A partida Fluminense x Olimpia transformou o gramado do Maracanã de coadjuvante em protagonista. Isso porque o campo virou um lamaçal após duas partidas seguidas de Fluminense e Vasco. Como consequência, houve troca de acusações entre os clubes pela qualidade do solo.
Mas por que a grama do Maracanã tem apresentado problemas de qualidade durante a temporada? Por que será necessário fechar o estádio por 20 dias até a Copa do Brasil para recuperar o campo?
Para responder à pergunta, é preciso ler um relatório de maio de 2023 feito pela engenheira agrônoma Maristela Kuhn. Contratada pela gestão do Maracanã, ela é uma referência na área e cuidou dos gramados da Copa-2014. Seus dados foram cruzados pelo UOL com informações da gestão do estádio carioca.
O laudo aponta três principais problemas:
1) sombreamento de uma parte do campo pela nova cobertura feita para a Copa
2) excesso de jogos em períodos de um mês
3) aquecimento dos times realizado no campo, que aumenta o desgaste
Sombra
A cobertura de lona feita para a Copa é maior do que a anterior do Maracanã. Com isso, há uma sombra na área do gol Norte, onde bate pouco sol.
No verão, até fevereiro, isso não é um problema pelo sol forte no Rio. Mas, de abril a setembro, seria preciso trocar a grama de versão (Bermuda) pela de inverno (ryegrass). O Rio, no entanto, continua quente, obrigando que a substituição seja feita mais tarde. Então, há uma grama que precisa de mais luz quando não há tanto sol durante alguns meses.
Refletores são usados para compensar. Próximo de setembro, a grama de inverno começa a definhar. É o período em que estamos.
Desta forma, há um período mais crítico do ano, geralmente nos meses de abril, maio e setembro (quando o ryegrass já começa a definhar). Isto pode variar, de acordo, com o mês em que o ryegrass for semeado e com as variações de temperatura no período de inverno a cada ano, que vão interferir no estabelecimento, desenvolvimento e na persistência da grama de inverno.
Trecho do relatório da engenheira Maristela Kuhn
Excesso de jogos
O principal problema é a carga elevada de jogos. Pelo relatório, o Maracanã deveria ter idealmente de 4 a 6 jogos por mês. Poderia, sim, chegar a um número de 60 em um ano desde que essas partidas fossem bem distribuídas pelo ano.
Para um campo de estádio, em que se deseja manter uma superfície de alta performance para as partidas, considera-se adequada uma carga de uso entre 4 e 6 jogos por mês (sem treinamentos ou aquecimentos pesados dentro do campo). Nos últimos 30 dias que antecederam esta inspeção, a caga de uso tinha sido de 12 jogos, o dobro do tolerado ou recomendado.
Trecho do relatório da engenheira Maristela Kuhn
A questão é que o calendário do futebol brasileiro prevê um número maior de jogos no período de outono e inverno, isto é, de abril a setembro. Há três competições, Libertadores, Copa do Brasil e Brasileiro, em que Flamengo e Fluminense atuam constantemente.
No verão, quando o gramado sofre menos, só há o Estadual, com carga menor de jogos. Os campeonatos teriam de ser melhor distribuídos pelo ano como ocorre na Europa.
No total, já houve 55 partidas no Maracanã em 2023. O Vasco x Atlético-MG foi o quarto em oito dias. Normalmente, a recomendação de Maristela Kuhn é de que fossem jogadas sementes logo após os jogos para recuperação da grama ryegrass. No final de semana, houve um jogo menos de 24 horas de intervalo e o replantio ocorreu na segunda.
"Deve-se considerar que os danos por pisoteio são cumulativos. O gramado, sendo um ser vivo, precisa de um tempo para sua recuperação, mesmo em períodos de crescimento ativo e com manutenção adequada", diz o relatório.
A partir de setembro e outubro, em geral, reduz-se o número de jogos por datas-Fifa. É justamente quando chega a primavera e as condições do campo começa a melhorar.
Aquecimento
O relatório de Maristela Kuhn aponta que o aquecimento no campo do jogo é uma atividade que desgasta tanto ou mais do que os jogos.
"Além da carga de uso frequente, deve-se considerar o dano potencializado que os aquecimentos localizados trazem ao gramado. Prova disso é que não são somente os locais de mais uso do campo durante as partidas, (como a frente dos gols) que se apresentam com desgastes visíveis", diz o texto.
Pela apuração do blog, o principal problema são atividades intensas com vários jogadores, com rodas de passes. O relatório aponta que isso causa tração no gramado, desgastando-o.
A recomendação é que o aquecimento seja feito em áreas alternativas, na área externa ou em locais com grama sintética. As áreas do goleiro, como o prejudicado setor do gol Norte, deveriam ser preservados com aquecimentos com traves móveis nas laterais. Os setores à frente da área de técnicos também são prejudicados.
A gestão do Maracanã já pediu para que sejam diminuídos os aquecimentos nos gramados. Mas o regulamento da CBF diz que eles podem ocorrer por 50 minutos antes do jogo. A Conmebol também exige a atividade. Ambas não admitiram mexer nas regras. Na visão da administração do estádio, é como se houvesse três tempos em cada jogo.