Local de fundação do Vasco, o Centro Cultural Cândido José de Araújo, localizado na Gamboa, região central do Rio de Janeiro, se vê em meio a um impasse e tem futuro incerto, o que vem causando protestos de torcedores. O grupo Guardiões da Colina, que idealizou o projeto, entregou as chaves ontem (30) ao proprietário do imóvel, e o clube, agora, tenta viabilizar parcerias para voltar a utilizá-lo. A Ambev, que colaborou com a iniciativa, afirma que "acompanha a situação de perto".
A casa, localizada na Rua Sacadura Cabral - 345, foi esvaziada e até mesmo a placa de "Aqui nasceu o Vasco" foi retirada. Inaugurado em novembro de 2020, o empreendimento foi rapidamente abraçado pelos cruz-maltinos, que deram nome ao espaço e até mesmo auxiliaram na questão financeira, através de uma ação com o Zé Delivery.
"A gente manteve o espaço com vaquinhas e doações. Por mais que a gente tenha entregue a chave, o que aconteceu ali foi muito especial. O Candinho era aberto a todo mundo, todo mundo era muito bem recebido, e diversos grupos ajudaram. Após a eleição, a ideia era entregar o espaço ao Vasco, para que levasse à frente. E todas as chapas fizeram essa promessa de campanha, de continuar com o projeto. E assim foi feito. Após a eleição, fizemos todo o meio de campo", disse Raphael Pulga, membro do Guardiões da Colina, ao UOL Esporte.
Infelizmente hoje entregamos a chave da sede do @aquinasceuvasco. Um sonho que começou pequeno e virou grande por causa do Vasco e dos vascaínos. Agradecemos a todos que nos ajudaram a concretizar. Ao Vasco, tudo!
— Guardiões da Colina (@GuardioesColina) May 30, 2022
Guardiões da Colina.
Em março do ano passado, houve o primeiro problema com o local. A diretoria do clube não chegou a um acordo com o proprietário para o aluguel, e foi então que a Ambev resolveu ajudar.
Após ter ficado por um triz de ser desativado, o Candinho foi beneficiado por uma parceria entre o Vasco e a Brahma, que "bancou" um contrato de aluguel por um ano. Porém, para que tivesse as portas reabertas, seria necessário uma reforma estrutural, e foi então que surgiu a ação "Candinho — Nossa História Viva", na qual o torcedor contribuiu através de compras no aplicativo Zé Delivery. A meta de R$ 70 mil, com 14 mil cupons de R$ 5, inclusive, foi rapidamente batida.
O primeiro dos três andares do estabelecimento chegou a receber obras, no entanto, não voltou a funcionar. O prazo do aluguel pago se encerrou, e as chaves foram entregues. Agora, segundo o UOL Esporte apurou, a cúpula tem negociações em andamento para viabilizar a reabertura do local. Mas o assunto gera questionamentos sobre os recursos utilizados.
Lembra do Candinho, onde o Vasco nasceu? 👀
— Vasco da Gama (@VascodaGama) September 22, 2021
Trouxemos boas notícias! 😁
Em parceria com a @BrahmaCerveja conseguimos um ano de aluguel para o espaço continuar funcionando e VOCÊ também poder estar junto nessa!
Você que é Brahmeiro vai curtir! 😄
Quer saber como participar? pic.twitter.com/sv54UJkxu8
A diretoria vascaína entende que o valor apresentado para os aluguéis não se encaixa na atual realidade, mas entende que o local tem grande importância para a história do clube, e busca caminhos para manter o projeto
Questionada sobre a situação, a Ambev respondeu, em nota. "Não abrimos informações contratuais, mas o acordo para o Candinho foi cumprido, em prol da manutenção do local que é tão importante para a história do clube. Estamos acompanhando a situação de perto e esperamos que se resolva o mais rápido possível".
Durante o período de isolamento devido aos cuidados por conta do alto número de contágio do coronavírus, um tour virtual chegou a ser disponibilizado.
No endereço onde hoje é o Centro Cultural Cândido José de Araújo foi onde aconteceu a reunião de fundação do Vasco em 1898, e foi "descoberto" recentemente. Durante muito tempo, imaginou-se que o local de fundação do Vasco da Gama havia sido em outro ponto. Por conta da dificuldade de registros e documentos, por décadas, achou-se que a reunião que fundou o clube teria acontecido na sede da Sociedade Dramática Particular Filhos de Talma, importante reveladora de artistas amadores da época.
Um evento em 2011, com o presidente vascaíno da ocasião, Roberto Dinamite, aconteceu no local para celebrar o feito, inclusive.
O verdadeiro local foi conhecido e revelado tempos depois com a ajuda do historiador vascaíno Henrique Hubner, que já fez parte do Centro de Memória do clube. O nome do local foi escolhido em uma votação popular.
Quem foi Cândido José de Araújo?
Candinho, como era conhecido entre os vascaínos, foi eleito em 7 de agosto de 1904, quando o futebol ainda não havia sido instituído no Vasco. Foi com ele que o clube conquistou seus dois primeiros títulos no remo, esporte tradicional da época. O bicampeonato foi fundamental para que o Cruz-Maltino aumentasse seu prestígio no cenário nacional.
Um ano antes de sua posse, foi o homem responsável por captar o maior número de sócios para o clube, feito que o fez receber como honraria uma medalha por sua contribuição ao Vasco.
Cândido José de Araújo, que era de uma família que ascendeu, se tornou o oitavo presidente do clube apenas 16 anos depois da abolição da escravatura, quando a sociedade carregava um extremo racismo.
Pequena África
O bairro da Gamboa, em que está a casa onde o Vasco nasceu, faz parte de uma localidade no Rio de Janeiro que ficou conhecida como Pequena África, que compreende ainda os bairros da Saúde, Santo Cristo e a zona portuária. Fica próxima ao Centro da cidade.
O nome de Pequena África foi dado pelo compositor Heitor dos Prazeres no começo do século 20 e já apareceu em algumas publicações, assim como músicas e enredos de Escola de Samba.
A região tem pontos como o Morro da Conceição, a Pedra do Sal, o Largo de São Francisco da Prainha, Cemitério dos Pretos Novos, o Jardim Suspenso do Valongo, e o Cais do Valongo, declarado Patrimônio da Humanidade em 2017, pelo Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
A localidade tem grande importância na história da cultura afro-brasileira. Inaugurado em 1811, o cais foi o principal ponto de desembarque de escravos africanos nas três Américas. Naquela área, que ainda não era urbanizada, eram feitos o trânsito e o comércio de escravos.
Após a proibição do comércio de escravos no Brasil, escravos libertos passaram a trabalhar na região. Na virada do século 19 para o século 20, negros de diversas partes do país foram para a região em busca de trabalho e acolhimento.
Atualmente, há roteiros de visita pelos diversos pontos da Pequena África. Apesar da revitalização de alguns lugares, muitos locais importantes ainda sofrem com os recursos escassos.