Setembro de 1997, Vasco e Internacional empatavam em São Januário. No meio do segundo tempo o técnico Antônio Lopes promove a estreia de um garoto de 18 anos chamado Filipe Alvim. No rebote da falta cobrada por Ramon, o jovem pega de primeira e garante mais uma vitória vascaína na campanha que levou o time de São Januário ao terceiro título brasileiro. Doze anos mais tarde, o centenário clube que defendeu por nove anos está na luta para voltar à Primeira Divisão do futebol brasileiro, enquanto Filipe agradece a Deus e a competentes cardiologistas por estar vivo.
Nascido em Palma, cidade próxima à Zona da Mata mineira, Filipe Alvim Maluf hoje está com 30 anos e vive em Juiz de Fora. Há quatro anos longe do futebol, o ex-lateral, com passagens também por Juventude, Acadêmica Coimbra (POR), Corinthians, Santa Cruz, Bahia e seleções brasileiras de base, agora dá palestras anti-álcool, onde também conta um pouco da séria arritmia cardíaca que passou, está formado em Educação Física e se prepara para iniciar estágios com técnicos de futebol.
Religioso, Filipe não gosta de se referir ao problema no coração como uma tragédia, mas sabe que correu risco de não poder criar o filho Davi Salomão, de três anos, fruto do casamento com Jozi, que conheceu quando defendia o Juventude, em Caxias do Sul.
- Tenho plena convicção de que poderia ter morrido. Digo isso com grande autoridade. O que aconteceu com aquela turma, Serginho (ex-São Caetano), Fehér (atacante húngaro Miklós Fehér), tinha 99% de chance de acontecer comigo. O que eu sentia eram coisas muito fortes, e os exames mostravam como eram sérias lembra Filipe.
Foi em 2003, quando jogava pelo Acadêmica de Coimbra (POR), que Filipe começou a sentir um mal-estar em treinos e jogos. Examinado pelos médicos portugueses, nada era constatado. Acreditavam que podia ser uma bronquite ou asma. Durante cerca de seis meses jogou pelo time português e depois pelo Corinthians, clube que o repatriou em 2004. Algumas vezes ele sentia o incômodo:
- Foi Deus que me levantou. E colocou no meu caminho o médico Paulo Faria (do Corinthians). Um profissional diferenciado reconhece.
Pelo clube do Parque São Jorge, Filipe atravessava excelente fase, era titular e uma das peças que tirou o time paulista da zona de rebaixamento e por pouco não o levou à Libertadores. Mas na última partida do Brasileirão, aos 30 minutos do segundo tempo, sentiu novamente falta de ar e saiu do jogo:
- A garganta travava. Em dois ou três minutos voltava ao normal, mas o Paulo Faria pediu para que eu saísse. Quando chegamos a São Paulo fizemos exames. Depois que apareceu a arritmia e eu soube o que poderia ter acontecido, fiquei com o triplo do que tinha, pelo psicológico.
Obrigado a parar de jogar futebol aos 26 anos, Filpe Alvim hoje vive com o que recebe do INSS e com o dinheiro administrado ao longo de apenas sete anos como profissional.
- Tudo o que consegui ganhar, eu investi. Fui muito consciente. Não esbanjava e hoje tenho condição de ter uma vida legal. Sou feliz com o que tive e o que tenho.
Saudade ele tem do tempo de jogador, que começou no Vasco em 1992, de onde só saiu em 2001, para o Juventude. Pelo clube de São Januário, Filipe venceu o Brasileirão de 1997 e fez parte da conquista inédita da Libertadores de 1998.
- Procuro nem pensar muito em futebol, porque eu sinto muita falta. Gosto de ver aos jogos decisivos, os amigos atuando. Mas tenho um bloqueio, por sentir essa vontade. São quatro anos já, mas parece que é recente diz Filipe, se reconfortando com os amigos que fez no esporte - Hoje eu prefiro esquecer que poderia estar jogando, e fico satisfeito de manter as boas amizades que fiz dentro do futebol.
Dentro de campo o Edmundo era sinistro, se transformava, mas fora era uma ótima pessoa de se conviver
Quando lembra dos times do Vasco que fez parte, campeão brasileiro, depois da Libertadores e também vice-mundial em Tóquio, ele recorda de dois jogadores. Para o ex-lateral, que também atuou como zagueiro e volante, Mauro Galvão e Edmundo foram marcantes.
- O Mauro foi uma pessoa com quem aprendi muito. Sempre me deu muita atenção. Cresci muito profissionalmente com ele. O Edmundo dentro de campo era sinistro, se transformava, mas fora era uma pessoa muito boa pessoa de se conviver. Aquele grupo de 97 era ótimo, não foi à toa que conquistou o que conquistou relembra, saudoso, citando também Juninho, Ramon, Carlos Germano e Felipe.
Até junho, Filipe Alvim deve iniciar um primeiro estágio em clubes, com o amigo Tite, ex-treinador dele no Corinthians e hoje técnico do Internacional. Voluntário em escolinhas de futebol e clubes da cidade mais carioca de Minas Gerais, ele acabou de concluir a faculdade de Educação Física. Na monografia, o tema foi a influência das aulas de futebol na vida das crianças.
A fala mansa, típica mineira, e a humildade não escondem a sensação de que ainda pode contribuir muito para o futebol profissional. Mas e as fortes emoções não seriam um perigo para o coração?
- Eu encararia (trabalhar em um clube). É o que pretendo. Eu sei que tenho e sinto minhas limitações, mas assinaria os documentos necessários para isso - diz Filipe Alvim, um exemplo muito vivo de que o amor pelo esporte não pode ser maior do que pela vida - Enquanto isso, fico na minha, ao lado da minha família.