa saída, mas a maioria entende. E com essa volta, a preferência que sempre dei ao Vasco, provou que não foi nada pessoal. Se fiz certo ou errado, as pessoas que têm que analisar isso. Não tenho rancor de ninguém, talvez naquele momento houve uma troca de palavras mais forte de um lado ou de outro. Saí porque tinha que sair.

\"Juninho


Você foi para o Lyon, um clube desconhecido no Brasil e também na Europa. Qual o tamanho da sua participação em colocá-lo em evidência?

Acho que colaborei muito sim, cheguei num bom momento, o time vinha crescendo, estava chegando perto da sua primeira conquista. Ficou em segundo no Francês dois anos antes. Dei a sorte de ter sido campeão logo na minha chegada, e colaborado muito depois. Realmente consegui marcar a história do Lyon, mas é difícil falar de mim, da minha importância. Lá me tornei o primeiro ou o segundo maior jogador da história do clube. Ser considerado assim são pouquíssimos jogadores brasileiros que vão conseguir.

Você chegou a ser convidado para trabalhar no clube quando encerrar a carreira? Voltaria para o Lyon?


Quando saí do Lyon tinha um ano de contrato ainda, não foi fácil. Todo mundo imaginava que terminaria a carreira lá. Houve um reconhecimento muito grande da parte deles, e o presidente me fez o convite dizendo que eu iria voltar pro clube. Em que função, como e quando seria, não sei. Mas existe grande possibilidade, passa na minha cabeça sim, mas difícil saber em qual função seria. É um dos planos pra recomeçar no clube. Ainda sou jogador e espero aproveitar um tempinho como profissional. Quero voltar para alguma função que tenha prazer e que me sinta capaz de fazer, não quero só voltar por ser ídolo, mas por ser capaz.

E com o que você pretende trabalhar ao encerrar a carreira?

A coisa mais difícil para ex-jogador é definir o que ele quer, não tenho essa resposta agora, penso há muitos anos e ainda não sei, não é facil essa transição. Prefiro não definir ainda o que vou fazer, mas tem que ser bem ligada ao futebol.

Naquela época do Vasco, você viveu situações como festa após perder título mundial e volta olímpica sem jogo encerrado. Você não participou desses episódios. Por quê?

Saiu da intuição de cada um naquele momento. Não quero comentar sobre isso, fiz o que achava que tinha de fazer, mas não porque comigo tinha de ser assim, por impor meu modo de pensar. Sempre busquei fazer o meu dentro de campo, treino o meu melhor que posso para isso.

No Mundial de 2000, contra o Corinthians, há um lance em que muitos dizem que você deveria ter chutado a gol, mas tocou para o Edmundo. Você se arrepende da sua decisão?

Poderia ter chutado a bola realmente, talvez seria mais uma oportunidade de fazer um gol histórico, mas no momento achei que tinha que dar a bola no meio da área e eles (Romário e Edmundo) não acompanharam a jogada. Se eu pudesse voltar no tempo eu ia chutar no gol, mas às vezes se toma decisão no último momento pensando sempre em fazer o melhor. Não foi a decisão mais acertada, eu já estava na área... Mas a vida não é feita só de glórias. Também tive momentos negativos. Para aprender olho para trás para não repetir. De repente nem estaria naquele Mundial, era para ter feito o gol contra o River e não aquele do Mundial que me marcaria muito mais. Reconheço que errei.

\"Juninho


Você teve grandes momentos na carreira, mas foi convocado poucas vezes para a seleção e foi em apenas uma Copa. Por quê?

Em 2008, se não tivesse me machucado sei que iria pra Copa Ouro em janeiro, mas não sei se realmente iria para a Copa do Mundo. Acho que a verdade é que nunca consegui me firmar na seleção como sempre me firmei nos clubes. Tive a sorte de marcar a história dos clubes que passei sendo sempre considerado um dos melhores desses clubes. Única coisa que faltou na carreira foi ser campeão mundial pela seleção ou pelo Vasco. Fico feliz por ter participado de 34, 35 jogos, feito alguns gols, ganhei a Copa das Confederações (2005). Com muitos jogadores aconteceu o que aconteceu comigo, de ter dificuldades, a disputa é muito grande. Tem que estar no bom momento e boa hora pra se firmar, que seja num jogo marcante, um gol ou sequência de ser titular muitos anos, são poucos que conseguem. Sempre sonhei em ser campeão do mundo, mas entendo que a vida é assim. Outros campeões do mundo não marcaram história no clube como eu e muitos melhores do que eu também não foram campeões do mundo. Por ter marcado o Vasco e o Lyon, isso já me deixa muito feliz, sem nenhum lamentação. Quem sabe posso ser campeão do mundo de outra forma.

Em 2006, você finalmente foi à Copa, mas participou pouco. No jogo contra a França, assim que acabou, declarou que seu ciclo havia terminado na seleção. Aconteceu alguma coisa?

Eu achava que quando se perde uma Copa do Mundo, principalmente no Brasil, que tem tanta cobrança, é natural que haja renovação. Achava que com 31 anos faria parte dessa mudança, seleção não tem que ter carreira cativa, colaboraria falando isso. Havia muita expectativa, o time era muito bom, mas não aconteceu. Perdemos num jogo difícil, 1 a 0, numa bola parada. Não jogamos tudo o que a gente podia jogar. Foi isso.

A decisão de ir para o Qatar foi pela questão financeira?

Não, pesou o desgate do último ano no Lyon. Depois de sermos campeões sete anos seguidos, ficamos em terceiro naquele ano. Achava que havia se encerrado o ciclo, tinha campanha paro Lyon não ser mais campeão, porque estava reduzindo o futebol francês a um clube. Consequentemente foi um ano bem desgastante para mim, por ser brasileiro, sete vezes campeão, a cobrança aumentou. Diferentemente daqui, que quando chega estrangeiro já joga, a imprensa reconhece o estrangeiro muito mais facilmente como Conca, Loco, Herrera. Lá fora é diferente, cada vez que ganha é mais cobrado pra fazer mais. Não achava que era correto aquilo e restava um ano de contrato. Não estava mais curtindo a vida fora de campo, queria curtir mais. Tinha duas opções: ou voltava para o Brasil ou ia para um futebol menos competitivo, esse foi o acordo com o presidente. Acabei decidindo pelo Qatar, fui ganhando o mesmo que no Lyon praticamente. O futebol lá não é tão fácil quanto se imagina, mas fui para jogar futebol e também pude curtir mais a vida, a qualidade de vida boa, podia ter ficado.

Houve proposta do Vasco em 2008/2009? Por que não voltou antes?

Sempre existia a possibilidade de voltar para o Vasco. Mas queria um pouco mais de tranquilidade, não queria todo esse desgate.

A cobrança de falta é sua marca registrada. Como começou, aquele quique que engana o goleiro é puramente treino?

Sempre fui batedor de falta desde a categoria de base, sempre gostei de treinar após os treinos. No Brasil, dividi com outros grandes batedores, logo a possbilidade de fazer gols diminui. O jogador brasileiro, do jeito que é bom tecnicamente, é natural que bata faltas bem. No Lyon não tinha nenhum, foi a grande oportunidade da minha vida. Fui evoluindo, treinando de mais longe, foi o melhor momento da minha carreira. Era o único, batia tudo. Dos 100 gols que fiz, 44 foram de falta. Quando fazia gol de falta a gente nunca perdia, tinha essa coincidência. Lá, comecei a treinar essa bola que bate antes, que é mais distante. Às vezes no campo molhado e gramado duro, sobe um pouco mais do que o goleiro imagina, foi treinando nessas variações que fui descobrindo outras formas. Espero evoluir ainda mais.

Você reconhece que a sua volta foi melhor do que esperava. Já decidiu o que vai fazer ano que vem, se encerra a carreira no Vasco?

Vou esperar. Começou tudo bem para mim, quero dar sequência. A situação na tabela é boa, vamos continuar lutando e acreditar no nosso potencial. Depois vou decidir em dezembro o que vou fazer. Vai depender de como eu vou terminar o ano e de como o Vasco vai terminar o ano.

Fonte: Jornal O Globo
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