Não há obstáculos intransponíveis para Emily Rosa, de 1,48m e 49 kg. Primeira mulher campeã mundial no levantamento de peso olímpico (LPO) no sub-17, ela amassou os desafios — até em forma de latas na rua para vender — para brilhar no futuro. Mais precisamente nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, a 18.533 quilômetros da terrinha natal: Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Aos 7 anos, a menina aprendeu o sentido da força de vontade e correr atrás de um sonho. Em seis meses, catou alumínios por onde andava e lotou dois carros. Com o dinheiro arrecado, conseguiu comprar um collant para competir na ginástica artística. Precisava de R$ 80 na época, mas foi além — R$ 120 no total.
— Minha avó juntava latinha para ganhar dinheiro e vi ali a minha chance de ter o uniforme. Não tinha vergonha de pegar em qualquer lugar, lixo, no chão. Até briguei com uma moradora de rua. Só tinha sete anos — diz.
Muito antes de se dedicar ao LPO, Emily se empenhava em fazer acrobacias. Saltar, pular, dançar e dar piruetas hipnotizaram a menina de quatro anos pela TV. Convencer a mãe foi uma tarefa difícil e ela precisou de um ano para conseguir entrar num projeto social.
Em três meses, despertou a atenção e foi indicada ao Flamengo. Na Gávea, foram anos de angústia e felicidade. A falta de dinheiro para o transporte e alimentação acabaram com o sonho do tablado. Emily ficou dos 6 aos 12 anos, mesma época de Jade Barbosa e dos irmãos Hypolito, apesar de ser mais nova que o trio:
— Enchia o saco da Daniele e do Diego para tirar fotos e pedir autógrafos (risos).
Tinha 1,30m e pesava entre 32 e 35kg. Era “anã” para ginástica e tinha corpo de criança, apesar de musculosa. Subia na balança toda semana porque não poderia passar do que era exigido. “Com 38kg, já era considerada gorda”, relembra.
Saída dos tablados
Estudava de manhã, saía 15h do bairro Ambaí, pegava dois ônibus, na ida e na volta, e só retornava às 22h. A mãe, Lucilene, a levava em um ritual diário, que se tornou quase impossível quando o pai, Rogério, intérprete de libras, perdeu o emprego. Ela precisava de alimentação para suportar os treinos e do dinheiro das passagens. Às vezes, ficava sete horas só com a água do bebedouro da Gávea, só tinha arroz e feijão em casa e comia gelatina no café e no jantar.
— Era cansativo e ficou difícil. Lembro que meu lanche era só uma maçã, isso quando podiam comprar. Eu tinha noção e não pedia nada, passava o dia inteiro sem comer e nunca me queixava — relembra.
Emily sempre sonhou disputar uma Olimpíada, e via na ginástica essa chance. Quando soube que precisaria largar, chorou por uma semana. “Foi o pior dia da minha vida”. Mas outra oportunidade bateu à porta: os saltos ornamentais.
Por um ano e meio, treinava no Julio Delamare e ganhava R$ 80 de ajuda de custo. Para economizar, comia no bandejão de R$ 1. Porém, o desinteresse surgiu aos 14 anos, quando percebeu que não tinha talento como as outras meninas.
— Não era tão boa nos saltos, precisava me esforçar mais. Percebi ali que o meu sonho de ir para Olimpíada não aconteceria — diz.
Sem rumo, a jovem foi convencida pela técnica de atletismo da irmã a fazer um teste no projeto de LPO da Marinha, no Cefan. Emily nunca tinha ouvido falar do esporte e só uma coisa a atraiu: uma bolsa para bancar despesas e estudar. Fez o teste junto com Natasha, a irmã, mas achou que nem passaria, pois estava desinteressada. Por ser mais técnica, chamou a atenção do Tenente Aveiro, que já treinou outros talentos da seleção, e ali surgiu uma paixão.
— Ele disse para minha mãe que tínhamos futuro e ganharíamos medalhas. Ela mandou ele parar de mentir (risos) — conta. — Em quatro meses, apresentamos resultados e viajamos para competir fora do país. E lá se vão sete anos no esporte.
Terceiro sargento da Marinha, Emily ganhou o Mundial aos 17 anos, quando nem era favorita. Foi para seleção principal depois que participou do projeto “Vivência Olímpica”, promovido pelo COB para promessas do esporte.
Olho em 2024
A meta é ir a Tóquio-2020, mas ela sabe que seu auge deve acontecer em Paris-2024. Atualmente, treina em São Paulo com o cubano Luiz Lopes, que já formou campeãs olímpicas e mundiais:
— Meu objetivo sempre foi a Olimpíada. Quero ir para 2020, seria a realização de um sonho, o melhor presente. Mas não quero ir por ir, preciso estar 100%. Me vejo num pódio em 2024.
Sem arrependimentos, Emily compara as mudanças de esporte na carreira.
— Não voltaria para ginástica. Foi meu primeiro amor, abriu meus caminhos no esporte. Mas o LPO é a minha vida.