Quando arrumou as malas para deixar Campinas, em dezembro de 2012, após o fim do empréstimo a Ponte Preta, Enrico não podia imaginar que não calçaria mais as chuteiras para um jogo oficial no futebol brasileiro. Desde então, em calvário incomum no dinâmico mercado da bola, conviveu com o ostracismo no Vasco, provocado por escolhas técnicas, uma lesão rara na fíbula e a certeza de que para retomar a alegria no futebol o melhor remédio era voltar à Suécia, onde fez sucesso entre 2006 e 2008. Com um jeito "zen", como definiu, o meia diz que jamais pensou em parar e foi amparado por um longo contrato com o Cruz-maltino.
Encontrado pelo empresário Carlos Leite no frio de Estocolmo, Enrico foi uma das apostas para o time recém-rebaixado de 2009. Fez três gols nos primeiros meses, sempre frequentou as relações de Dorival Júnior, mas perdeu espaço no fim da temporada. Liberado para o Coritiba, foi escolhido para a seleção da Série B em 2010. Voltou com moral para São Januário, mas, diante da construção do Trem-Bala da Colina, com Felipe, Diego Souza, Eder Luis e Alecsandro - e o reforço de Juninho depois do título da Copa do Brasil -, não teve chances de se destacar.
A saída era iminente quando o primeiro vínculo acabou. Mas a parceria com Leite e as esperanças de que o jogador ainda vingaria garantiram a renovação por mais três temporadas e o empréstimo automático para o Ceará, no segundo semestre de 2011. No entanto, de lá para cá, Enrico sequer entrou em campo pelo Vasco. Passou pela Ponte Preta também até iniciar sua fase de esquecimento. Muitos torcedores não acreditam quando se deparam com a informação de que ele seguia na folha de pagamento da administração de Roberto Dinamite até o último dia 30 de maio, data em que depois de cinco anos e meio, deixou de frequentar o clube.
Sem culpa diante das circunstâncias, o meia dá sua versão aos fatos e agradece o tratamento dado pelo Vasco no momento difícil - mesmo com o afastamento decidido por Gaúcho, em 2013, quando imaginava ser aproveitado. A saudade de exercer a profissão é que aperta o coração.
- Fiquei chateado, mas é um direito do treinador. Não tenho nada para falar de ruim do Vasco. Sou bem zen com isso, sabe? Me deram respaldo e todas as condições para que eu me tratasse. E tenho consciência de que não fiz nada mais, nada menos do que poderia fazer no tratamento. Estou com saudade de jogar, lógico que esse tempo machuca, mas só pensava em ter força interior para saber o que fazer. Se não deu certo, não foi minha opção. Gostaria de estar em outra situação. Agora, é bola para frente.
O rumo de vários colegas, em épocas diferentes, foi pedir a rescisão na Justiça, por causa da crise financeira no Vasco. Enrico admite que a diretoria costumava atrasar um pouco mais os salários de quem não jogava. Mas não poderia abrir mão do que era oferecido.
- Vou sair para que? Ficar em casa e minha mãe colocar gelo em mim? - rebateu, sincero.
O DRAMA DA LESÃO DESCONHECIDA
A chance de dar a volta por cima bateu na trave. Reintegrado por Paulo Autuori, há cerca de um ano, Enrico passou a sentir dores fortes no joelho esquerdo. Infiltração, PRP (plasma rico em plaquetas) foram alguns dos procedimentos repetidos, mas nada funcionou. Em exame mais detalhado, ficou constatado que um osso pressionava o nervo fibular e o impedia de fazer movimentos bruscos. O chefe do departamento médico cruz-maltino, Clóvis Munhoz, disse que não sabia operar tal problema. O jogador ligou para seu tio, Ronaldo Nazaré, ex-médico do Cruzeiro e da Seleção, e só em novembro acharam um especialista que aceitou o caso.
- Fiquei assustado com a falta de informações. Eu me perguntava: será que eu sou anormal? O que tem na minha perna? A Vanessa (Knust, fisioterapeuta do Vasco) pediu meus exames para usar na aula dela que ela dá na faculdade - conta Enrico.
Recuperado, teve a companhia de seis medalhões na mesma situação depois de nova queda da elite do clube e viu seus dias serem menos solitários. Três deles (Michel Alves, Nei e Sandro Silva) permanecem encostados, recebendo salários, à procura de uma equipe que lhes interesse jogar. O lateral e o volante já recusaram propostas que consideraram menos "atraentes".
- Pelo menos, tinha o Michel Alves para chutar umas bolas para o gol - brincou o meia.
Náutico, Santa Cruz, Atlético-GO, Vila Nova, Figueirense... todos estes clubes sondaram Enrico, que já não tinha mais o apoio de um representante, entre 2013 e o início de 2014. Explica que se viu obrigado a recusar para não "enganar" ninguém. Sem esposa e filhos, a vontade de receber carinho na Suécia bateu mais forte e, em maio, tomou a decisão de entregar o confortável apartamento no Leblon, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, para, de certo modo, recomeçar aos 30 anos de idade.
- Se não tivesse me machucado, teria 30, 40 clubes bons para se jogar. Isso atrasou muito a minha carreira. Aos poucos, as oportunidades foram diminuindo, então não queria me aventurar num lugar sem estrutura, sem receber em dia. É uma questão de qualidade de vida mesmo. Morei três anos lá, tenho ciclo de amizade até hoje, via skype e facebook. Já passeis férias depois de ter saído. É frio, é escuro, o povo não tem tanto calor humano, mas é um país organizado, limpo e a Série A é competitiva. É de segunda linha no futebol europeu, mas as ligas estão de olho. É a ponte para subir de novo e - quem sabe? - chegar a um clube grande - sonha.
Segundo o ex-meia vascaíno, são três times atrás de sua contratação, mas o Djurgarden, sua casa na primeira passagem, leva vantagem. Naquela época, enfrentou Henrik Larson, famoso atacante sueco que estava próximo de pendurar as chuteiras. E foi apresentado a Ibrahimovic, que já brilhava no Internazionale, da Itália, em uma casa noturna: "Zlatan é uma lenda nacional, maior do que qualquer um aqui no Brasil", relatou.
COMPORTAMENTO "ANTI-BOLEIRO"
Recheado por tatuagens, solteiro convicto até começar a namorar sério há quatro meses e sem descartar uma boa festa, à primeira vista Enrico não foge do estilo da classe. Mas além de ser articulado em virtude da da boa educação que recebeu em Belo Horizonte, nunca foi chegado às promovidas pelos boleiros, não é adepto de roupas e acessórios milionários e não fez questão, por exemplo, de ter pagar uma assessoria de imprensa para trabalhar.
- No dia a dia sempre foi normal, brincadeiras no vestiário e tal. Mas meus amigos são de fora do futebol. Ali era difícil, por várias razões. Tem o grupo dos casados, que mora no mesmo condomínio, e temo dos solteiros, que é de uma bagunça que não é a minha. As mulheres que eles encaram são brincadeira. Dá para um aqui, depois vai direto para o quarto do outro...
O pagode e o funk, moda inabalável no futebol, também não lhe agradam muito. Fã de música eletrônica, acompanha as notícias sobre os principais DJ´s do mundo e gosta de frequentar as noites que toquem o ritmo. Mas, em ótima forma apesar do tempo parado, garante que nunca se descuidou e cumpria à risca as orientações do departamento médico e de fisioterapia.
Enrico elegeu o grupo de 2009 como o melhor com o qual trabalhou no Vasco, justamente por ser o mais fácil de se enturmar e no qual havia menos vaidades em torno do objetivo.
- Era muita gente desconhecida, então todo mundo era gente boa com todo mundo. Tinha estrelas, como o Carlos Alberto e o Léo Lima, mas estávamos unidos e num mesmo nível.