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Mesmo em crise, morador da Líbia acompanha o time do Vasco

BENGHAZI, Líbia. Imaginem Galvão Bueno, locutor de futebol da TV Globo, narrando um jogo de futebol assim:

— Toque de bola curta para número 5, empurrou na ponta-esquerda para número 7, que levantou na boca do gol para número 10 e, Alá, é GOOOOOOLLLL do número 10!

Durante muitos anos, era assim que o futebol era narrado na Líbia. Até no campo, o ditador Muamar Kadafi dava ordens.

— Kadafi não queria que ninguém fosse mais famoso do que ele. Então, os jogadores só eram chamados pelo número da camisa. É como ver um jogo de futebol com Ronaldinho Gaúcho, mas em que o seu nome não é pronunciado — conta Seraj El Kershini, de 27 anos.

Professor de Inglês, Biologia e Química pela manhã, Seraj é locutor de futebol nas tardes de jogo. Na sua casa, em Benghazi, ele tira pilhas de cadernos escritos à mão de sacos de plástico, que relatam em detalhes cada jogo que assistiu ou narrou na vida: número de faltas, cartões amarelos, qualificação, breve história dos jogadores. Como a maioria da população na Líbia, Seraj é fanático por futebol. Conhece todos os times brasileiros, a ponto de saber quem joga no Vasco ou no Flamengo. Até mulher na rua cita nome dos jogadores brasileiros:

— Ronaldo, Kaká e Roberto Carlos são os meus preferidos — dizia, ontem, Fatma Fathi, de 22 anos, estudante de Medicina.

Já Seraj trabalha para um site de esportes dos Estados Unidos, especializando- se em futebol norte-africano.

— A seleção do Brasil não é mais tão boa quanto antes... Desculpa, mas é fato — opina.

Seu primo, Ahmed al-Musli, atacante do time do El Ahli Benghazi — equipe da primeira divisão — é chamado de Ronaldo da Líbia. Mas, ontem, instalado na sua bela casa em Benghazi, na parte dita “nova” da cidade (de novo não tem nada, pois a infraestrutura do local está em frangalhos), o jogador mandou dizer ao primo que estava “ocupado”. Em período de guerra, com o país parado, só há uma ocupação hoje em Benghazi: protestar.

— Na realidade, acho que ele está com medo — revela Seraj, hesitante, sem explicar o porquê.

A explicação, talvez, esteja aqui: Musli é amigo de al-Saadi Kadafi, o terceiro filho do ditador, que foi jogador de futebol. Numa cidade tomada pelos rebeldes como Benghazi — onde hoje só se pronuncia o nome de Kadafi para chamá-lo de “macaco”, “cabeludo” ou “maluco” — os amigos da família do ditador estão discretos.

Já Salah Jakram, goleiro titular do al-Nasser, o segundo melhor time de Benghazi, foi morto durante a conquista da cidade pelos rebeldes. Mas não como herói, segundo Seraj, que suspeita que o jogador, que é negro, tenha sido confundido com um mercenário de Kadafi, quase todos negros africanos.

Todos os times de futebol do país estão nas mãos de pessoas da família ou ligadas diretamente ao ditador. Os jogadores passaram a ser chamados pelos nomes nos últimos anos. Por um único motivo: Saadi, o filho do ditador, virou jogador de futebol. Ficava estranho só chamar o filho de Kadafi pelo nome e o restante do time pelo número da camisa. Para os jogadores, foi um raro privilégio: até hoje, na Líbia, nenhum ministro é citado pelo nome, apenas pelo título. O único nome que se menciona na TV é o de Kadafi.

Abdulawahab, pai do jogador Raof Gajum, da linha de defesa do time El Ahli Benghazi, sorri quando se lembra dos jogos:

— Era tão engraçado e ridículo assistir ao jogo só com o número das camisas. No final dos anos 80 e início dos 90, Kadafi chegou a interromper todas as atividades de futebol na Líbia. Com os jogadores ficando famosos, dizia: “Jogador não participou da revolução” (o golpe que o levou ao poder, em 1969) — conta Abdulawahad.

Kadafi também manda em campo. Seraj, o locutor, conta que não é por acaso que Saadi — considerado um jogador ordinário — marcava mais gols do que os craques do país. No campeonato nacional de 2001, segundo o locutor, Saadi acumulou 17 gols. Um jogador muito melhor do que ele, Mustafa Barka, do Ahli Benghazi, conseguiu, no máximo, 10.

— Quando Saadi jogava aqui, o goleiro (do time adversário) sempre dava uma chance para ele fazer gol. Era óbvio. E toda vez que ele caia em campo, o juiz apitava falta — conta Seraj.

Durante anos, o ditador financiou a carreira do filho e a passagem de Saadi por três clubes italianos — não por acaso. A Líbia é uma ex-colônia da Itália (1911 a 1947), e os dois países mantiveram estreitas relações. A Fiat tem vários negócios com a família Kadafi. A empresa italiana é também dona do mais antigo time italiano — o Juventus — onde Kadafi também tinha ações. Saadi treinou no Juventus e depois jogou no Perugia, em 2003. Luciano Gaucci, o dono do Perugia, teria dito, segundo a imprensa italiana, que o primeiro- ministro Silvio Berlusconi o encorajou a contratar o filho de Kadafi, pelo bem das boas relações entre os dois países. Saadi caiu em desgraça no futebol da Itália quando, em 2003, foi flagrado num teste antidoping com uma substância proibida no sangue.

O filho do ditador parou de jogar futebol em maio de 2006. Hoje, a seleção da Líbia está em 70olugar no ranking da Fifa. Mas Seraj vê um bom futuro:

— Anote aí: sem Kadafi, o time da Líbia vai emergir. E um dia vamos ganhar do Brasil — disse Seraj, rindo. A Líbia nunca conseguiu sequer se classificar para a Copa do Mundo.

(Matéria reproduzida diretamente da versão papel do Jornal O Globo)

Fonte: Jornal O Globo
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