Futebol

Marcelo de Lima Henrique assume e lamenta erro na final

Marido de uma vascaína (Sandra, de 38 anos), pai de um vascaíno (Pedro, de 19), de um rubro-negro (Marcelo Henrique, de 17) e de uma tricolor (Luiza, de 15), o árbitro Marcelo de Lima Henrique, de 42 anos, garante que não precisa recorrer à patente de militar — é primeiro sargento dos fuzileiro navais, no Cefan — para manter a ordem em casa. Mesmo após o erro na decisão do Carioca, onde, com um gol irregular de Márcio Araújo, o Flamengo foi campeão ao empatar com o Vasco. Com tranquilidade e coragem, ele fala sobre o fato de ter sido o personagem principal em uma das mais polêmicas finais de estadual da história.

O DIA: O que o levou a pôr na súmula que o gol do Flamengo foi marcado pelo Nixon quando todo mundo viu que o autor foi o Márcio Araújo?

Marcelo: Porque, dentro de campo, durante o jogo, eu vi gol do Nixon. E como tenho que seguir as normas do Estatuto do Torcedor e redigir a súmula logo após a partida, sem nenhum tipo de consulta, relatei o que vi. Aliás, assim como a arbitragem, muitos narradores de rádio e alguns torcedores também viram gol do Nixon. Só mudei minha visão horas depois da decisão, após ver o lance duas, três vezes, em um site na internet. Nem pela televisão consegui chegar a uma conclusão.

O DIA: Ficou aborrecido com seu equívoco?

Marcelo: De forma alguma.

O DIA: Existe algum meio de corrigir o erro na súmula?

Marcelo: Impossível. Está feito. Se fosse assim seria ótimo e os resultados de campo seriam mudados. O gol do Thierry Henry em que ele ajeitou com a mão seria anulado e nem teríamos aquele gol de mão do Maradona. Está lá e nada pode ser mudado.

O DIA: Como reage ao fato de a Ferj ter ignorado a sua súmula e admitido, em nota oficial, que o gol foi de Márcio Araújo e irregular?

Marcelo: Sem problemas. Foi apenas uma decisão burocrática. Eu vejo o jogo no campo e tenho que decidir tudo em uma fração de segundos. Não posso e não tenho nenhum recurso tecnológico para me auxiliar. A Ferj viu que o gol foi do Márcio Araújo, como realmente foi, e decidiu esclarecer as coisas. Só isso.

O DIA: Como viu a repercussão pelo erro da arbitragem na decisão de domingo?

Marcelo: Me sinto tranquilo. Triste, mas tranquilo. Era uma final de campeonato, com duas grandes equipes, uma partida equilibrada, cheia de rivalidade, um Flamengo x Vasco. A repercussão, para o bem ou para o mal, foi compatível ao peso do clássico. Eu trabalho todos os dias para fazer o melhor. Dei o meu melhor no Maracanã. Agora, hoje, existe o jogo do campo e o jogo da TV. Se querem apitar pela TV, que mudem as regras do jogo.

O DIA: Isso absolve os árbitros?

Marcelo: A arbitragem perdeu para a tecnologia. O que vamos fazer para melhorar? A entrada da tecnologia. Uns vão acertar, outros errar. É assim mesmo, é uma coisa secular. Os olhos humanos nunca vão competir com a tecnologia. Os lances do campo só foram discutidos com replay. Se não fosse a tecnologia, nem estaríamos discutindo sobre isso agora.

O DIA: Então o vilão é a tecnologia?

Marcelo: Não estou reclamando. A tecnologia mais absolve do que condena. O triste é que até os 45 minutos do segundo tempo era uma arbitragem nota 10. Depois, a tecnologia colocou tudo a perder. A gente lamenta. Já desculpei o que tinha que desculpar. A reclamação do Vasco é legítima. Fazer o que, né?. Em sete anos, é a primeira final em que a árbitro interferiu num resultado de jogo. Mas faz parte do futebol.

O DIA: Como foi o dia seguinte à decisão?

Marcelo: Tranquilo. Acordei às 5h30, cheguei ao quartel às 7h e trabalhei normalmente das 8h às 12h. Infelizmente, a arbitragem no Brasil ainda é amadora e preciso me dedicar a minha carreira militar para sustentar a família. Vida que segue.


Márcio Araújo toca para o fundo da rede e vira herói do Flamengo no Clássico dos Milhões
Foto:  Uanderson Fernandes / Agência O Dia
O DIA: E como foi sua rotina no quartel? Alguém mexeu contigo?

Marcelo: Pelo contrário. Fui parabenizado o dia todo pela arbitragem que fiz no domingo. Elogiaram muito minha atuação individual em um jogo difícil, com os ânimos acirrados. Foram unânimes quanto a minha atuação. Alguns só lamentaram o erro da equipe de arbitragem, do auxiliar. Mesmo assim, concordaram que foi um lance difícil. Mas a repercussão, no geral, foi bem positiva, inclusive na mídia. Mas não quero brigar com a imagem.

O DIA: As redes sociais hoje estão em evidência. Você não se sente muito exposto na Internet? Publicarem uma foto sua com a camisa do Flamengo prejudicou sua carreira?

Marcelo: Exposto? Nem ligo para isso. Apesar de ser arbitro Fifa, sou sargento da marinha, casado, pai de três filhos, moro em Itaboraí... Levo uma vida normal. Mas sou um trabalhador da arbitragem. Não posto nada na Internet sobre futebol, preservo meu Facebook, pois há muita gente maledicente, qua faz montagens, denigrem sua imagem. Só lamento isso. Não posso mudar minha vida por causa de pessoas doentes.

O DIA: Fica incomodado, com medo de outro tipo de represália?

Marcelo: Enfrento estas situações com coragem, sem me intimidar. Quando o bom se cala, o mau toma conta. Algumas pessoas fogem nessas situações. Eu estou aqui para enfrentá-la. Infelizmente, a nossa sociedade está se trancando em casa e deixando o mal tomar conta em todas as áreas nos dias de hoje.

O DIA: Como reage às insinuações de que é rubro-negro? Você torce para algum clube?

Marcelo: Sou Marcelo de Lima Henrique Futebol Clube. Não tenho time. A sociedade não está preprada para saber para qual time um árbitro torce ou torcia quando era jovem. Vivemos em uma sociedade doente. Nem mesmo um jornalista ou um jogador de futebol podem revelar para que time torcem. Mas fico indiferente às insinuações sobre meu time. Já apitei dez finais no Rio e varias no Brasil, tenho respeito na arbitragem.

O DIA: E a polêmica envolvendo sua mulher, vascaína, que deu declarações antes da final de domingo e segunda disse que ficou triste com o erro da arbitragem?

Marcelo: As pessoas têm suas individualidades e têm que ser repeitadas. Não a proibo de falar sobre o que pensa, o que sente. É claro que procuro orientar quando o assunto é futebol, mas não a proíbo de tocar no assunto. Mas sempre há os maledicentes que pegam uma frase fora de contexto, para criar polêmica. O que posso fazer? Não proibo nem meus filhos de dizerem o que pensam, como vou proibir minha mulher? Não me importo com essa polêmica.

O DIA: Como foi seu reencontro com ela domingo à noite, após o jogo?

Marcelo: Como sempre, com carinho e respeito. Vimos a reprise do jogo à noite, ela me parabenizou pela minha atuação individual... Somos casados há 21 anos, já arbitrei jogos de pelada, na várzea, minha mulher sabe o duro que dei para chegar onde estou na arbitragem brasileira. Ela realmente torceu muito pelo Vasco, mas a torcida dela é maior por mim. Quando erro, ela até me cobra, mas de forma cosntrutiva, procurando ajudar. Eu quero o bem do futebol. Ela sabe disso.. A gente separa as coisas.

O DIA: E seus filhos como reagem?

Marcelo : Com naturalidade. Eles têm seus clubes, são cariocas. mas nunca trouxemos paixões clubísticas para dentro de casa. Eles falaram pouco sobre o jogo de domingo.

O DIA: Algum vascaíno?

Marcelo: O Pedro (Gomes), de 19 anos, é Vasco. Mas me deu os parabéns também. O Marcelo Henrique, de 17, é flamenguista e joga no Sub-20 do Friburguense. Sabe como as coisas acontecem no futebol. Ainda tenho a Luiza, de 15 anos, que torce para o Fluminense. Mas meus filhos nunca me deram trabalho em relação ao futebol e às minhas arbitragens. Fizeram suas escolhas clubísticas e reespeito. Nunca fui com eles ao Maracanã assistir um jogo. Eles são discretos e traquilos.

O DIA: Você estará de volta a campo na abertura do Brasileiro, certo? Está preparado?

Marcelo: Estou escalado para Figueirense x Grêmio, em Florianópolis, mas só vou pensar neste joga na sexta-feira. Quinta-feira, vou apitar The Strongest x Defensor, pela Libertadopres, em la Paz. Meu foco, agora, é nesse duelo. Encaro o próximo jogo como todos os jogos em minha carriera. Com respeito e semrpe buscando fazer o melhor. Houve erro no Flamengo x Vasco, mas vida que segue.

Fonte: O Dia
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