Sucessor de Alexandre Campello na presidência do Vasco, Jorge Salgado entra no sexto mês de seu mandato sem vice-presidente de futebol. O cargo é político, não-remunerado e ficou em evidência do clube de São Januário pela marca de Eurico Miranda, com muito sucesso no fim dos anos 1980 e anos 1990.
Nos 10 anos da Copa do Brasil, conquistada em 8 de junho de 2011, José Hamilton Mandarino era o vice-presidente de futebol. Personagem bem mais discreto, Mandarino, como era chamado, se distanciou há muitos anos do clube. Na última eleição, teve nome colocado na chapa de Campello, que foi médico durante sua gestão e o operou há muitos anos, mas passou longe da campanha.
Em entrevista ao ge para relembrar a conquista, de sua casa em São Conrado, o empresário revela que recusou reiterados convites da gestão Campello para voltar à vice-presidência. Os motivos são vários, mas passam também por assunto particular e trágico, que, obviamente, o ex-dirigente evita e o machuca eternamente. Em dezembro de 2014, Adriana, filha de Mandarino, faleceu após atropelamento no Rio de Janeiro.
Na longa conversa, o empresário, um apaixonado por corrida de cavalos, conta que não se vê de volta no clube do coração.
- Até hoje torcedores me falam: “Mandarino, por que você não volta?” Eu tenho paixão que não tem limites pelo Vasco. O Vasco me perturba, eu vejo jogo aqui (no escritório) e fico tomado pela emoção. Isso é uma realidade. Mas tenho outras preocupações, já tive minha experiência no passado. E tenho minhas questões pessoais e da minha empresa - explica Mandarino, empresário do ramo de extração e refino de sal no Brasil.
Mandarino conta que teve aborrecimentos e prejuízos nos tempos de certa ausência nos negócios em função do Vasco. Perdia noites de sono com os problemas no clube, que vivia com salários atrasados - dizia aos jogadores que em alguns momentos iria “engasgar” o pagamento, mas “depois desengasgar”. Hoje, depois dos 70 anos, saiu de escritório na Praça XV, no Rio de Janeiro, e passou a trabalhar próximo de casa. De onde dificilmente sai em tempos de pandemia.
- Para estar num papel desse não pode ficar no meio do caminho. Ou você se dispõe e vai com tudo. Ou não vai. Eu não ia a São Januário desde 2012. Só fui votar nessa última eleição, mas não pisava lá há muito - diz ele, que foi processado por Eurico e por Romário por declarações a respeito de acordo que o clube fez com o antigo dono da camisa 11.
Se meu joelho...
A lembrança da Copa do Brasil é motivo de alegria para Mandarino, apesar de todas dificuldades que passou em São Januário. Curiosamente, até a volta olímpica no Estádio Couto Pereira, em Curitiba, virou um desafio. Quando desceu ao gramado para comemorar, pisou em falso num desnível do gramado e se machucou.
- Meu joelho foi para o espaço – conta.
Passou a caminhar acompanhado das filhas Mariana e Adriana e com o filho Rafael ao lado. Depois, passou a “noite memorável” no restaurante de comemoração do título sentado.
O time campeão da Copa do Brasil começou a ser formado depois da queda para a Série B no fim de 2008. Mandarino assumiu a vice-presidência de futebol, contratou o executivo de futebol Rodrigo Caetano, o técnico Dorival Junior e passou a buscar formas de contratar com parcos recursos - aliás, uma realidade que acompanha o Vasco dez anos depois.
Dessa maneira, buscaram Alecsandro no Internacional, Diego Souza no Atlético-MG, Anderson Martins no Vitória. Com parcerias com empresários como Carlos Leite - a quem Mandarino já conhecia pela família portuguesa dona de mercados no Rio de Janeiro - e Eduardo Uram, entre outros.
O ex-dirigente ressalta que eram acordos frágeis, mas entende que era o que podia ser feito naquele momento. Em outras palavras, se o jogador fosse bem, o clube não teria o que fazer. Perderia esses atletas, como aconteceu no desmanche em 2012, depois da eliminação na Libertadores, na derrota para o Corinthians.
Uma das histórias curiosas dessa montagem vem da chegada de Dedé, ídolo do torcedor vascaíno e talvez o maior símbolo daquela Copa do Brasil. Mandarino assistia pela TV a um jogo do Volta Redonda e via um garoto grandalhão na zaga ao lado de Junior Baiano, ainda em atividade no time da Cidade do Aço.
- Era novinho, se desdobrava na defesa contra todo mundo. Tinha aquele jeito de correr, sempre pisou meio esquisito (risos), mas tinha muita velocidade, agilidade. Eu pego o telefone e ligo para o Rodrigo (Caetano) para contratarmos. Evidentemente que não custava “nada”, mas mesmo para um jogador barato era investimento para uma situação de clube que estava em penúria financeira – recorda Madarino, orgulhoso da dupla que juntou na zaga.
- Dedé e Anderson Martins era certamente a melhor dupla de zaga do futebol brasileiro naquele momento. Aquele Vasco era um adversário terrível para qualquer equipe brasileira. Mas era aquilo: acordos frágeis porque tínhamos capacidade quase zero de investir.
A traição interna
Um dos episódios mais controversos da passagem de Mandarino pelo Vasco foi conversa gravada em que ele saía enfurecido de reunião do Conselho de Beneméritos em São Januário. Um então aliado o gravou - com equipamento escondido no bolso - ofendendo os beneméritos. Mandarino prefere esquecer, mas se lembra de ser cobrado por conhecidos que ficaram chateados com o que vazou.
Dizia a esses que, evidentemente, não disse aquilo de maneira generalizada, mas era um desabafo em clima do clima hostil da reunião que presenciou.
- Minha relação com algumas pessoas do clube se deteriorou e esse episódio do gravador no paletó... Bem, a vida é uma luta incessante por espaços. Acho que houve incômodos naquele momento em que tinha papel ali no futebol.
Nos últimos tempos, Mandarino passa longe de ter qualquer papel no Vasco. Quando Campello o convidou para fazer parte da chapa, avisou que não se meteria mais na política, mas disse que poderia ter seu nome listado entre os conselheiros sem problema. “Participação zero”, disse ao agora ex-presidente.
E de longe deve seguir Mandarino. Ao Vasco dedica a torcida na TV e ainda algumas poucas conversas com amigos que ficaram do futebol. Com pandemia e todos cuidados com coronavírus, aquela festa que invadiu as ruas do Rio e entrou por São Januário vão seguir apenas como retratos na parede. Nela, a eterna lembrança do abraço forte dos três filhos e de uma taça inédita de tempos duros no clube de São Januário.